Sabrinna Alento Mourão é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gosto de acordar cedo, mas nem sempre consigo. Toda vez que adoeço meus horários de dormir e acordar se reconfiguram, então é difícil estabelecer uma rotina. Em períodos pré-apocalipticos, eu acordava cedo para ir à universidade. Agora, na distopia, tenho acordado por volta das dez da manhã. A partir do momento em que abro os olhos, ainda na cama, bebo um gole de água da garrafa que deixo ao meu lado durante a noite, e a Malu, minha gatinha, vem pedir carinho e não aceita que eu abra o celular para ver as notícias antes de dar pelo menos quinze minutos de atenção para ela. Depois disso, costumo lavar as louças, enquanto espero a água do café ficar no ponto, preparo o café e tomo em jejum pra dar aquele susto no estômago. Leio as notícias enquanto tomo café e dou um tempo até começar a fazer o almoço.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acho que a manhã é meu melhor momento para tudo. Quando escrevo de manhã, preparo um café e demoro a beber, às vezes até esqueço, mas como só tomo um café por dia, bebo ele frio mesmo. Quando a ideia não tem muito corpo, prefiro escrever quando tudo está no mais absoluto silêncio, porque sinto que essas ideias se desenrolam num lugar muito frágil, e o menor ruído afasta o que ela poderia se tornar. Quando a ideia está mais consolidada, gosto de escrever ouvindo música, escolho músicas que acho que vão me ajudar a conduzir a escrita, como deve ser uma dança. Não sei como é isso de dança porque não sei dançar, mas deve ser tipo isso. Gosto também de pensar em alguma banda que nunca ouvi, mas todo mundo conhece, e aí eu começo a ouvir a discografia e começo a escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Acho que se eu criasse meta diária para escrita, nunca mais escreveria uma linha. Não sou uma escritora assídua. Escrevo muito espaçadamente, deixo o texto vir até mim. Quando era mais jovem, algo entre os 15 e os 18 anos, escrevia com muita frequência, praticamente todos os dias. Com 16 anos eu já tinha alguma ideia da estética que queria dar aos contos, aos poemas, e escrevia. Foi um momento que usei a literatura como terapia, e o que surgiu disso não me agrada muito hoje. Não dei o trato que hoje dou ao que escrevo, não deixava maturar. Na época eu tinha uma namorada e um blog, e como não ficávamos juntas com frequência, eu tinha um compromisso de todos os sábados à noite publicar um poema ou um conto no blog para ela ler e a gente ficar próxima de alguma forma. Não consigo escrever mais dessa forma, e tudo bem.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acredito que compilar notas suficientes é mais difícil que organizá-las, principalmente porque vão surgindo ideias no caminho que a princípio eu acredito que fazem sentido dentro da narrativa, mas na verdade não fazem sentido nenhum, não cabem no texto. Além disso, quando escrevo vou relendo as coisas, e então surgem algumas dúvidas ou novas ideias, e vou movendo a pesquisa de acordo com essas novas coisas. Compilo todas as ideias, façam elas sentido ou não, e depois vou moldando o texto para criar uma homogeneidade de características, para que nada fique deslocado.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido bem com as travas e procrastinações. Quanto mais me cobro, menos produzo, e o foda é que me cobro muito. Às vezes fico triste porque não consigo ser disciplinada, ou talvez eu não busque ser e consequentemente não sou, e aí faço um pão ou asso uns tomates e fico de boa. Quando vou fazer um projeto longo, demoro o tanto que eu achar necessário até que ele esteja da forma que eu quero. Só fico ansiosa antes de começar as coisas, depois fico tranquila. Quando lancei meu primeiro livro, o In Vivo, tive muito medo de não corresponder às expectativas, mas tive muitos retornos positivos. Acho que hoje o In Vivo não corresponde às minhas expectativas, mas não tenho problemas com isso, porque acho que tem muita gente que se identifica com ele. Sinto uma coisa parecida em relação ao meu segundo livro, O estágio mais rudimentar do fim, que está para ser lançado: não é muito sobre expectativa, mas sobre identificação, e acho que vai ter gente que se identifica e gente que não se identifica. Vai ter gente que não vai gostar e gente que vai gostar. Inclusive gosto de ouvir as pessoas que não gostam, porque isso me traz uma nova perspectiva da minha produção. As positivas também. É engraçado como as pessoas se apropriam do texto, como elas veem coisas que eu sequer tinha pensado. Eu acredito na qualidade da minha escrita.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Um texto nunca está e nunca estará verdadeiramente pronto. Acredito que cada conto e cada poema que escrevo sempre poderão ser reescritos, melhorados, piorados, etc. Não considero nem que está efetivamente finalizado, mas que eu não aguento mais revisá-lo. Reviso um texto até abusar, até não suportar mais ler de jeito nenhum, e aí peço para que outras pessoas leiam e me digam o que passou batido e o que poderia melhorar. Geralmente peço para que a Larissa Bontempi dê uma lida, porque confio na leitura e no olhar crítico dela. Além disso, outra pessoa a quem confio meus escritos é a Léia, que me acompanhou no processo do primeiro livro, do segundo, e acredito que me acompanhará em vários projetos que virão.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é tranquila na medida do possível. Sou uma jovem confusa com a tecnologia, mas sei usar o básico. Escrevo nas notas do celular e depois passo pro computador, mas tenho um caderninho cheio de coisa escrita, só falta paciência pra entender o contexto e a letra.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Acho que o único hábito que mantenho que fortalece minha criatividade é ouvir os outros. Conversar, mas principalmente ouvir. Também gosto de aprender coisas novas que não tem absolutamente nenhuma relação uma com a outra. Acho que ser curiosa e conversadeira são os hábitos que, além de me manterem criativa, me fazem sentir viva. Não tem coisa melhor pra mim que aprender e conversar sobre as coisas. Em suma, criar relações. Além disso, sou uma pessoa muito distraída com as coisas óbvias, então às vezes descubro uma coisa que todo mundo já sabe e pra mim a descoberta é um momento mágico que me renova.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que mais mudou na minha escrita foi o que me impulsiona a escrever. Se antes eu me movia muito pela paixão indiscutível, hoje me movo por uma espécie de dúvida contemplativa. Se antes escrevia pra exorcizar o que sentia, hoje escrevo para refletir sobre isso que sinto ou que não sinto. Era perceptível uma urgência na minha escrita, um suspiro agoniado, e hoje minha escrita é mais lenta. Acho que o que predomina tanto hoje quanto ontem, de alguma forma, é o silêncio. Também acho que minha escrita hoje não é totalmente o que eu disse antes, acho que ela está se tornando o que eu disse que ela é. Ainda tem muito resquício do que foi, e talvez ainda seja. E eu nunca diria nada para a Sabrinna de 15 anos, assim como não gostaria que uma Sabrinna de 30 anos me dissesse algo agora. Deixaria fluir para que ela se tornasse quem sou e também não dissesse nada.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vontade de escrever um romance, inclusive já tenho um esboço, mas acho que talvez vire só um conto mesmo. Adoro ler romances, mas, quando penso em escrever um, lembro de uma entrevista que a Elvira Vigna diz algo como “um contista é um romancista que sabe a hora de parar”. Acho um comentário maravilhoso, e acho que combina comigo. Acho também que tudo que eu possa vir a querer ler já existe, só não chegou até mim ainda.