Rosângela Darwich é poeta, professora e psicoterapeuta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Divido os dias quanto à quantidade de tempo livre que imagino que terei. Assim tenho aqueles que mais dependem das minhas escolhas imediatas e os que são planejados previamente. Tenho uma rotina matinal, que se estende pelo dia todo, mas muitas vezes é ela que me tem.
Quando acordo, penso imediatamente no tipo de dia que terei porque gosto mais da sensação de tempo livre, embora ter obrigações para cumprir seja bom também. Trabalho como professora, com um espaço especial para minha atuação como pesquisadora, e também sou psicoterapeuta. Tenho a sorte de gostar muito do que faço, por isso a minha agenda tem também o poder de me alegrar quando me coloco diante de um novo dia.
Quanto à minha vida profissional, ela pode ser dividida em quatro áreas. Como professora, dou aula na graduação (psicologia) e em um programa interdisciplinar de mestrado e doutorado, na mesma instituição. Além das aulas, tenho alunos para orientar no que eles próprios precisam escrever em suas monografias, dissertações… Isso é diferente a ponto de me parecer ser uma segunda área de atuação.
Quanto à terceira área, coordeno um grupo de pesquisa que exige muita concentração, criatividade e distribuição de tarefas. Outros professores estão comigo, assim como estudantes da graduação e da pós-graduação. Em junho de 2020 deveria ter ido com um pequeno grupo de pesquisadores para a Alemanha. Seria o segundo intercâmbio científico-cultural que realizaríamos com a Universidade Protestante de Ciências Aplicadas de Freiburg (EH-Freiburg). Desta vez iríamos também para Bochum, com compromissos com a Universidade Protestante de lá. Vamos adiando, seguindo o ritmo da pandemia.
Quarta área: psicoterapia. Atuar como terapeuta exige um outro tipo de leitura e escrita, um outro tipo de interação interpessoal que também exige muito em termos de leitura e estudos. Em 2019 terminei uma especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental. Foi também ano passado que terminei meu estágio pós-doutoral na EH-Freiburg.
E assim chegamos à especial área da poesia, que ocupa uma agenda imaginária na qual o tempo não é contado por meio de palavras ou números, mas salta de um lado para o outro. Toda vez que ele salta para cair em uma próxima pausa, temos um poema. Meu dia pode começar com um poema, mas geralmente é assim que ele termina.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor enquanto não anoitece. À noite é menos provável que eu reconheça o que faço como sendo trabalho, daí os poemas.
Gosto muito de escrever, de ler e de conversar com as pessoas. Por sorte preciso fazer essas coisas profissionalmente e é por isso que os dias que me levam para onde quiserem também costumam ser agradáveis. Ainda que eu prefira escolher por mim mesma, o resultado acaba sendo muito parecido.
Não tenho ritual de preparação para a escrita, mas poemas exigem uma pausa que sinto como sendo muito importante – uma pausa vestida para um baile, digamos assim. É como em um filme em que uma pessoa está dirigindo o carro e pelo tipo de música que toca ao fundo você intui o que vai acontecer. É possível perceber o momento de parar para um poema, seja porque a música de fundo ficou mais grave, seja porque ficou mais graciosa. Na verdade, é nesses momentos que percebo mais claramente que existe uma música de fundo.
A pandemia acrescentou um tom terrível ao ano de 2020. Escrevi acho que umas três vezes sobre ela e acredito que, nesses casos, houve uma certa mudança na forma como me preparo para um poema porque existia uma sensação de urgência. Essa urgência me parece ser a daqueles sem saída, que acham que estão com pressa, mas estão simplesmente vivos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma meta de escrita de poemas porque, como disse, dependo de saltos na agenda imaginária, da percepção da música de fundo… Posso escrever três poemas, um atrás do outro, como quando se joga uma pedrinha sobre a superfície de um lago ou, no nosso caso, de um rio que esteja calmo. Também posso passar vários meses sem escrever, esquecendo completamente esse tema. Aceito com tranquilidade o momento que se faz do poema e aqueles outros tantos em que a poesia não pode ser escrita. Não seria por isso que ela desapareceria. Tenho a sorte de ter a poesia comigo, no modo como o que existe e o que não existe me parecem lindos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Leio em torno de temas que surgem de leituras prévias e do que pesquiso. É assim que me mantenho lendo, escrevendo e atuando profissionalmente. Com a pandemia, meu trabalho de pesquisa passou a ser mediado pela internet. Faço vídeos de contação de histórias a partir de imagens de livros e áudios gravados por estudantes, mas também – e cada vez mais – por crianças e adultos que são nossos convidados ou participantes da pesquisa.
Quanto a meu processo de escrita de poemas, a partir do momento que percebo que vou escrever, tento parar o que estiver fazendo para me concentrar apenas no que estiver pensando e sentindo. De uns dois anos para cá comecei a escrever em um bloco de notas que tenho no meu celular porque muitas vezes preciso escrever quando já desliguei meu computador e achava que iria dormir. Quando o computador ainda está ligado, digito o poema. Não gostaria de dizer isso, mas talvez 1% dos meus últimos poemas foi escrito com uma caneta sobre o papel, riscando e prosseguindo e riscando e prosseguindo. O que mais acontece agora é escrever e copiar e colar sempre mais acima o que vai sendo o poema definitivo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Estou sempre com trabalhos atrasados, pois sou professora e na Terra o dia tem 24 horas. Faço o que posso para nunca perder prazos, o que costuma dar certo mesmo porque nossos prazos acabam sendo adiados no último momento em um jogo macabro de gato e rato que caracteriza a comunidade mundial de atletas acadêmicos.
Estou sempre trabalhando e sempre procrastinando, em um certo sentido, porque sou muito tentada a passar a vez para aquilo que mais me apaixona no momento. Bem, agora vou passar a vez para a poesia.
Por que estás com esse vestido? Vais sair?
Segui em silêncio em direção à porta da rua,
fiz uma breve pausa na cozinha,
achei que estava vivendo em um poema,
bebo água e ela é seca –
acho que estou bebendo a palavra.
“Passar a vez para a poesia” foi compreendido pelo meu cérebro ao pé da letra. Quem diria…
Retornando à procrastinação, estou há muito tempo adiando a escrita deste texto e tenho uma explicação mais ou menos coerente para isso: não me sinto bem quando penso que vou escrever sobre mim. O “jovens escritores” da chamada aceito um tanto quanto ironicamente. Além disso, demorei tanto a escrever aqui que terminei o estágio, de modo que não sou mais estudante.
Sim, projetos longos causam ansiedade. Considero normal, fico ansiosa e vou indo. Não dá para viver sempre totalmente em paz. Não tenho muito como escapar do que tenho que fazer por causa dos prazos e de estudantes que precisam que eu caminhe junto.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A cada vez que releio um artigo que estou escrevendo, por exemplo, mudo muito. É um longo refazer. Quanto aos poemas, revejo muito pouco. Nesse acima, que escrevi ainda agora, alterei depois o tempo de dois verbos. Dificilmente isso acontece.
Sempre leio que poetas reveem seus poemas à exaustão. Tenho certeza que nem todos fazem isso, mas, de qualquer forma, não me considero poeta. Sou uma pessoa que escreve poemas, uma pessoa que trabalha com isso ou aquilo, que gosta de fazer isso ou aquilo. Embora utilize certos termos que se referem à minha profissão etc., na verdade faço isso para ser compreendida depressa. Com calma e na verdade, espero que absolutamente nada me defina.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Respondi acima, mas posso dar mais detalhes. Há anos escrevo sempre no computador e, ultimamente, também poemas. Desde que passei a editar vídeos fiquei ainda mais feliz. Tenho uma boa relação com a tecnologia talvez porque não fique tão triste quando erro e nem descontente com imperfeições. Seguir tentando me faz ir descobrindo coisas novas, mesmo que lentamente. Meu filho me ajuda quando começo algo novo ou quando não sei mais como continuar mesmo depois de tentar bastante. O trabalho com vídeos de contação de história deverá permanecer na pesquisa, mesmo depois da pandemia, juntamente com encontros grupais presenciais.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As minhas ideias, no caso de poemas, certamente vêm das minhas emoções, embora por um caminho que não sei identificar. Existe uma ligação entre sentir e escrever – e essa ligação traz com ela imagens e ritmo. Enquanto o poema vai sendo escrito, cada verso é uma ponte para o verso seguinte. Às vezes, muito raramente, mudo a ordem original das estrofes. Ao final, é possível andar por cima de uma poema. Essa firmeza me faz muito bem.
O hábito que me mantem criativa é o movimento de sentir que existe beleza. Uma pequena coisa bela que percebo ou que de repente retorna no meio de outros pensamentos vem de um costume do meu cérebro: costumo vagar entre as ideias, passear por elas, mudar de assunto, perder o foco. O poema, portanto, é o foco totalmente preso a fragmentos que busco alcançar e reunir em uma certa ordem. Tenho a impressão de que esses fragmentos ficam soltos porque, ao longo dos dias, muito foi se seguindo e se misturando.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não vejo muita mudança, mas um certo amadurecimento, como um rosto com rugas. Acho que, se nos deixarmos viver o mais livremente possível, nos tornamos cada vez mais quem somos.
O que eu diria para mim… Quanto aos poemas, eu diria “escreva sempre, nem que seja para você mesma”. Quanto à carreira acadêmica, eu diria “não tenha pressa, a não ser que você queira ter uma boa aposentadoria”. Foi o que me disse há muitos anos, tirando a parte do “a não ser que você queira ter uma boa aposentadoria”. Se tivesse considerado isso, não sei se seria tão bom como é, por isso me corrijo: “escreva sempre e não tenha pressa” – era isso que eu me diria de novo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de ter meus poemas traduzidos para o alemão, mas não sei como faria isso. No último, “Há Horas”, tenho um poema em alemão, mas ele foi escrito assim. A tradução para o português está ao lado e fui eu que fiz, mas não consigo fazer o inverso.
Quanto ao livro que eu gostaria de ler e ainda não existe, mas também nunca existirá, é um novo livro da minha amada Clarice Lispector. Por outro lado, uma parte mais recente da pesquisa que coordeno e que reúne literatura, prazer em ler, autoconhecimento e resiliência, incentiva crianças para que escrevam. Gostaria de ler o livro com esses textos e poemas.