Ronaldo Kirilauskas é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho uma rotina matinal desesperadora. O despertador toca às 05:30, com o som dos Beatles – Help! Coloco na função soneca para dormir mais 8 minutos que quase sempre se tornam 24. Depois de três ou quatro doses de despertador me encontro em pé e eufórico com o atraso, embora não haja nenhuma novidade nesse processo.
Coloco a água para ferver enquanto tomo banho, saio do banho, côo o café enquanto me visto. Sempre faço um grande copo de café, coloco duas pedras de gelo para não queimar a boca, dou de três a cinco goles, deixo normalmente dois dedos de café para trás e saio me arrumando no caminho para o carro. O resto da manhã é trânsito e trabalho em sala de aula.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não sei dizer. Como um bom canceriano dependo das fases da lua. Às vezes acordo criativo e bem-disposto, outras vezes a disposição vem ao longo do dia, mas quase sempre não é uma coisa nem outra. Talvez, deixando de lado a perspectiva exotérica, me sinto melhor para trabalhar depois de um bom tempo sem trabalho. É algo semelhante ao que acontece quando vou jogar futebol. Quando fico semanas sem jogar jogo menos mal do que se jogo toda semana. É algo inexplicável. Às vezes até faço gol. Tenho a impressão de que minha disposição ao trabalho seja a mesma coisa.
Com relação ao que escrevo, não tenho nenhum ritual. Escrevo um pouco por necessidade individual de suportar a rotina quando sinto ela me enforcando com a “gravata”, de guardar percepções quando me parecem relevantes, de apontar contradições quando as vejo gritantes, e por aí vai. Não ritualizo, pois minha relação com o mundo é bastante inconstante, acho que todos naturalmente são assim, e porque não dependo da escrita como um ganha pão. Se dependesse eu acho que odiaria escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não me vejo com necessidade de criar meta de escrita diária. Pois, como disse, não dependo da escrita como ganha pão. Atualmente só quero o prazer que ela proporciona e não a chibata das obrigações. Tenho um livro de poesias e contos quase pronto, já mostrei algumas coisas para alguns amigos e, com certeza, é este o motivo do convite para essa entrevista. Mas ainda sou promessa de vir a ser escritor com obra publicada. Quero que isso um dia aconteça e tudo está encaminhando para que ocorra, no entanto, não me sinto obrigado a nada e prefiro que continue assim. Acho que essa postura é fundamental inclusive para não me cobrar mais do que o necessário agora, enquanto o livro se encontra inconcluso, e amanhã, se vier a publicar, com as críticas tanto positivas quanto negativas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrever não é algo fácil para mim. Minha formação é muito vinculada a cultura oral, ouvindo histórias, músicas, falando, vendo televisão, acho que de certo modo a oralidade faz parte da identidade popular brasileira até hoje. Me parece que quem recebeu influência central da oralidade em sua formação na infância e na juventude, como foi o meu caso, inclusive com o Rap nacional, escrever é jogar um outro jogo, com outras regras, e nesse sentido a poesia foi o primeiro passo para começar a escrever, ainda na adolescência, uma vez que se aproxima da oralidade. A poesia, nesse novo jogo, seria o malandro que não obedece às regras. Como diria Chico Science: “Cadê as notas que estavam aqui? Não preciso delas! Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos”. As poesias, para mim, são feitas com certa naturalidade, embora não sejam o meu forte, sem um roteiro prévio, dada a sua brevidade e essa possibilidade anárquica da escrita. Por um outo lado, os contos, as crônicas, as críticas são roteirizados na minha cabeça, tendo a saber como começam e terminam, às vezes insiro frases soltas que escrevi e estão anotadas em algum papel. O livro que escrevo e que tem o provável título <Literatura de ninar e histórias da peste>, por sua vez, mesmo congregando poesias e contos, está sendo feito a partir de uma sistematização prévia. O sumário me serve de guia para dar unidade ao livro e apontar o que ainda devo escrever, neste caso o título fica pintado de vermelho. Essa roteirização, norteada pelo sumário, talvez seja uma característica que herdei do período que estive na faculdade. Acredito ser essa a metodologia de escrita que me deixa um pouco mais confortável, indicando o percurso e meus avanços.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que Raul Seixas sintetizou a questão e é como eu lido com tudo isso. “Se eu vejo um papel qualquer no chão. Tremo, corro e apanho pra esconder. Com medo de ter sido uma anotação que eu fiz que não se possa ler e eu gosto de escrever, mas eu sinto medo! Eu sinto medo!”. Me sinto em paranoia, portanto, escrevo muito mais do que mostro que escrevo, releio as coisas que escrevi muito mais do que parecem ter sido relidas e agradeço aos canalhas do facebook a possibilidade de editar as postagens, mesmo isso me roubando longos minutos do dia. Quero ser bem compreendido, mesmo não falando do trivial, não quero que necessariamente concordem comigo. Mas aí vem a dúvida, o receio, a insegurança. Apertar o enter, publicar é algo ainda mais difícil do que escrever. Acho que por conta dessas coisas me julgo reticente na vida e na maioria dos textos. Procrastinador nato.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sei dizer, são inúmeras vezes e mesmo assim quase sempre sinto que nunca estão prontos. Mas uma hora canso de reler e nesse momento tento me convencer de que é a hora de avançar. Forjo o fim. Publico o inacabado como algo concluído. As vezes mostro, me sinto mais seguro mostrando e recebendo críticas de alguém de minha confiança, porem não é uma regra.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Utilizo bastante o computador, mas não deixo de ter anotações rascunhadas em livros, cadernos, guardanapos e ainda, eventualmente, gravo por voz no celular alguma frase que surge e me parecem interessantes. A grande vantagem do computador no processo de escrita é a facilidade de organização do material e depois de sua sistematização.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não sei. Acho que sou introvertido, em alguns aspectos sistemático e tendo a buscar a desnaturalização das coisas. Talvez essas minhas características, ao mesmo tempo que me torna uma pessoa “crica”, colabora com meu processo de escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Acho que estou ficando mais maduro, errando um pouco menos e com mais referências, embora as mensagens me parecem ainda bastante semelhantes. Além, obviamente, do uso do computador nesse processo de escrita.
Se pudesse falar comigo mesmo, diria para estudar mais a língua portuguesa. Acho que me permiti ter prazer em aprender as formalidades da língua portuguesa muito tarde. Já fora da escola. O que nos obriga a ir aprendendo sem orientação e, por consequência, de maneira mais lenta e com erros em momentos inadequados. Também acho que acreditava ainda menos no meu potencial, portanto, diria de mais a cara a tapa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho o desejo, sinto que é o germe de um possível projeto, de um dia morar em um veleiro. Não sei se um dia irá se transformar em um projeto ou quem sabe se efetivar, mas é algo que quero, embora sua execução tenha dezenas de problemas.
Quanto ao livro: Quero ler o futuro best-seller que transformará a sociedade brasileira, debatido inclusive no Jornal Nacional, e que terá como título “Como reconhecer o umbigo do outro e não se sentir ameaçado com a diferença”.