Salomão Larêdo é escritor e jornalista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Leio e escrevo todos os dias, diversas vezes ao dia, muitas; acordamos – eu e Maria Lygia, minha mulher – às 4h30 da manhã, rezo, fazemos juntos o café, arrumamos a mesa, ajudo Maria Lygia a acertar o nosso alimento, lavar, acertar a louça e as coisas na cozinha e vamos à ginástica, aproveitando para conversar sobre as coisas que vamos executar como ir à fisioterapia, fazer exames, visitar pessoas, caminhar, fazer atividades físicas, cuidar do bem estar espiritual, do meu físico, do meu corpo, procuro ler os jornais impressos e vejo notícias nas redes sociais. Cedo alimento meu Facebook e procuro me organizar no meu escritório para poder trabalhar, desde cedo, agora, aposentado, em casa. Todo dia e diversas vezes ao dia acrescento textos nos vários livros que escrevo, seja ficção, poemas, memória pessoal e literatura de testemunho. Trabalho nos meus textos e nos meus mais diversos livros que escrevo ao mesmo tempo, com o apoio das minhas anotações; antes de escrever, leio e muito, muito, sempre. O escritor é sempre mais leitor e então completo, revejo e releio meus materiais, tomando as devidas providências que o texto requer. Normalmente, pela manhã, efetivo minhas atividades de trabalho externo, com objetivo de voltar para casa antes do meio dia, tomar banho, conversar mais um pouco no gabinete de minha mulher, acertar questões de nossas finanças com ela que toma conta disso, saber as novidades, rir, relaxar e depois, almoçar e em seguida já retomo às atividades, concentrando-me no labor literário, nos meus textos. Respondo entrevistas, e-mail, converso com leitor através das redes sociais, posto coisas, vejo o que postam, interajo com todos e com tudo. Algumas vezes, prolongo o trabalho até ao anoitecer, mas nada, até muito tarde, visto que hoje, zelo muito mais pelo meu lazer, pelo meu descanso e relaxamento, assisto a algum programa na televisão ou a telenovelas, sempre observando as narrativas e novidades, sempre com livro e papel perto de mim. Leio, anoto, converso, escrevo e vejo tevê ao mesmo tempo. Não gosto do termo “rotina”, porque mudo muito, mas tenho uma orientação do que fazer durante o dia para manter a disciplina, aproveitar bem o tempo e dar conta de tudo para me sentir bem, disposto e partícipe da vida em sociedade, feliz, alegre, contente!
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Em qualquer momento do dia, presentemente, disponho do meu tempo para digitar os textos, de manhã, tarde e noite, após o almoço… Caso surja alguma ideia em qualquer instante, anoto e depois, desenvolvo. Não tenho ritual de preparação para escrita, mas, tenho o costume de fazer anotações quando leio, pesquisa, para desenvolver trabalhos futuros, acrescentar ou integrar nos textos onde percebo que seja necessário, que vai cair bem neste ou naquele texto. Para mim não há um momento melhor que o outro, pois toda hora é hora boa de escrever, não distingo. Gosto de escrever, de criar, de trabalhar e trabalho muito, escrever dá trabalho, canso, mas gosto, é divertido porque cansativo. Dedico muito tempo a essa tarefa, a essa profissão, a esse exercício. Escrever é composto por leitura, estudo, pesquisa, anotar, pensar, reescrever, reler, revisar, cortar, ler em voz alta, ver a melhor palavra àquele personagem, à situação. Como escritor, tenho que tirar tempo para ler – muito e muito -, meditar, pensar. O escritor tem, creio eu, que estar preparado para dedicar tempo ao exercício do texto, seja leitura, seja a escrita, porque escrever é trabalhoso, difícil, requer concentração e disponibilidade de tempo, estar só, retirado; apesar disso, gosto dessa atividade que me permite expressar experiências de vivências e de leituras procedidas ao longo do tempo e todo o tempo. Sei que recebi talentos, porém, ai de mim se não desenvolver, multiplicar esses dons por meio do estudo, da pesquisa e sobretudo da leitura, tenho que ler e ler tudo, tudo, para poder escrever observar, estar em contato com o outro, com o povo, com o cotidiano de toda gente, ouvir, escutar, observar, anotar, perguntar, escutar e ler o que os outros falam, cantam, contam, é um exercício bonito, é um poema constante, é fruir o poema é saber curti a poesia e retirar o sumo para laborar o texto que tem que refletir meu tempo, a sociedade, o que penso, o que ouço e o que o leitor quer ler, busca, procura. Quando escrevo ouço músicas variadas, desde a erudita, a clássica, MPB, brega, merengue, samba, cúmbia, ladainha, música egípcia, italiana, de santo Domingo, inglesa, the Beatles, Pink-Floyd, Santana, Jorge Ben, Tori Amos, Caetano, Bach, Tchaikowsky, Angela Rorô,Dona Onete, Gabi Amarantos, Nilson Chaves, música de filme, gosto de faroeste, coisa alegre, tema de enterro, de vida, sexo, bossa nova, hip-hop, detesto violência, sangue, mas nada rejeito, ponho tudo nos meus livros, invento letra e música e dependendo do tema e do personagem, mudo as músicas como se fosse uma trilha, um tema especial daquela personagem e adoro nomes, inventar, adoro por muitos personagens em cena e falar de personagem dá um tema muito legal que não estão me perguntando nesta entrevista. Invento nomes, repito, pois há muitas Veras, Sônias, Multias, Dias por onde ando e ouço muitos nomes na rua, fazendo muitas coisas que depois não sei como continuam e assim se comportam no meu texto. Um dia falo melhor dos nomes, muitos, de gente personagem que ponho nos meus romances, nos meus textos, é uma alegria, uma invocação e convocação. Escrever é uma farra e uma festa, festona, num puteiro, num cabaré, na sala da rainha, na alcova da madona, no gorro da ninfeta, em casa de família, no clube ou no cinema, no Humaitá etc.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos concentrados quando estou concluindo um trabalho que exige foco e concentração, sintonia fina. Mas, procuro distribuir bem o tempo, para não exagerar, não me cansar demais, não me exaurir demais. Ainda que haja momentos de frenesi, que estou em 220 volts. Sei que escrevo muito e quero sempre e cada vez escrever mais. A minha meta é ler e escrever todos os dias, mesmo que pouco, para não interromper o exercício da leitura e da escrita. Mas, antes de tudo, praticar a leitura porque não há como escrever, sem, antes, ler, ser leitor e esta, sim, é a maior das aventuras: ler, escrever, ah como gosto de escrever, nasci para ser escritor, é o que sei fazer e me esforço para enredar o leitor, para seduzi-lo para o meu texto, para que se interesse por aquilo que coloquei no livro, tenha o suporte, a plataforma que o leitor desejar e quiser, mas o texto, este é criação minha, fruto de trabalho, de suor, do pensar que o labor tenha como resultado o melhor texto, a frase bem construída e isso se consegue com dedicação, com empenho, com disciplina e com amor ao que se faz, no meu caso, literatura. Gosto de criar e ando em busca de novas experiências, novas formas narrativas de expressar a vida, a poesia, a poética através do texto literário.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tenho por hábito escrever todo dia e diversos textos ao mesmo tempo, sem me atrapalhar com nada e colocar cada texto no livro certo, na personagem exata. Algumas vezes, para dar trela ao que falam sobre o assunto, tentei fazer uma espécie de roteiro, sinopse. Não dá certo. Subverto, desobedeço. Logo estou escrevendo solto, livre, sem ligar para o projeto ou esquema e aí, rasgo, desprezo. Penso alguma coisa, ir numa vereda, mas tudo vai aparecendo livremente à medida que escrevo. A todo instante surgem, ah isso sim, nome de personagem num personagem que se manifesta, que quer entrar, participar, que é isso e aquilo e fico conversando, dando trela com esse saliente que diz quem é e onde quer entrar, o que quer dizer, em que parte do livro prefere e em qual livro. Anoto tudo e depois vejo como atender. Posso dizer que tudo se enforma organicamente, bonito, como um poema, como um milagre, como algo que não se sabe como acontece, que você faz e parece que, depois que se vai ler, que foi alguém que ficou soprando no teu ouvido, te dizendo como narrar, é mágico, é bonito, é algo que não sei explicar, acho que é o dom, que é o espírito santo ou alguém que fala através de mim que sou usado como profeta, como quem está ali exercendo a função de escritor, que tem que fazer direito porque é seu mister, veio a este mundo com este objetivo, de escrever, é assim que me vejo. No cotidiano, anoto, em pedaços de papel, nomes, fatos, coisas que o ouço o povo pronunciar, estou atento às falas, as polifonias, ao que leio, ao que me contam. Uso isso quando estou tecendo o texto e depois descarto esses papéis. O jornalismo me ajuda muito, principalmente na pesquisa, pois sou sempre um repórter observando, anotando, inquirindo, querendo saber os detalhes. Na verdade, o jornalismo sempre está também dentro de mim, compondo o meu lado, seja o lado A ou B. Penso que vim a este mundo para ser escritor, jornalista, comunicador, alguém especial, que gosta, que tem que exercer essa profissão, de ser artista da palavra, de ser escritor. Isso é muito profundo, lindo, especial.
Adoro a palavra e como ela boia, surge, aparece, é dita, é articulada, é construída e procuro brincar com elas, construo, customizo para aplicar no texto que crio e recrio. É uma diversão, um prazer, uma comichão, delícia, só sabe o valor, a alegria, quem pratica a escrita, quem lê, quem cria. Gosto de criar e ando em busca de novas experiências, novas formas narrativas de expressar a vida, a poesia através do texto literário. Escrevo para encantar as pessoas, para seduzir leitor, para ajudar a formar leitor com senso crítico, para pensar e ser cidadão cultural e transformar tudo, para melhor.
Escrever, repito, é tarefa trabalhosa, dá muito trabalho, escrever e é, pra mim, também um exercício de paciência, e, por isso, escrevo diversos livros ao mesmo tempo para dar tempo ao tempo, tempo da espera, a paciência pro texto sentar, pois o texto é caprichoso, qual, por exemplo, o ser feminino, a mulher, demora na sua produção, escolha de cores, tons, feitios, arruma tudo bem bacana para poder sair, se mostrar e eu entendo que está certíssimo assim e assim é também o homem ao se produzir, nessa paridade masculino/feminino procuro entender e ter essa paciência e gostar dessa produção pois, ser humano, sou exigente com tudo que faço e gosto dessa preocupação que todos devemos ter – e a mulher (a mulher sempre ensinando, lecionando cuidadosa o compor-se, o ser, o viver) tem, se esmera e isso não é elogio específico porque, como disse acima, não se trata apenas da mulher, todo ser humano, homem ou mulher, aliás, tanto o masculino e quanto o feminino, a mulher e o homem, todos gostam e precisam desse tempo de apronto, de se mostrar elegante, bonito, bem composto, harmonioso em sua subversão, elegante nas misturas, provocar, porque o texto é arte e é sedução, deve encantar e ser diferente, inovar, todo ser humano, homem ou mulher, masculino ou feminino, quando conclui esse preparo gosta de ser observado, desejado, assim é o texto, compreendo e faço, produzo assim.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sempre há muita dificuldade na produção de um texto literário, de um livro então, é maior ainda. Escrever dá trabalho, é um hibridismo de amor e dor, prazer, satisfação e superar as barreiras naturais, as dificuldades, as pedras do caminho e como são muitas. É que as musas da arte são muito exigentes. Elas testam o candidato para ver se é aquela mesma sua vocação. E como uma profissão, claro, tem seus embaraços, suas frustrações, contradições, ambiguidades porque a vida de qualquer ser humano em sua profissão, nas atividades comuns do cotidiano, é assim mesmo. Lembro que, durante a minha carreira como escritor, fiz até estiva literária. Foi difícil. Nunca desisti dos meus sonhos, mesmo diante dos medos e das frustrações, que todos têm, por isso continuo lutando, sempre, pois cada livro é uma situação especial. É claro que existem bloqueios e situações mais diversas possíveis que nos fazem desanimar, mas o importante é sempre focar nos nossos objetivos para cumprir nossas metas e fazer o nosso melhor para corresponder as nossas próprias expectativas. É muito trabalhoso, porém, quem opta por esse caminho, tem que estar consciente das dificuldades e fazer das pedras do caminho, material para construir alicerces, escadas, andaimes, pontes, edifícios seguros e fortes às possiblidades de consecução do que se deseja, sonha e com tenacidade, sem desistir, jamais, consegue efetivar. Tem sido assim.
Como sou ansioso, gosto logo de ver os rumos e há os contratempos, as imprevisibilidades, entraves, sou testado o tempo todo, porque o texto só se entrega quando é sua hora e isso não comando, quem manda é o próprio texto e para não me estressar, porque gosto de escrever e fazer o texto, escrevo muito e assim, elaborando muitos textos, vou amenizando essa ansiedade, digamos, essa impaciência que não é afobação, é necessidade, pra mim, de produzir e para surgir um bom texto o escritor precisa de tempo, de leitura, muita leitura, pesquisa, pensar, buscar o melhor e aí tem que trabalhar e retrabalhar o texto, reescrever, mudar, trocar palavras, por a mais adequada, reler, mudar, o que elabora o texto, o refaz, é um processo lento, extenuante, trabalhoso, puxa pela memória pessoal que é vital ao escritor e por aí é que gosto pois o texto reflete, de certa maneira, se relaciona, com a minha vida, com tudo que vivo, vivi, vivenciei, li, experimentei, obtive depois de sucessos e insucessos da própria vida que vou narrando, contando as histórias, preparando as ficções que se inter-relacionam e interagem com o que fruo da poesia que é a vida e dos poemas frutos das leituras do que está por aí e nos livros, revistas, jornais, na internet, no cinema, no teatro, da observação do que há nas pessoas, o que elas mostram se tornando personagens pelo jeito, pela fala, linguagem que aproprio do real e do imaginário Amazônico ou não, daqui e dali, em que a diferença é sutil, quase inexiste e se forma e se enforma e informa e se mede e se mete das e nas minhas construções e das minhas raízes e vou tecendo nessa mistura mítica, mestiça, profana, sagrada, hóstia de cupuaçu que construo e imagino com minha experiência pessoal, meu modo de ver as coisas, a vida, o mundo, as criaturas, as coisas, as pessoas, o místico e o mistério, o meu e o de todo o mundo que me influencia desde o meu começo na Vila do Carmo cametaense e por onde passo, em todos os mundos do mundo de todo mundo, cenários bonitos e outros, nem tanto, mas, são cenários, são os dramas humanos que todos vivem e contam e descontam por meio do meu texto que enche e vaza, qual a maré e vai se formando e quando percebo construí outro nessa paciência/impaciência de que falei acima e que é vida do texto nessa vitrola que canta a cantiga que minha mãe cantava me embalando e eu balançando no líquido amniótico e anedótico dessa imensa invenção que é o texto transformado em leito e leitura, beira de rio e de cio. Chega!!! Engatei uma quinta marcha e o remo puxou o casco com a velocidade das bujarronas enfunadas. Desculpe-me, caro amigo. Em síntese: há um momento em que tu tens que parar e dizer chega e está aí o texto, gostem ou não, está pronto, apto para enfrentar o leitor. Esse time, esse tempo, só com o tempo a gente consegue, com o exercício, é caminho e só caminhando se encontra o caminho, só escrevendo se sabe a hora do começo, do meio e do fim. E é uma luta, permanente. O texto ganha autonomia e quer ser parido e deixe sair e seja o que Deus quiser. Enfrente e em frente, sempre.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso e reescrevo meus textos inúmeras vezes, além de analisar, acrescentar e retirar o que acho necessário. Mas também gosto assim, jogado, atrapalhado, meio caótico, meio bagunçado, diferente de como sou como pessoa, aqui é o escritor, tão somente. Certamente o que faço deve ter muitos efeitos e defeitos colaterais, talvez eu esteja plagiando a mim mesmo, sei que trabalho/retrabalho motivos e motivações, transfiro, uso e reuso personagens homônimas em situações diversas.
Plagiar-me, sim, imitar-me modificando, ativando mimeses nas narrativas, trançando mentiras e sendo mais verdadeiro. Mas, também sampleando, remixando, customizando, reciclando, fazendo colagens, recortes, montagens, performances, instalações, procedendo experiências textuais, trabalhando outros em outras imagens, mexendo e remexendo, mixando produção textual de outros para recriar e criar algo novo daquilo que já foi posto, quem sabe, como no cinema, efeitos de sobreposição e superposição na exposição da palavra que vira texto e revira e volta e revolta, revolta e retorna de onde saiu, certamente, toda mutante para novas possibilidades, reciclada, pondo outras camadas.
A linguagem que tenho e trago dentro do meu corpo – resultado de minhas leituras e experiências de vida e da vida – com a qual desmonto as fórmulas narrativas, tu encontras nos meus textos em poesia, prosa que contaminam de divertida alegria ficcional, enorme prazer de ler, conhecer e se instruir e contagiante livre pensar, porque descontruo, construo, reconstruo, subverto a própria fantasia e procuro, a cada livro, fazer o melhor entrecho para seduzir e enredar leitor e leitora.
Mostro meus trabalhos para o que chamo de conselho editorial, envolvendo amigos e, principalmente, minha mulher que é sempre a primeira a ter contato com o que escrevo. Mostro meus trabalhos a familiares, amigos. Em 1964, escrevi um livreto, e na sala de aula, todos leram e riram muito com o personagem que deu título ao livreto, denominado O porquinho. Perdi. É meu livro de estreia e só existe no afetivo.
É importante ter pessoas ao teu lado que leiam o teu material porque, através das avaliações, podes ver os pontos que precisam ser revistos. Além disso, a expressão facial de alguém, sobre determinado texto, tem, por vezes, o poder de mudar o destino da tua narrativa, isso porque, caso a mensagem não tenha sido transmitida de maneira clara, você toma consciência de que não deve ir por aquele caminho e que, talvez, aquela sua técnica não tenha funcionado. Porém, não podemos esquecer de que o leitor, atento, vai tirar suas próprias conclusões porque, no texto, a conclusão é de quem lê, não é do autor da obra – cuja função é mostrar e demonstrar de maneira lúdica, prazerosa e ficcional os acontecimentos que a sociedade constrói.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Comecei na máquina datilográfica, depois elétrica e no computador, onde permaneço. Não tenho problemas com tecnologia. Meus trabalhos são feitos, todos, no computador, uso a tecnologia a meu favor, é mais prático, rápido. Claro que já perdi muitos textos por falta de habilidade, no começo, hoje é uma ferramenta que não abro mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm do cotidiano, da minha vivência e memórias, as quais têm forte influência na minha escrita, certamente das mais importantes, marcantes e significativas. Lembro que, desde novinho, eu queria escrever, contar histórias, ser escritor lido e amado. A experiência poética vivida onde nasci, na Vila do Carmo cametaense, aparece, muito, claro, no que escrevo, produzo. Ficcionista que sou, escrever, para quem vem da Amazônia, é mergulhar de alma e corpo nas águas profundas do imaginário – o qual é repleto de memórias – e do lendário imenso, rico; o escritor tem que estar rodeado de ideias, a todo momento, para poder transformar por do sol, que é poesia, em poema ou um fato rotineiro em uma narrativa fascinante, bela; sentir-se pertencendo a este mundo e a todos os outros mundos que as pessoas pensarem, de maneira coletiva, poética e feliz porque o que escrevo faz o outro se questionar, pensar, o texto provoca, instiga, é uma forma de expressão, de luta, sempre consciente do limite das palavras. Isso possibilita partilhar a palavra, compartilhar ideias e sonhos e viver o tempo da escrita como um presente aos leitores, às pessoas que leem e escutam as narrativas e considerem vivenciar histórias enformadas literariamente a partir da complexidade do real que nos acompanha no tempo e no espaço cotidianamente.
As minhas narrativas também são tecidas com o que eu vejo e ouço por aí, no meio onde eu vivo, as manifestações do cotidiano, do coletivo contemporâneo. Ficcionalizo tudo, tento fazer um texto ventre, gestando, manejo o texto, manjo e manejo de texto. Respeito o conhecimento popular; aprender com o povo que tem a educação do saber, da base e não reprime o que sabe e nem desobedece esse saber, expõe, não oculta. Sou construtor de narrativas – arte de contar -. Procuro dar roupagem nova a lenda sem desnudá-la ainda que a ponha nua em cena, procuro com que haja relação entre mito e o cotidiano das pessoas.
Não faço muito esforço, as coisas, os acontecimentos, as personagens, o assunto, os temas, tudo chega, naturalmente, vem, e eu, escrevo. Aí é trabalheira, trabalho o melhor que posso tudo o que ouço e o que chega até mim, escolho com muito cuidado e interesse a palavra, o modo de contar, trabalho o melhor que puder, afinal, é arte literária.
Por onde ando, escuto o que o povo diz, fico atento, paro até para ouvir bem as conversas. Escuto. Escuto. Escuto essa literatura de boca e que sai pela boca dos informantes, é uma bonita arte literária, a que ouve o outro, que o deixa falar e contar e dizer e contar e eu escuto, escuto, escuto. Se der para anotar, faço imediatamente, se não dá, fico mais atento ainda para não perder nada do que essa palavra contém, toda carga emocional. Escutar é uma arte para se obter a arte do povo, aquilo que o pessoal da academia chama de lexia. Vou andando e ouço a conversaria e aprecio saboreando as palavras que o povo usa nas suas falas e que os técnicos chamam de oralidade.
Acho que essa permanente e constante produção, o escrever, escrever, pesquisar, olhar, observar, ouvir, ver, espiar, patetar, reportar, anotar, escrever, produzir textos, sobretudo em prosa, isso é mesmo coisa feita, é uma espécie de fado de escrever e escrever e escrever e escrever muito, é explicado e decorrente de ser natural de onde sou, de uma vasta, imensa, grande região, a Amazônia, plena de mistérios, cheia de riqueza vegetal, mineral, animal, tudo se explica pela grandeza que me cerca desde que fui gerado, nasci e passei a observar e viver: imensa e misteriosa floresta, muitas árvores, muito mato, muitos animais, muitos rios, muita água, chuvas, olhos d’água, água, as marés, os mares d’água, as águas, as marés lançantes que invadem os terreiros, que alagam tudo, muita água, muita chuva, parecendo um exagero, a umidade do ar de quase cem por cento, aqui tudo é grande, é demais, assim meu texto, minha produção, minha literatura, é só comparar, a maré lançante invade terreiros, ruas, vai penetrando, se abrigando, se expande e depois começa a descer, a sair, lenta e sutilmente e deixa o húmus, as marcas de uma preamar que entra nos igapós e nas várzeas que se inundam, marés provocadas pela lua e pelo sol, eu faço parte integrante deste processo natural, eu estou no meio agindo e interagindo com tudo, fisgando, atraindo, seduzindo e sendo seduzido nessa produção que é também adubo, isca, atração e atracação.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Percebo que pouco a pouco fui transformando a minha narrativa, o modo de escrever, de ficcionar, de contar e mudei para melhor ao longo do tempo, pois meu texto, hoje, está mais sedutor, gostoso, bonito, apurado, ágil e fácil de ser lido, entendido, assimilado, está moderno, tenho acompanhado as mutações, mas mantenho meu jeito, o molho, o estilo. Meu texto é mais agradável e repasso ao leitor e leitora esse prazer procurando estar mais atento ao leitor e leitora e divertir quem me lê por meio do humor inteligente, composto pelos labirintos, novos cenários e situações que construo com jogo de palavras rico em significados, os quais podem ou não ser percebidos nas entrelinhas da narrativa. Gosto do meu texto, hoje, por ele ser muito mais simples, porém, apurado, por ser feito com mais consciência do mister, maior experiência, mais alegria e com mais prazer ainda para quem ler o que escrevo se sentir bem, feliz, vivo vivíssimo e querendo mais o que escrevo, produzo.
Eu não falaria nada a mim mesmo no início da minha carreira porque, durante a minha experiência estética da vida de escritor, posso dizer que, ao começar, eram vasqueiras as informações que conseguia, aqui em Belém, quase inexistiam. Na medida em que ia descobrindo, socializava. Procurei inovar, ser criativo diante da dificuldade de apoio. Valia-me de concursos literários. Usei leis de incentivo. Tive que fazer todo o processo: criar, editar, divulgar, distribuir, controlar venda etc., por isso acabei aprendendo muito, cedo. Acredito que, no começo, o talento deve fluir para, depois, ser aprimorado desde que seja isso que tu gostes e saiba, tenha consciência que és escritor, aquele que escreve por prazer e muito amor, mas consciente do trabalho que dá escrever, visto que é necessário se debruçar sobre o ofício da escrita para obter o resultado que se quer naquilo que se desenvolve e porque se gosta, se ama aquele oficio pois escrever é uma profissão difícil, ardilosa, preciso ter talento, paciência, saber esperar, saber a hora certa das coisas acontecerem.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu projeto é continuar lendo, lendo muito, pesquisar, ser observador atento do cotidiano popular olhando e vivendo os acontecimentos de toda gente, do povo, em toda e qualquer idade e situação, cuíra, atento às novidades, atualizando-me permanentemente para escrever melhor, tecer de modo agradável as histórias, perlaborar livros com novas narrativas ou modos de dizer, narrar, de fabular, mentir, contar e envolver o leitor e permanecer sedutor escrevendo, muito, sempre, produzindo bastante, conseguir patrocínio para editar e publicar todos os livros que já escrevi nas áreas da ficção, do romance, conto, poesia, autoficção, literatura de testemunho. Logo, o livro que eu gostaria de ler é o que ainda vou escrever.