Ruth Manus é escritora, autora de Um dia ainda vamos rir de tudo isso.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A minha vida é uma bagunça (risos). Rotina é uma palavra que desconheço. Acordo a cada dia num horário e, frequentemente, em cidades diferentes. Quando estou em Lisboa, posso dizer que na maioria dos dias tomo meu café da manhã (sem café preto, nunca tomo café), tomo um banho e vou para o meu escritório (se não for para uma biblioteca, se não for para a academia, se não for levar minha enteada na escola, se não for para o aeroporto) e começo um dia de trabalho. Aos trancos e barrancos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor durante o dia. De manhã, se não for muito cedo. A tarde, se não exagerar no almoço. Não funciono bem à noite, a não ser que seja para escrever poesia sob efeito de álcool (risos). Não gosto muito de escrever no escritório, mas é o que a vida pede. Curiosamente, gosto de escrever no avião. Mas, sim, não há nada melhor do que escrever num bar, não muito cheio, sozinha e sem internet, só com uma taça de vinho na mesa. Há tempos não faço isso e morro de saudades.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quando consigo, quando preciso ou quando o universo conspira a meu favor e eu, de repente, me sinto inspirada e posso escrever naquele momento. Coisa rara. Tive que me treinar para escrever a qualquer hora, do jeito que dá. Faço muita coisa ao mesmo tempo e não posso me dar o luxo de criar muitas regras. Às vezes sei que vou precisar adiantar textos para duas ou três semanas, ou para poder entregar um livro, e então digo a mim mesma: só levanto dessa cadeira quando conseguir terminar tudo isso. E geralmente me obedeço. (risos) Tem que ser.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não vou falar aqui sobre a minha escrita acadêmica, para o doutorado. Isso é chato demais (e aí sim, pesquisa, anotações, grifos, transcrições…). Na minha escrita lúdica, digamos assim, deixo as ideias brotarem. Às vezes percebo que algo pode virar tema e anoto. Só o tema. Vou pensando a respeito até “engordar” o assunto e sentir que ele já pode ir para o papel.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não me dou o direito de ter muito medos, fantasmas, travas. Sou advogada e professora: quando o prazo chega eu sou obrigada a estar pronta. Isso me ajuda muito: nunca me permiti ser uma artista a tempo integral. Preciso do rigor, das regras. Mas sim, há dias em que a coisa engasga. E a minha solução é a seguinte: pessoas. Saio, almoço com alguém, falo com pessoas, troco áudios. Sempre dá certo, as ideias surgem, a escrita flui. A escrita é muito solitária e às vezes precisamos sair desse buraco.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso o quanto dá. Se tiver 3 dias pro prazo, vou revisar 3 vezes. Se tiver 20 dias, 20 vezes. E sim, sempre que posso, mostro ao meu marido, aos meus pais, a algum amigo. Mas é preciso ter um filtro: há coisas que precisamos publicar direto, sem que ninguém mude sua ideia. Há coisas nas quais podem opinar, mas você tem que seguir com a sua posição. E há coisas nas quais você precisa pensar melhor, arejar a cabeça e eventualmente mudar. Precisamos saber identifica-las.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Só computador, infelizmente. Raramente faço anotações à mão, embora ache que a calma da escrita no papel nos ajude a pensar. Mas me habituei assim- e a pressa do dia a dia também não me permite muitas firulas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
De todo, todo canto. Mesmo. Pode ser a casca de banana do café da manhã ou a eleição de um presidente perigoso. Não importa o calibre do assunto, tudo tem relevância. Gosto de observar as pessoas. Me obrigo, por exemplo, a não usar o celular no transporte público: fico olhando as pessoas, suas roupas, expressões, imagino suas histórias. Olho para a rua, para o movimento. Acho que nos falta cada vez mais isso: observar em vez de enfurnar a cara em telas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que mudei algumas coisas para melhor, outras pra pior. Acho que hoje tenho muito mais a noção de que pessoas realmente vão ler aquilo. No começo achava que ia ficar num âmbito mais “doméstico”, não tinha noção da projeção. Por isso, hoje tomo mais cuidados. Penso que posso influenciar ou ofender qualquer pessoa do mundo com minhas palavras. E tento pensar nas muitas maneiras que posso ser lida, coisa que não sabia fazer muito bem no começo. Por outro lado, como tinha mais medo, escrevia com mais antecedência, pensava mais sobre o tema, revisava mais vezes. Tenho alguma vontade de resgatar isso.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tantos! Minha cabeça é tipo uma usina (o que frequentemente é um verdadeiro inferno – risos). Tenho mil ideias, mil projetos pro presente e pro futuro. Tenho dois romances na cabeça, mas preciso amadurecer. Morro de vontade de escrever um livro de crônicas só sobre morte. Tenho vontade de escrever parcerias… Enfim. Um mundo pela frente. Que a vida me permita ter tempo para tudo isso!