Samir Machado de Machado é escritor, autor de Tupinilândia (Todavia, 2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Quando eu trabalhava batendo ponto, acordava sempre uns quarenta minutos mais cedo para escrever antes de ir para o trabalho, e depois quando voltava para casa, revisava à noite (mas o período mais produtivo acabava sendo sempre o sábado). Atualmente, tento me impor uma rotina, nem sempre com muito sucesso. Envolve café e biscoitos ao acordar (eventualmente substituído por chá), checagem de e-mails e mensagens, e então começo a escrever. O clima de início-de-algo de toda manhã me estimula.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pela manhã bem cedo até o meio-dia. Escuto músicas específicas, geralmente trilhas sonoras, que me colocam no clima que quero, e às vezes releio passagens de livros ou assisto trechos de filmes que produzem o mesmo efeito. A tarde deixo para trabalhos que pego como freelancer. Quando não há trabalho, saio de casa para ler em alguma cafeteria das redondezas, longe de um computador. Mas, aparentemente, entre 16h e 17h parece ser o horário nacional de se responder e-mails, então acabo retornando para casa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Nos períodos mais produtivos, escrevo um pouco todos os dias. Eventualmente, sempre chego em algum ponto onde o processo “tranca”, geralmente porque ao longo do desenvolvimento do livro algumas ideias foram descartadas, novas ideias surgiram, e é preciso repensar alguns aspectos do que foi proposto. No momento em que termino um livro, começo outro. Quando o processo tranca, parto para outra ideia. A alternância faz com que, quando eu retorne ao texto, consiga já fazer com algum distanciamento.
Quando eu tinha oito anos de idade, sonhava que iria escrever histórias para o Pato Donald. Escrevia, desenhava e encadernava minhas próprias, me impondo um ritmo mensal de várias histórias, que tinham apenas eu e minha irmã como público. Isso se tornou útil, anos depois.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não tem um método fixo. Em Quatro Soldados, eu tinha os personagens, e a partir deles desenvolvi a ambientação e o conflito. Em Homens Elegantes, eu tinha o conflito — o herói gay contra o antagonista homofóbico — e a partir disso desenvolvi a ambientação e os personagens. Em Tupinilândia, o protagonista do livro é a ambientação, e ela foi a primeira coisa a ser desenvolvida, para depois buscar os personagens e conflitos.
Eu começo reunindo uma bibliografia básica, tanto de não-ficção quanto de ficção, pois uma coisa que muito me ajuda é ver como outros autores já abordaram aquele tema ou período histórico. Acho importante saber o que outras obras já fizeram. Se estiver passando por um caminho já trilhado, gosto de saber se o que faço dialoga com outras obras ou não, se faço menção à referência ou coincidência, ou se ignoro. É como ter um mapa.
A pesquisa, aliás, não termina enquanto o livro não terminar. Como lido com temas históricos, às vezes uma informação importante surge no meio do processo que torna necessário repensar parte da trama — em Homens Elegantes, havia ocorrido não um mas dois terremotos no período em que se passava a trama, e eu não podia simplesmente ignorar isso. Em Tupinilândia, eu determinei que a ação da segunda parte do livro ocorreria durante o ano de 2016 enquanto escrevia o texto, mas só quase um ano depois, consegui ver com clareza o que era descartável e o que era importante, como fato histórico naquele ano.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu venho da publicidade, onde corresponder à expectativa do cliente não raro significava nivelar por baixo a criação — eu chamava de “fazer downsizing criativo”. Então, com escrita, a única ansiedade quanto à expectativa é a minha própria, de dizer o que quero dizer da forma mais precisa possível, e ficar satisfeito com o resultado. Não tenho como saber a recepção do leitor antes da publicação. Escrever é como contar uma piada e esperar dois anos para saber se alguém vai rir dela. O processo é naturalmente longo.
As travas de escrita são mais problemáticas, mas são previsíveis no processo. É quando me foco em ler, assistir ou escutar algo não-relacionado com o tema do meu livro. A aleatoriedade é um componente importante na minha criação literária, como aliás é na vida e no dia-a-dia. Uma frase solta em um momento inesperado acaba servindo para destravar o processo quando menos espero. Meu único problema mesmo é com a procrastinação. Mas mesmo ela acaba obedecendo a um certo padrão, que culmina em escrever mais.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Ao menos três. Parto do princípio que a primeira versão de qualquer coisa é sempre uma porcaria. Até porque meus livros são muito baseados na evolução da trama, e como os personagens evoluem com ela. Só tenho uma imagem completa do livro quando chego ao fim dele, olho para trás, e vejo as ideias e personagens que se perderam pelo caminho e podem ser cortadas, ou aqueles que surgiram no meio do processo, entraram de modo um tanto gratuito, e precisam ser reescritos de modo mais orgânico à trama.
Sempre que consigo, ou quando encontro alguém disposto, peço o auxílio de um leitor beta. Cada pessoa tem um perfil diferente como leitor, e reage de modo diferente a questões do texto, então é um processo que pode ser muito enriquecedor, ao menos para saber onde o texto está funcionando e com quem.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu monto um esqueleto da estrutura de cada livro numa caderneta, onde anoto ideias soltas, nomes de personagens, referências bibliográficas e diagramas que me ajudam a ter uma ideia mais concreta do livro. Mas escrever mesmo, só no computador. Uso o Word.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
De coisas que gosto tanto, tanto, que quero reescrevê-las tornando-as minhas. Filmes, livros, músicas, quadrinhos. E de ter curiosidade pelas coisas, pelas pessoas e pelo mundo. A falta de curiosidade é a única característica que acho indesculpável e insuportável em um ser humano. Tento ser aberto a propostas novas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que peguei mais confiança em relação a como dizer o que quero dizer. O que eu escrevo agora é consequência do que já escrevi antes, e não há nada que eu voltaria atrás, em termos de estilo. Não teria como meu texto estar onde está agora sem ter passado por onde passou.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho ideias soltas para um romance de horror gótico, uma trama detetivesca tradicional, e talvez um infanto-juvenil, mas são coisas para o futuro.
Os livros que eu gostaria de ler e ainda não existem são os próximos livros dos meus autores favoritos. O que mais vier do Ian McEwan, do Daniel Galera, do Antonio Xerxenesky, do Allan Hollinghurst.