Sabine Gorovitz é professora do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução, do Instituto de Letras da UnB.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina é rígida e sugere que fui ou sou da família das galinhas. Não se trata da infeliz metáfora que as relaciona estranhamente com a luxúria, mas sim em sua característica biológica de amanhecer e adormecer junto com o sol, ou seja, cedo. Sempre acordei às auroras e sempre fui tomada por um sono incombatível quando a luz natural do dia desvanece. Esse ritmo sistemático pauta também outras atividades e rotinas que se executam de forma militar. Uma rotina higiênica e mental. É também pela manhã que usufruo da minha vitalidade mental, quando reajo e ajo de modo mais efetivo. Muitas vezes, escrevo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Assim já me encaminho para a resposta a essa segunda pergunta. Trabalho melhor pela manhã, até mesmo à aurora ou o que pode ser definido como madrugada por alguns notívagos. Gosto de escrever no computador. Minha escrita também se assenta em organização e rituais, seja por meio de recursos informáticos ou pela estruturação prévia do que pode me servir de base ao pensamento e à escrita: livros, arquivos, fichamentos etc.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas pré-estabelecidas em geral. Procedo sim por micro-metas, planejamentos hebdomadários que também pautam minha rotina e meu ritmo de escrita. O tempo dedicado a ela depende tanto das atividades que me são impostas pelo trabalho ou pela família, quanto dessa programação biológica da qual não consigo fugir. A escrita, excepcionalmente, pode ocorreu em momentos outros e pode até fluir de minha vitalidade mental e reflexiva estiver ativada. Isso também é tributário de condições previas: uma boa noite de sono e um estado físico equilibrado, o que busco instaurar por meio de caminhadas diárias pela cidade.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nunca começo do nada. Compilo citações, palavras-chave, metáforas, metonímias, fotografias, símbolos, e notas que eu mesmo redigi. Gosto também de iniciar um pensamento pela tradução. Traduzindo tenho acesso a reflexões que surgem ativadas pelo outro. Gosto também de me colocar em posição de mediação entre falas e pontos de vista. É dessa dialogia que melhor emerge o me próprio pensamento, despertado pelo outro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Enfrento pouco essas travas. Provavelmente porque pauto minha escrita em rituais e em amalgamas de falas alheias, uma colcha de retalhos que me leva a construir um desenho mais nítido de reflexão. Sempre aconselho meus alunos a compilar citações, palavras que sintetizam algo central na reflexão, para depois enfrentar o desafio ad escrita pessoal. A ansiedade é algo que me acompanha, mas de forma amigável, pois é também ela que me impulsiona e me impele a seguir. A organização em micro-etapas de escrita e de reflexão também é de grande ajuda.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Prefiro reler à medida que escrevo, parágrafos, frases. Ao fim, gosto de fazer a leitura geral do texto em um momento muito bem escolhido, privilegiado.: quando estou bem, ativa, quando estou em um ambiente tranquilo, e toda a minha atenção pode se voltar para o texto de modo a adentrá-lo profundamente. Então, se dá a minha última ou penúltima leitura do texto. Às vezes, faço uma leitura em voz alta, com ou sem audiência. Leio a introdução e a conclusão ao meu marido, ao fim do dia, tomando uma taça de vinho. Não tenho aquela sensação de inacabado da qual falam muitos autores.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador. Não tenho uma relação saudosista com a caneta ou com o papel, muito pelo contrário, gosto do tique-taque das teclas e da leveza da tela, das possibilidades inúmeras que a tecnologia me oferece: correção e tradução automáticas, buscas de todo tipo, como sinônimos frequência no Google, textos alheios, sempre disponíveis em um clique.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Do diálogo com os outros, das leituras, das conversas, da tradução, do enfrentamento de minúcias prosaicas, dos filmes, dos programas de televisão, dos quadros, das emoções fortes, contraditórias e aquelas esperadas, da natureza, das caminhadas, das necessidades diárias do trabalho ou da família, dos amigos, das brigas, da sala de aula, dos alunos, do clima, dos animais, do tempo e do espaço. Sempre estou buscando algo novo e surpreendente em tudo. Às vezes, me irrito, me revolto, milito e chuto o balde.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Conquistei segurança, confiança e prazer na escrita. Não tenho por habito de voltar aos textos anteriores, a menos que eles possam dialogar com os futuros e em fase de escrita. Mas não tenho aversão a eles. Os vejo como uma etapa que ocupou um espaço e uma função que talvez não mais permanece. Só.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho tirado das gavetas da minha cabeça alguns projetos de escrita. Não escrevo romances, nem poesia. Escrevo ensaios e gosto desse formato. Gostaria de ler livros que não li de grandes autores que propuseram novas escritas, camadas na história da literatura. Certamente serão leituras de livros que, para mim, ainda não forma escritos.