Samanta Esteves é escritora, autora de “Estilhaço” (Patuá, 2017).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho nenhum tipo de rotina matinal, esse é um dos meus problemas. Acredito que uma rotina matinal seria importante para manter um ritmo de escrita, mas infelizmente ou felizmente tenho feito com que a rotina não faça parte do meu trabalho de criação.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não há nenhuma hora do dia específica em que trabalhe melhor, embora tenha uma preferencia natural pela noite, já que sou uma pessoa muito noturna. Também não tenho ritual de preparação para a escrita, ela me vem como um lampejo ou uma necessidade interna a que tenho que obedecer.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo todos os dias e se o fizesse sofreria muito, porque a escrita exige muito de nós. A literatura é uma forma de sangrar, de sofrer, de elaborar a dor. Não é todo dia que estamos preparados para isso. Também não tenho nenhum tipo de meta diária, não gosto da ideia de burocratizar o processo criativo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita é bastante desordenado, caótico e pouco sistematizado, um pouco como eu sou. Uma vez que me vem o lampejo para um poema, ele me vem fácil e costumo escrevê-lo em um intervalo – às vezes – de minutos, como um tipo de exorcismo de algum sentimento ou angústia.
É raro fazer uma pesquisa apenas para escrever um poema, mas quando faço poemas com temáticas cujo domínio não possuo, busco procurar um pouco sobre o universo que estou a visitar em busca de constituir metáforas, imagens.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu não lido. Procuro me desviar das exigências e competições literárias que servem mais à briga de egos que à literatura. Travas de escrita e crises criativas eu sempre tenho, só me cabe esperar o momento certo em que ela vai acabar para que coisas novas possam nascer.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Naturalmente, reviso todos os textos que serão publicados em plataformas oficiais, mas sou muito distraída e comumente passam desvios ou erros despercebidos e só me resta assumi-los como parte do processo criativo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Embora não seja uma pessoa muito tecnológica, estranhamente a tecnologia tem feito parte do meu processo de criação. Grande parte dos meus poemas são feitos no bloco de notas do celular e depois organizados em PDF’s de acordo com os projetos em que quero me inscrever.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm dos meus sentimentos, na verdade transformo os sentimentos em poesia. A poesia, pra mim, é uma forma de sublimação de elaboração da minha subjetividade. É daí que tiro a matéria da minha criação.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou pouca coisa no meu processo de escrita ao longo dos anos. Desde pequena, escrevo como uma espécie de refúgio. A diferença é que ao longo dos anos tenho aprimorado a qualidade de meu processo de escrita e tenho pensado para além do meu próprio umbigo a fim de retratar também as dores do mundo a minha volta.
Se pudesse voltar no tempo, não diria nada. Daria um brande abraço em mim mesmo, com orgulho, por ter por vias às vezes tortuosas conseguido desde sempre transformar dor em lirismo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever um livro de contos mal-assombrados sobre as violências e opressões que vivi indiretamente como mulher na sociedade patriarcal. Preciso acertar as contas com alguns traumas ainda não transmutados em literatura. Sobre o livro que gostaria de escrever, seria o livro que Marcel, ao fim de “Em busca do tempo perdido”, de Proust, disse que escreveria.