Rui Prates Esteves é poeta, autor de “Poemas” (2017).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bem, eu preciso de um duche para verdadeiramente acordar. Saio para o trabalho, eu não vivo da escrita, mas a escrita está sempre comigo. Portanto, a minha rotina matinal é de trabalho jurídico e não literário. Mas a sua pergunta está também relacionada com a manhã. Eu gosto muito da manhã. A manhã tem uma frescura própria, uma leveza, representa rejuvenescimento. Existe uma pintura de Mário Botas que serviu de ilustração ao livro “A Paixão” do escritor Almeida Faria, que representa a importância da manhã. A manhã é representada através de um rosto como o rejuvenescimento. O mesmo rosto representa a tarde, a melancolia, a preguiça e languidez. E por fim a noite, um certo apaziguamento, uma preparação serena para um novo rejuvenescer. Considero essa pintura muito forte para entender os ciclos dos dias e da vida. E as rotinas ajudam muito a combater um pouco isso. É por isso que eu considero a força algo de extremamente importante na vida. Se eu tivesse de sublinhar algo fundamental na vida eu diria a força. Não apenas a força física, mas sobretudo a força mental, a vitalidade nas suas múltiplas dimensões. Estar vivo é algo de extraordinário e riquíssimo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu necessito de escrever. Há muitos anos que eu necessito de escrever. Só tenho um ritual: escrever todos os dias. Nem que seja uma frase, um apontamento, um verso. Mas pode também ser uma reflexão, um poema, um ensaio, uma ideia. Eu penso que o essencial é a vida. Eu acredito que não podemos desperdiçar nenhum dia. Todos os dias servem para um enriquecimento interior, um enriquecer da vivência e isso pode ser feito através das experiências mais quotidianas, como através de um livro, da música, de um bom filme, de uma ida ao teatro. O ritual de preparação para a escrita, para mim, é viver intensamente. E viver intensamente implica também saber parar, refletir, pensar, escrever, dar tempo ao tempo e aprofundar o ofício exigente que é a escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo todos os dias. Como disse acima, pode ser uma frase, um apontamento um verso. Mas pode também ser uma reflexão, um poema, um ensaio, uma ideia. Eu tenho uma pequena agenda onde vou escrevendo regularmente. Por vezes eu vejo as agendas de anos anteriores e estão lá ideias que referem a momentos específicos, lugares, viagens, acontecimentos. Gosto de visitar essas agendas anos mais tarde. A escrita é também um lugar de memória. Quem quer ser escritor deve escrever regularmente. No meu caso eu não consigo não escrever. Se fico sem escrever alguns dias eu começo a ficar irritado, frustrado, incomodado. Só a escrita vem devolver-me alguma paz. Essa paz quando regressa é uma boa sensação. A escrita é uma necessidade.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Em relação à poesia, eu apenas pretendo encontrar poemas coerentes. Há uma forma, uma unidade (se posso usar esta palavra um pouco obsoleta), um estilo, um jeito de cortar os versos, uma cadência, um ritmo que eu procuro incessantemente. Eu já não sei se eu procuro isso, se encontrei, de certa forma, isso. Mas eu não consigo arrumar poemas juntos entre os quais eu não vejo esse sentido de coerência e unidade. Portanto, o processo de escrita da poesia é desorganizado. No entanto, existe uma atmosfera, e uma necessidade, eu diria metafísica, que atribui sentido e lógica a todo um conjunto disforme. Essa procura, persistente e necessária, é o que me move para a escrita. Eu não tenho dificuldade em começar. No fundo, como disse atrás, a escrita é uma necessidade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com o passar dos anos, no decorrer do processo de escrita, de aprendizagem, de tentativa e erro, eu fui deixando de sentir medo, desânimo, insegurança, instabilidade. Apesar das dificuldades e obstáculos, eu compreendi que a escrita não é algo que eu deva temer. No fundo eu também não temo estar vivo. É o mesmo. O significado e a importância é a mesma porque eu não consigo, nem quero, parar de escrever. Eu estou determinado em viver a escrita como algo absolutamente intrínseco à vida.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Em relação à poesia, eu sinto que necessito cuidar os poemas. Os poemas raramente estão fechados, acabados. Ao mesmo tempo, eu penso que chega uma altura em que o poema deve ser abandonado. Mas claro que existem alguns poemas a que sempre volto. E outros que estão sempre a aparecer na minha cabeça. Alguns poemas que escrevi eu estou bastante satisfeito. Outros não. Mas nós não podemos atingir a perfeição, é evidente. Ainda assim, a persistência é fundamental.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrever à mão é uma atividade rara. Dentro de algum tempo, talvez, poucos saberão. Será como uma arte perdida. Será como regressar a um mundo que se perdeu. Eu penso que nós não devemos perder a arte da mão. Há uma relação direta entre a mente, o pensamento, a memória, o corpo, o coração, a vitalidade, a mão. Ainda assim eu escrevo também muito no computador e no telemóvel. Tudo tem vantagens e desvantagens. Nós não devemos descurar a inteligência, mas a inteligência é tanta coisa… Uma das coisas mais importantes, no meu entender, é não abandonar a natureza. Mas é claro que os filósofos dirão: O que é a natureza?
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Vêm da vida. O determinante é a vida. Mas é claro que eu procuro aprofundar também o conhecimento. Em todos os sentidos. É importante saber ouvir, ouvir o outro, os outros. Ouvir é muito importante. Ouvir os sons da vida, do mundo, da natureza. A experiência dos outros também, por mais diversa que seja da nossa. Considero também importante saber esperar, não ter pressa. E, claro, ler, ler muito. Ver bons filmes. Ouvir música (vários géneros), ir ao teatro (o teatro dá palco ao texto). Eu sinto-me verdadeiramente pequeno quando leio grandes autores (está a acontecer-me isso atualmente ao ler Saul Bellow). Eu gosto de ter sempre em mente que estou muito, muito longe de um grande autor. Isso fascina-me e dá-me força para continuar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu não voltaria atrás. Eu estou satisfeito. Aprendi a aceitar, esperar. Eu tenho consciência da tremenda dificuldade da escrita, mas também da sua tremenda beleza. Eu estou satisfeito e motivado. A escrita é uma necessidade.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de ler ainda muitos livros de autores que me fazem sentir uma profunda admiração. Cada vez tenho maior consciência da tamanha exigência do romance.