Rubens Marchioni é escritor, blogueiro e palestrante.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu luto comigo. Talvez por ter muitas ideias ao mesmo tempo, eu tenho uma tendência para iniciar projetos e deixá-los no meio do caminho. Sou uma pessoa com muita iniciativa e, às vezes, pouca “acabativa”, o que é ruim. Por isso, para esse ano, criei uma agenda fixa, com projetos dos quais só vou abrir mão quando estiverem concluídos. Eles estão distribuídos entre os dias da semana, duas atividades no período da manhã e duas no período da tarde, sendo que algumas se repetem em dias diferentes. No conjunto, elas atendem aos principais itens do marketing mix: pesquisa, produto | serviço, comunicação e distribuição.
Mas nem sempre é fácil, porque tem dias em que acontecem imprevistos, e outros, nos quais a cabeça não concorda muito com a minha agenda, fica cansada, me informa que não é um motorzinho, se recusa a produzir, faz rebelião. Bobagem pensar que estamos o tempo todo no controle. Não estamos.
Seja como for, procuro me manter fiel a essa agenda fixa, mesmo quando forças sobrenaturais tentam me arrastar para longe do que considero meu foco. Por conta disso, por exemplo, nessa quarentena já escrevi 90% do meu próximo livro. Quando ficar pronto, retomo outro que deixei um pouco de molho – a gente precisa conversar sobre a maneira como as coisas vão acontecer nessa obra.
Falando sobre começar a escrever, o que funciona bem é produzir o storyline do texto programado para aquele dia, isto é, uma síntese, em oito a 10 linhas, para amarrar a ideia a ser desenvolvida e ficar com a sensação de que pelo menos alguma coisa já está pronta naquele trabalho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sou meio estranho. Quando acordo, de madrugada, sem sono, ou pela manhã, as ideias pousam em minha cabeça. Aí é só prender uma a uma. Até aí, normal. Mas em termos de produção eu rendo mais no período da tarde. Por quê? Porque trabalho bem sob pressão, coisa que trouxe da época em que fui redator publicitário. Então, quando vai terminando o dia, tenho uma sensação, inconsciente, de que ainda não fiz tudo e, nesse caso, aparece uma força que me coloca a caminho. Aí o texto ainda meio tosco começa a tomar a forma final, porque é como se alguém esperasse pelo meu trabalho ainda naquele dia.
Ideias? De manhã. Produzir? À tarde, sentindo-me meio pressionado pelo meu compromisso com o resultado. Funciona. E não tenho nenhum ritual. Como disse o escritor Luís Fernando Veríssimo, “Minha musa inspiradora é meu prazo de entrega.” O jeito é começar seguindo as pegadas de outro mestre, o publicitário Nizan Guanaes, para quem “É melhor fazer aproximadamente agora do que exatamente nunca.” Eu faço “aproximadamente agora” e fico feliz por saber que existe uma primeira versão. Deixo o texto de molho, para que palavras e ideias façam amizade, e depois começo o trabalho de ourives, esculpindo os detalhes, com a ajuda do Logos Creative, um recurso que potencializa muito todo o processo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Pesquiso e escrevo todos os dias. Tenho metas de escrita, e isso precisa ser mantido. Afinal, tenho compromisso de entregar um texto semanal para dois sites, tenho um blog e, com alguma frequência, escrevo para o Linkedin. Além de um trabalho paralelo, importante: dar aulas e assessoria de Escrita Criativa via Skype, uma experiência muito gostosa, se pensar que fui professor desse assunto durante 12 anos em universidades etc. e fazia isso com alegria. Sem contar o fato de que sempre tem um livro em andamento. A produção não para, portanto. Acho que é por isso que, em alguns momentos, como disse, minha cabeça grita “Pra mim, chega por hoje!”
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Há pouco eu disse que escrevo o storyline do texto, para ter certeza de que a ideia está enxuta, bem amarrada, contém o DNA da mensagem. Depois, usando uma metodologia que criei, o Logos Creative, dou uma ordem para todo o conteúdo, até que ele se transforme em texto. É como se estivesse trabalhando na construção de uma casa. Primeiro, o projeto, feito pelo arquiteto, para aquele cliente. Não escrevo qualquer coisa para qualquer pessoa, mas procuro fazer o texto certo para o público certo. Depois entra o pedreiro, que faz a fundação, levanta as paredes, coloca o teto, reboca, pinta e vai por aí afora, até entrar o pessoal da decoração, o da faxina e, finalmente, os moradores, felizes e contentes para ocuparem o espaço. O morador é o meu leitor. Ele precisa se sentir confortável dentro do texto, mesmo quando está sendo questionado sobre alguma coisa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Como lembrei, eu começo escrevendo o storyline. Ainda não disse, mas, numa agência de propaganda, quando o redator precisa criar textos longos, para revista, marketing direto etc., numa mesma campanha, ele cria primeiro o outdoor, uma peça que comporta apenas sete ou oito palavras e escreve uma justificativa para ele. Se conseguir colocar todo o Briefing de Criação no outdoor e defender sua ideia, é porque tem domínio e segurança sobre o assunto. Outro recurso que uso, e esse pode vir antes do storyline: digamos que vou escrever sobre a Covid-19 e não sei direito por onde começar, travou. Simples, escrevo uma palavra qualquer e olho durante alguns minutos para ela. Em pouco tempo o subconsciente entra em ação e estabelece uma conexão inesperada e interessante. Daí sai a primeira frase. Se da primeira palavra saiu a primeira frase, da primeira frase sai um texto. É só atuar como o artista, deixar as conexões acontecerem, não permitindo em hipótese nenhuma que o juiz se aproxime.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso menos do que devia. Isso, se você pensar que um escritor, Prêmio Nobel de Literatura, o Ernest Hemingway, reescreveu 39 vezes o último capítulo de uma das suas obras mais importantes, Adeus às armas. Enquanto escrevo, uso uma técnica em que a primeira versão já sai meio revisada. Mas faço revisões, claro. Depois de pronto, minha esposa, a Sonia, formada em Língua Portuguesa, faz uma última leitura e, voz alta, inclusive para resolver problemas de Gramática, uma praia em que ela funciona muito bem. Ou seja, eu escrevi como artista e ela lê o texto com ouvidos afinados e rigorosos de maestro. Fechou.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Gosto da ideia de escrever o primeiro rascunho à mão, fica mais artesanal. Mas logo corro para o computador, porque o editor de textos é essencial para burilar o trabalho, cortar, acrescentar, inverter, eliminar, contar palavras, caracteres e vai por aí afora.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm de qualquer lugar. Sempre que leio ou escuto alguma coisa estou em atitude de pesquisa também. O meu texto de agora a tarde pode nascer da conversa que tive com você de manhã, durante o cafezinho. Sem contar que uso uma técnica de criação sugerida pelo cineasta Ingmar Bergman, que funciona muito bem na hora de encontrar uma ideia, um ponto de partida. Além disso, técnicas como o brainstorming e o mapa mental são sempre reveladoras, dão um ótimo resultado, porque apontam caminhos antes escondidos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu me tornei mais exigente, devido às referências que adotei – gente que produz texto de altíssimo nível. Isso me leva a recusar algumas ideias recém-nascidas, que até poderiam dar um bom resultado se fossem desenvolvidas, e exijo mais do meu trabalho, o que pode comprometer a espontaneidade da escrita. Mas tudo bem, porque, de um jeito ou de outro, sempre garanto que a minha mensagem terá mais consistência do que antes. Estou satisfeito com o Rubens de hoje.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de descobrir e capacitar talentos para o mundo da escrita. Pessoas que não dispõe de recursos financeiros para pagar um curso. Talvez, com um patrocinador, essa ideia pudesse tomar corpo. O trabalho pode ser virtual. Quanto ao livro que gostaria de ler e ainda não existe, não pensei nele.