Ruan de Sousa Gabriel é repórter do jornal O Globo e colunista do site da revista Época.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Uma caneca de café bem grande para aliviar a ansiedade.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como escrever é o meu trabalho, meu ritual é: bater ponto, conferir os e-mails, me certificar se algum deles precisa ser respondido com urgência, se a apuração está completa, suspirar e começar a escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Só não escrevo nos raros dias que são dedicados exclusivamente à apuração das reportagens ou à leitura de um livro para ser resenhado na coluna que assino no site da ÉPOCA. Minha meta de escrita diária é imposta pelo noticiário cultural, pelas rotinas da redação e pelos meus chefes.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sempre é difícil começar. Só consigo começar a escrever quando já sei qual será a primeira frase do texto, seja ele uma reportagem ou uma coluna. Tendo a acreditar, meio supersticiosamente, que se tenho uma primeira frase boa o suficiente, que cumpra a dupla função de introduzir o texto e interessar o leitor, a segunda vai sair quase automaticamente, como se fosse um desdobramento lógico da primeira e assim por diante.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Definitivamente, não sei como lidar com a ansiedade de trabalhar em projetos longos. Nada afasta para mais longe a procrastinação do que uma mensagem do chefe te apressando, dizendo que você vai atrasar o fechamento do jornal. Outra coisa que ajuda a aliviar a ansiedade que às vezes atrapalha a escrita de reportagens e colunas é lembrar o quão perecíveis são os textos publicados na imprensa, seja no papel ou na internet. São textos escritos contra o relógio, que raramente têm a pretensão de sobreviver a mais de um dia e só com muita sorte encontram um leitor atento.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso tudo uma ou duas vezes. As reportagens são lidas diversas vezes pelos editores. O feedback depende do quão apertado está o fechamento. Quanto às colunas, às vezes, quando estou inseguro, com medo de que a argumentação esteja fraca e as associações risíveis, de que eu não escrito um texto decente mas transcrito um delírio que deveria permanecer íntimo, peço a leitura de um amigo próximo, excelente leitor, que sempre me ajuda a pensar. De uns tempos para cá, minha namorada passou a ler e revisar todas as minhas colunas. Ela insiste que eu evite repetições desnecessárias e exponha as ideias com mais clareza. Sou teimoso e resisto a repensar minhas escolhas iniciais, mas, no fim, costumo acatar a maioria das sugestões dela, que sempre melhoram meu texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo sempre no computador. Quando leio um livro para resenhar, anoto num caderno as ideias e associações que me ocorrem durante a leitura. Os únicos textos que ainda escrevo complemente à mão são cartas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias costumam vir das leituras e das conversas. Principalmente, das conversas sobre leituras.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Quando leio textos mais antigos, percebo que eles eram mais soltos, talvez até mais criativos. Sinto que o ritmo de trabalho, a obrigação de escrever dois ou três textos por semana (ou mais), tornou minha escrita mais rígida, mais obediente a uma estrutura que me economiza tempo, como se escrever fosse menos como pensar livremente e mais com encaixar peças numa forma, como repetir um mesmo esquema com palavras diferentes.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever ensaios, de pensar a figura do leitor e como ele encara o texto que lê. Não sei qual livro que não existe eu gostaria de ler. Talvez nenhum. Há um punhado de livros que eu gosto de reler para conferir como eles (e eu) continuam existindo.