Sabina Anzuategui é escritora, autora de “Calcinha no varal” (2005), “O afeto” (2011) e “Luciana e as mulheres” (2019).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Nos dias em que tenho as manhãs livres, eu acordo às 7h30, tomo café e depois vou para minha escrivaninha. Olho rapidamente as notícias no jornal, jogo uma partida de mahjong. Depois respiro fundo e abro o arquivo do livro que estou escrevendo. Precisa juntar ânimo nesse momento. Nem sempre é fácil começar (as segundas-feiras são piores). Depois de um tempo olhando o texto, começa a destravar.
Duas vezes por semana, tenho aulas de manhã (sou professora). Nesses dias só escrevo à tarde. Mas a rotina é parecida. Depois do almoço, descanso uma meia hora. Depois sento na escrivaninha e jogo um pouco de mahjong, até juntar coragem pra escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Enquanto é dia, tanto faz o horário. Só não consigo trabalhar bem à noite. Tenho vários pequenos rituais, que vou mudando, conforme eles deixam de fazer efeito. Às vezes escuto algumas músicas para entrar no clima. Às vezes assisto um trecho de entrevista de um escritor que gosto. Faço chá. Às vezes água gelada. Às vezes como pedaços de chocolate amargo. Às vezes levanto e mexo as pernas, faço um alongamento.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Um pouco todos os dias (de segunda a sexta). Tento fazer 1 página por dia. Mas nem sempre rende isso.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sim, sempre é difícil. Tento me preocupar menos e escrever com mais leveza. Gosto do conselho de Anne Lamott, no livro Palavra por Palavra, de começar com um rascunho ruim, pra facilitar o início e destravar (e deixar os cuidados de linguagem para depois). Mas é difícil saber que as páginas acumulam com frases mal escritas. Então às vezes volto para revisar.
Eu não gosto de fazer uma pesquisa prévia muito longa. Tem o perigo de criar um universo inteiro mentalmente, que depois não funciona na escrita. Prefiro pesquisar em etapas curtas e frequentes, conforme o livro avança, assim já vejo melhor o que realmente o livro precisa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lidar com isso foi o mais difícil, quando eu estava começando. Durante anos, essa ansiedade realmente me paralisava, e eu deixava os textos parados por meses.
Depois percebi que não existe solução para essa ansiedade. Ela nunca vai desaparecer. Mas adquiri o treino de não deixar que ela cresça muito nem invada o tempo que reservei pra escrever. Os medos sempre aparecem, mas internamente eu digo pra mim mesma: “não pense nisso; é uma armadilha; esse caminho não leva a nada”. Realmente eu repito isso mentalmente, até retomar a concentração no texto e começar a escrever.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Enquanto estou escrevendo o primeiro manuscrito, há várias pequenas revisões, principalmente quando o texto trava. Nessas horas releio tudo pra relembrar pra onde estava indo.
Quando termino a primeira versão do original, releio do começo ao fim para uma primeira revisão.
Depois dou para pessoas próximas (amigos que também escrever). Nesse intervalo deixo o texto parado, enquanto espero as opiniões. Quando recebo as sugestões, releio o texto novamente, e faço uma nova revisão somando as observações recebidas e as coisas que percebi, na minha releitura.
Nos últimos tempos, também decidi fazer uma terceira revisão, a partir de um parecer de uma profissional freelancer (nesse caso, contratada, uma profissional em quem confio).
Isso porque me arrependo de ter mostrado originais cedo demais às editoras, em algumas situações. Quando um original é rejeitado, o estrago está feito, não dá pra recuperar mais.
As opiniões de amigos nem sempre são distanciadas, porque eles já conhecem seu estilo, são mais generosos. Por isso um olhar profissional ajuda, na última etapa.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre escrevi em teclados, desde a adolescência, em máquinas de escrever. Acho que funciona melhor. Às vezes, quando estou meio perdida, faço anotações a mão pra descansar. Mas geralmente prefiro escrever no computador. Gosto de ver as letras na tela. Gosto da forma visual das letras. É mais parecido com livro do que a caligrafia manuscrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Uma parte vem da memória e das vivências, do ambiente à minha volta. Outra parte vem dos livros que leio e me trazem ideias. Outras ideias vêm do ar, digamos assim. Eu esvazio a mente e uma ideia aparece. É algo natural, não preciso cultivar. Minha cabeça é acelerada, estou sempre pensando em algo, geralmente ideias soltas, que vão derivando pra um lado e pro outro. O mais difícil é manter um eixo, até, por excesso de ideias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Aprendi a manter um ritmo, um hábito, controlar minha pressa e ansiedade, e construir o livro no ritmo que é possível, um pouco por dia. Há outros detalhes de composição que foram mudando, também. Menos vírgulas, menos adjetivos, frases mais limpas. Tenho tendência ao detalhe, quero simplificar isso. Quando mais nova, eu era menos obsessiva e menos detalhista. Mas, no esforço de fazer meus textos crescerem de tamanho, a acumulação de detalhes atingiu um auge por volta dos meus 35 anos. Percebi que estava exagerando.
Acho que eu não diria nada à minha versão jovem, por mais que tenha sido difícil. Aprender é sempre difícil. Melhorar é difícil. Não adiantaria tentar facilitar, porque talvez significasse não melhorar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever uma biografia, pelo exercício do texto biográfico. Também gostaria de escrever um romance policial pelo mesmo motivo (experimentar a escrita desse gênero). Já ensaiei algumas vezes mas não encontrei uma ideia que me prendesse o suficiente para ir em frente.
Quanto às leituras, há tantos livros bons que já existem e ainda não li! Mas, divagando, eu gostaria que a Patrícia Galvão (Pagu) tivesse vivido mais e escrito outros romances.