Rômulo César Melo é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia ligando o computador. Apenas ligo e saio do escritório como se ele fosse uma extensão de mim que acabei de me ligar ao abrir os olhos. Depois, tomo um copo de água antes do café da manhã. É a hora de ler o jornal. E inicio os trabalhos com meus processos, pois também sou advogado público e as intimações sempre chegam nos sistemas virtuais que utilizo para desenvolver as rotinas da profissão entre às nove e dez horas da manhã. Então, os turnos matinais se consomem pelas atividades jurídicas, ao menos de segunda à sexta-feira.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não me conecto com o relógio, nem tenho uma hora melhor, acho que o trabalho flui de dentro para fora, quer da janela veja o dia ou a noite. Tudo acontece aqui no espírito ou mente ou nos dois e é posto, despejado, exteriorizado. Houve um tempo em que escrevia mais no final da noite, começo da madrugada, acreditava que nessas horas os meus fantasmas estavam mais acesos. Mas passei dessa fase, escrevo a qualquer hora, sem rituais de preparação. Posso mergulhar no mais profundo silêncio como estar numa festa com pessoas conversando e consigo escrever. Muitas vezes ponho uma música, noutras isso atrapalha. Portanto, assim como a vida, nada é constante ou definitivo no meu processo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias. Isso não quer dizer que crio um texto novo todos os dias, mas ao menos refaço poemas, reviso contos, crônicas. Em regra, evito metas, dispenso disciplina, isso vai de encontro aos conselhos dos mais experientes, ouso contradizer. Talvez por viver pressionado por prazos na atividade jurídica me sinto com a necessidade de relaxar quando falamos de Literatura. Como escrevo loucamente e em grande quantidade e não sou dado a bloqueios criativos, essa desobediência tem funcionado. Agora, se estou com um projeto de um livro, daí foco nele e sigo incansável até o fim, vivo e respiro aquele texto, preciso saber o final, talvez até para calar a própria curiosidade do autor que, diga-se da passagem, é enorme.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A escrita como processo se origina no mundo das ideias. Pode ter sido despertada por algo que foi visto numa notícia de jornal, numa conversa de fila de banco, uma cena do cotidiano ou ter “chegado” do nada. Anoto tópicos no celular ou em caderninhos, tenho um para poesia outro para prosa, como bom virginiano, e depois concentro os mais promissores num arquivo do computador. Serão desenvolvidos; ou não. Se não domino determinado assunto importante para um conto, vou atrás de livros ou do Google. Aconteceu por exemplo no conto “O colecionador de baleias” que empresta o título do meu próximo livro a ser lançado em 21 de novembro. Li, numa revista, sobre a extinta profissão de acendedor de lamparinas de rua em Londres, que usava óleo de baleia. Fui atrás para saber sua rotina, como era o dia-a-dia, dificuldades, e daí veio a estrutura do conto somada ao conflito psicológico do personagem, isso puramente ficcional. Aliou-se pesquisa histórica com a figura de um homem que surgiu na minha cabeça. Veio o conto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Ainda não passei por grandes travas na escrita, a não ser quando enfrentei o monstro da depressão (bato três vezes na madeira). Mas foi pontual. Acho que já tive mais medo de não corresponder às expectativas, quando não tinha a certeza de que era isso que queria para a minha vida, quando ainda não estava docemente condenado à Literatura. Agora, não. É o que gosto e o que farei, o que vier de bom e de ruim deverá ser assimilado porque não deixarei de fazer mesmo, é fato. A ansiedade é outro problema diagnosticado em consultório. Sinto-me como se fosse dar meu primeiro pulo de paraquedas ou o primeiro mergulho com tubarões brancos todos os dias quando acordo. Faço terapia, atividades físicas e rezo bastante. Os ganhos disso tudo se aplicam aos projetos literários, longos ou curtos, o controle da ansiedade é um grande problema.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu os reviso até ouvir a voz deles me dizendo que estão minimamente prontos para serem lidos por alguém. Isso pode ser uma única vez como trinta e três vezes. A revisão tem importância fundamental no trabalho, dar um descanso no texto, o que se chama deixar dormir na gaveta. O escritor, ao escrever, está tomado pelo impulso criativo, tocado por uma emoção que cega para pequenos deslizes estéticos. Quando os olhos se deslocam, passeiam por outros universos, voltam descansados e capazes de perceber uma outra perspectiva que pode aprimorar a inicial. Mostro para colegas escritores e para minha esposa. Acho importante o olhar crítico do outro na construção.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Uma relação bastante razoável. Não sou um grande conhecedor ou adepto, mas tenho notebook e leio muito no Kindle. Também acesso as mídias sociais e acho que contribuem para a divulgação do nosso trabalho. Faço por mim mesmo a publicação de notícias sobre prêmios obtidos e livros publicados. No entanto, para o lançamento de “O colecionador de Baleias”, contratei os serviços da Fornalha Literária, empresa daqui do Recife, que fará a parte de assessoria nesse sentido. Escrevo tanto em papel, quanto no PC. Quando viajo, levo os tais caderninhos para escrever as impressões sobre os lugares visitados que se transformam em poemas ou ideias para contos. No Recife, uso mais o computador. Mas adoro guardanapos em mesas de bar e canetas emprestadas dos garçons.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Olha, acho que todos os escritores devem responder que a leitura é fundamental simplesmente porque é. Não acredito em gente que escreve que não leia. Quando falo ler, quero dizer ler tudo, além dos clássicos e dos autores contemporâneos, muito mais do que Literatura. Falo de Filosofia, História, Artes em geral, curiosidades, biografias, jornais, revistas; ler nos contamina de ideias, das sementes delas. Cabe desenvolver, fazer germinar. Ler e observar. Acho que o artista, sobretudo o escritor, precisa ser um excelente observador, um bom ouvinte, estar disposto e atento ao que acontece ao redor para pescar em acontecimentos, que parecem ser comezinhos ou sem sentido para muitos, o mote do encantamento, ver o que ninguém quer ou consegue enxergar. Não pense ser uma pretensão, é muito mais uma condenação.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que, como em toda atividade, com o passar dos anos a gente vai conhecendo os atalhos, ou seja, vai aprendendo com as experiências. Procuro manter o impulso do start, do início do texto que vem queimando e explode no papel e tantas vezes sai do eixo que eu mesmo havia criado, deixa os trilhos para me surpreender e se torna mais rico do que o roteiro anotado no caderninho. São os ecos do mundo invisível assoprando nos nossos ouvidos. Isso não perdi, aliás, nem quero. Agora, o labor, lapidar o texto, achar com menos dificuldade a voz narrativa, o tempo, as técnicas que darão efeitos positivos, a melhor forma de dizer aquele texto isso a gente vai conhecendo com os anos. Perdem-se também as ilusões, não os sonhos. Diria àquele cara que em 2008 escrevia um conto que com toda a certeza do mundo (dele) iria abalar a literatura, sonhando ser um bom escritor: “amigo, seu conto não abalará nada. Mas se permita sonhar em ser esse escritor que quer ser”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sempre digo o projeto romance é o meu desafio. Contistas e romancistas discutem qual o gênero mais difícil. Respondo que para mim é o romance. Tenho dificuldade de fôlego, já escrevi textos longos, mas não me deram o prazer e a resposta que os contos e os poemas me dão. Ainda não. Com o “Colecionador de Baleias” publico meu terceiro livro de contos e já publiquei um de poemas. Romance ainda não. Portanto, é a meta. Tudo a seu tempo. O livro que gostaria de ler seria “A Bíblia Volume 2 – o retorno do Messias”. Se este livro não for censurado, claro. Quem sabe ainda exista salvação a este mundo.