Rosália Milsztajn é carioca, poeta, médica e psicanalista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Em geral não tenho uma rotina matinal para escrever. É certo que gosto de escrever pela manhã, logo quando acordo ou então de madrugada. Mas pode ser a qualquer hora desde que venha a inspiração ou a necessidade de completar um trabalho. Assim, têm épocas que escrevo todos os dias e vou armazenando em arquivos no computador. Aos poucos vou estruturando uma coletânea de poemas e decido fazer um livro. A partir daí, me sento todos os dias para escrever, elaborar, corrigir, acrescentar e criar novos poemas para o resultado final de um livro.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Em geral quando a casa, as ruas estão mais silenciosas, isto é, bem cedo pela manhã ou de madrugada. Não é bem um ritual para a escrita, mas sinto que me guarneço de maiores condições para escrever quando tenho um contato maior com a natureza ou com a música.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Guiada pela necessidade interna que não tenho muito controle, posso escrever todos os dias, por dias inteiros ou passar muitos dias ou meses sem escrever. Mas também, com a experiência, aprendi que se me sentar a qualquer hora do dia ou da noite diante do computador ou de uma folha de papel em branco e começar a escrever o que me ocorre, numa espécie de associação livre de pensamento, chega uma determinada hora, alguma coisa escrita começa a fazer sentido como um fio de inteligibilidade ou música para um poema e aí, passo a desenvolver essa ponta do iceberg até as maiores profundidades.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita está muito ligado à minha vida. O que estou vivendo no momento ou memórias vívidas de algum evento que esteja revivendo.
Às vezes, estou num processo de elaboração de um livro de poemas, por exemplo, no sexto livro que publiquei ESSE RECORTE, que deveria ser o quinto, mas uma nova experiência de vida muito forte cruza e interrompe esse caminho e toma a vez do programado. Assim surgiu meu quinto livro, A HISTÓRIA DOS SEIOS, meu primeiro livro de contos, que foi escrito todos os dias, por dois meses sem interrupções.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Medo não tenho de corresponder às expectativas, não tenho expectativas. Não vejo a escrita como um trabalho de executivo ou um chefe, editor ou, leitor a me cobrar qualquer coisa, assim como também não me cobro. Não sinto o meu escrever como um trabalho que me cause sentimentos desagradáveis como: cobrança, angústia de não lançar mais um livro ou se vão apreciá-lo ou não. Lógico que adoro quando sou lida e quando gostam do livro. Escrevo porque escrevo e sinto um grande prazer em escrever e ser poeta. E me sinto privilegiada por isso.
Logo que comecei a escrever, depois da publicação do AZUL, meu primeiro livro de poesias, em 1991 , achei que não iria escrever mais nada. Eram só alguns poemas inspirados em diários de adolescente. Não me sentia poeta ou escritora. Toquei a vida com minha profissão que adoro, – exerço a psicanálise em minha clinica particular desde os anos oitenta. Mas eis que se passaram uns poucos anos, publiquei meu segundo livro, ITGADAL, MEMÓRIA DOS AUSENTES e até me assustei com a produção de poesias ao longo desse intervalo entre um livro e outro. Comecei a achar que era escritora ao mesmo tempo que encontrava outros escritores e com eles me identificava dentro dos grupos e de oficinas literários e saraus que comecei a frequentar.Éramos todos meio deslocados na infância e adolescência e adorávamos um pouco de solidão.Pensei: encontrei minha turma!E tudo à minha volta ia revelando que era poeta e um de meus destinos nesta vida era escrever. Embora em alguns poucos momentos tenha duvidado disso!
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Adorava mostrar o que tinha escrito para os meus amigos.
Até para me convencer se o que eu escrevia era poesia, ou se, só gostavam porque queriam me agradar. Na dúvida comecei a me inscrever em concursos literários e ganhei algum deles, como, o SESC de poesia do Rio de Janeiro de 1999.
De alguns anos pra cá, não mostro mais meus poemas antes de publicá-los. Sinto que ao mostrá-los interrompo um processo, faço um desvio e acabo saindo de um caminho natural de amadurecimento próprio do poema. Quanto à revisão de meu trabalho antes de publicá-lo, é um trabalho sem fim.Estou sempre revendo, mudando, consertando e na verdade só interrompo essa luta sem fim com a publicação do livro.É um mexe-mexe infinito, quase como um jogo aberto de possibilidades.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Atualmente aproveito muito a tecnologia. Me acostumei a escrever, revisar os poemas no computador.Adoro todas as possibilidades de formatação que a máquina antecipa e possibilita a visualização de um projeto, de um poema em uma folha ou todo um livro.Quando comecei a escrever achava pouco romântico usar o computador para escrever e só passava para o computador os poemas escritos anteriormente em guardanapos, folhas soltas de papel.
Hoje continuo escrevendo em guardanapos e folhas que encontro no caminho mas logo que posso, passo para o computador, que me possibilita desenvolver o poema ou a ideia escrita anteriormente no rascunho. O computador funciona agora um pouco como uma moldura.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
O ato de escrever é um mistério. Não se sabe de onde vem e nem para onde vai ou por que um poema se perde com a nossa impontualidade ao não escrevê-lo imediatamente.
Estou falando da poesia. Ela me acontece inexplicavelmente e me habituei a viver com ela.
É como o amor, que você o acolhe imediatamente, antes que ele parta sem dizer o por quê e para onde? Aceita – se como vindo de um lugar ou lugar nenhum, o absoluto, que nos é dado por um ínfimo de tempo, como um presente!
Porque talvez não aguentemos tanta perfeição, às vezes ele se evade!
Há de se preparar um campo ético, estético e de verdade para facilitar o seu aparecimento. Com os anos descobri alguns exercícios e costumes que facilitam a sua chegada. Por exemplo: o contato com a natureza, a música, as viagens, e principalmente não ter medo de pensar, ficar sozinha, quieta, sem fazer nada aparentemente. Está tudo trabalhando para a escrita que pode ou não ser imediata.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Logo quando comecei a escrever, não identificava que o momento que escrevia o poema, não seria só aquele enquanto o escrevia. Hoje sei que sempre os escreverei em minha vida. Acho muito difícil a identidade artística se revelar e se estabelecer como identidade. Hoje menos, e até ao contrário, ser artista é uma grande onda!
Mas antes ser artista era quase ser vagabundo. Além disso, ser poeta, não é só o oficio de escrever. É quase uma maneira de ver o mundo, trabalhar com o tempo. Lidar com a solidão e a loucura que todos estamos imersos. Na minha infância era uma coisa que não sabia o que era uma espécie de patinho feio, e só mais tarde quando encontrei os cisnes nos saraus e nas oficinas literárias que me reconheci e fui significada pelos companheiros.
Se pudesse voltar aos meus primeiros textos esperaria um pouco mais para publicá-los e daria mais atenção não só aos comentários, mas, sobretudo, equilibraria o valor deles principalmente vindo de quem os comentava. Não entraria em alguns prêmios literários que hoje identifico como cartas marcadas ou panelinhas. E sem dúvida, leria mais livros e escreveriaem mais oportunidades que negligenciei.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de colocar em poesia muito textos da psicanálise, principalmente de seu criador, Sigmund Freud, que foi um grande escritor. Gostaria de escrever uma peça de teatro. Gostaria de aprofundar meus estudos de filosofia e escrever muitos outros livros. Gostaria de ler outros livros meus que ainda não escrevi.