Ryan Mainardi é escritor, autor de Palimpsesto (romance, 2013), poema limpo (poesia, 2014), Metâmeros (contos, 2016), Estilhaços (poesia, 2016), poemas de isolamento (poesia, 2018) e sobre diferentes formas de amar (contos, 2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Nos últimos meses tenho acordado na metade da manhã. Costumo demorar algum tempo entre levantar e estar realmente acordado. Eu levanto, tomo bastante água, passo um café, faço um chá preto, como alguma coisa e vou pra frente do computador. Geralmente as primeiras horas do meu dia são passadas assistindo vídeos do YouTube. É o meu ritual para acordar e me preparar psicologicamente para o dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sempre trabalhei melhor de madrugada. O silêncio e a escuridão sempre me pareceram mais apropriados. Tenho muita dificuldade pra me concentrar. Então ler e escrever nas madrugadas sempre foi muito mais fácil e prazeroso pra mim. Por muitos anos fui dormir ao amanhecer e acordei no meio da tarde. Esse é o horário de sono que funciona melhor para a minha produção. 8 horas de sono me são essenciais. Não consigo ficar muito funcional com menos, e mais começa a dar preguiça e doer as costas.
Tudo o que eu preciso para escrever é a mesa limpa, com uma xícara de café, uma xícara de chá e um copo d’água em cima, junto com um bloco e uma caneta. E o computador desligado, de preferência.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sem dúvida há períodos de intensa produção e períodos hiatos, onde a vida se torna intolerável, como já diria Clarice. Eu só escrevo quando dá vontade. Só escrevo o que eu quero, quando eu quero e como eu quero. Não me forço. Ao contrário do que dizem certos escritores brasileiros contemporâneos, existe inspiração. E eu tenho muito respeito pelas musas. Só escrevo quando sinto uma necessidade vital.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Textos curtos, como contos e poemas, eu tendo a escrever de uma sentada. Quanto a textos mais longos, o processo varia, mas geralmente eu passo meses (ou anos) escrevendo vários fragmentos antes de compilá-los. Na verdade, todo o processo, tanto da escrita dos fragmentos quanto de sua concatenação, é extremamente instintivo e quase abstrato para mim. A minha escrita se dá num êxtase, num estado quase meditativo. Costumo dizer que eu psicografo o meu próprio inconsciente.
Dito isso, acho que é bastante óbvio que não há pesquisa na minha escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu geralmente não me cobro muito. Como a minha escrita é instintiva, é natural que haja períodos hiatos, e hoje isso não me assusta mais. Quando era mais jovem eu tinha muito medo de bloqueio criativo. Inclusive escrevia fisicamente muito rápido com medo de perder o fluxo. Hoje eu já publiquei seis livros sei que não vou perder. Literatura pra mim é como uma vocação religiosa. Um chamado. Uma vontade cega, feita de talento e perseverança, que o Universo apresentou pra mim na hora que eu mais precisei. Pois ao contrário do que diz o escritor brasileiro contemporâneo, além de existir inspiração também existe talento. E nem todos são igualmente talentosos para todas as coisas. Mas talento sem resiliência é uma prostituta gorda que faz um trabalho desleixado. Como Karl Ove Knausgård disse, se tu aguentar o fracasso por tempo suficiente, se tu perseverar, as coisas estão destinadas a acontecerem.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Os textos curtos acabam sendo revisados mais vezes pela sua própria natureza. Além disso há as revisões dos pré-leitores, da editora, etc. Mas depois que eu tenho a primeira versão de um livro pronto fechada, eu devo revisar no máximo duas ou três vezes.
Eu tenho uma meia dúzia de pré-leitores. Praticamente todos escritores e amigos de longa data. São pouquíssimas as pessoas cuja opinião eu respeite em termos de literatura. Ainda mais da minha literatura.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu escrevo tudo à mão. Depois digito e imprimo. Corrijo e reviso à mão. Depois digito as correções e imprimo. E assim sucessivamente. Pra mim, escrever é uma experiência muito táctil, muito física. Se eu escrevo por duas ou três horas, estou exausto como se tivesse corrido uma maratona. E também há algo quase místico no contato da caneta com o papel, no riscar, no ato íntimo de ver as particularidades da tua letra se desenhando, surgindo do nada… A caneta e o papel são emoção pura. A artificialidade e a natureza perecível de uma tela me desagradam imensamente em termos de literatura.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ler. Acho que foi o Moacyr Scliar que disse que a escrita é uma sequela da leitura. Pra mim, ler é um gatilho da escrita. Inclusive, quando estou com bloqueio criativo, não é apenas para escrever, mas também para ler. As duas coisas estão intimamente ligadas em mim.
É claro que a inspiração pode nascer de qualquer lugar. Filmes, vídeos, séries, músicas e da vida em si. A inspiração nasce como um desconforto no peito. E a tua função como escritor é dar uma linguagem para esse desconforto; uma linguagem que liberte todas as pessoas que o possuem sem saber. Dar linguagem para o desconhecido é um ato sagrado. É como nomear um filho. Ou um animalzinho qualquer que já vai morrer e por isso se abraça.
E tu só aprende a dar linguagem para o indizível do humano através da leitura. Porque literatura é intertexto.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Segurança. Como eu disse anteriormente, eu perdi o medo de perder a literatura que há em mim. Sem dúvida o escritor que eu era há dez anos e a literatura que eu produzia então eram diferentes. Mas eu não mudaria nada. Porque aquele cara lá de trás estava fazendo o melhor que ele podia com tudo o que ele tinha. E foi ele que me trouxe até aqui hoje. A sinceridade é a característica mais importante da minha literatura e ela nunca mudou. Eu só tenho a agradecer ao escritor que eu fui durantes todos estes anos por ter se mantido resiliente.
Até hoje foram mais derrotas do que vitórias. Mas eu tenho orgulho de cada uma.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu nem consigo dar conta dos livros que existem.
Eu pretendo publicar mais dois livros ano que vem, um de poesia e um romance. Um livro do qual ainda não posso falar muito em 2020. E depois disso acho que vou passar uma década escrevendo um romance experimental.