Roge Weslen é poeta de Belém.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo meu dia de forma bem vagarosa, esperando a hora certa de me atrasar, como dizem. Vou pra escola. Toda manhã, num exercício quase religioso, fumo um cigarro na entrada do colégio, um na saída. Como não tenho uma rotina fixa, decidi começar a construir uma, desse jeito. Quem sabe a religiosidade dos pequenos hábitos me tirem do kaos. Quem sabe.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo sempre quando a boca trava, quando um estranho ritmo parece brecar o tempo e estranho-me, estranho a falta, a palavra entalada nas dobras do corpo, e isso pode acontecer a qualquer hora do dia. Preparação para a escrita é viver, sincera e verdadeiramente, cada instante do dia. É saber buscar em si o mundo, e no mundo, a si mesmo e os outros. É saber trabalhar nas frestas. Portanto, flano por essa capital, Belém, cato as mangas que caem no chão, atravesso cada esquina, triste e triunfante, lambuzando-me da fruta e das demais delícias da cidade. Assim, encarcero-me nesta fortaleza azul marinha que é o meu quarto, para dissecar o que restou das andanças, das inóspitas experiências, das vertigens de uma sala de cinema… Este é o meu ritual.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sem metas. Tenho escrito de forma fragmentada, duas vezes por semanas, mais ou menos. A poesia funciona de um modo muito diferente da prosa, mais desorganizadamente. Quando dá na telha. Quando quer. Só escrevo prosa quando surge uma tremenda determinação e crença pelo que devo escrever, o que possibilita certa disciplina. Porém, já faz tempo não escrevo um conto ou algo do tipo, e só escreverei quando for tomado por essa essencialidade, por esse, pode-se dizer, destino manifesto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Em poesia, a utilização da pesquisa é quase inconsciente, ela surge no texto, os estratos e absorções de leituras variadas, sobretudo de temas da antropologia e etnologia. Incorporo esses temas, ligo-os ao imaginário poético que cultivo, tento tratá-los de forma analógica, por meio de associações de todo tipo, retirando-os da matéria acadêmica onde os encontrei. Inserindo esses temas nos meus poemas, busco apresentá-los de forma que não diferenciem-se da vida cotidiana, do dia a dia nosso. Quanto a notas, raramente as utilizo. Meu método de escrita é, simplesmente, ler & captar o mundo, a vida, as conversas, os olhares e silêncios, e subvertê-los, rebelde e amorosamente.
Como você lida com as travas da escrita, com a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Me preocupava com isso logo que comecei a escrever, era muito inseguro, até por não ter ainda lapidado a escrita. Hoje em dia, quando acontecem esses bloqueios, apenas deixo de lado, não me importo. Tenho pra mim, que se tiver que escrever algo, irei escrever, senão, tanto faz. Não me preocupo mais em atender expectativas de quem quer que seja, exceto as minhas, o que já é difícil, visto que sou excessivamente perfeccionista e raramente fico satisfeito com algo que escrevo, talvez por isso continue escrevendo, como já disseram, na completa impossibilidade de me conformar. Tento contornar a procrastinação, mas é complicado, a vontade mesmo é afundar-me nessa inércia, afinal, o ócio também é um ponto de partida.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depois de escritos, quase sempre meus textos mofam, esquecidos por mim mesmo. Vez ou outra mudo alguma coisa, raramente. E então chega a hora e resolvo enviá-los para algum amigo, alguma revista ou coisa que o valha, mas o desinteresse é tão grande que muitas vezes nem chego a enviá-los ou sequer publicá-los. De qualquer forma, estou com alguns poemas que irão originar o que parece ser um livro, mas ainda não sei, veremos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre que tentei escrever à mão, não consegui acompanhar o fluxo de meus pensamentos, caóticos, incertos, o que era um problema. Agora, quase sempre, escrevo pelo celular, que dá maior agilidade ao processo. Às vezes, pego algo escrito pelo celular e transcrevo no computador ou em algum caderno, e nessa forma de revisão, vou mudando algumas coisas em textos, mas isso só às vezes. O mais certo é deixar como estão, alguns apago, depois me arrependo, enfim. Vou criando assim, nessa incerteza, repousando nesses declives, errando, acertando, espero. Mas criando. Até uma forma nova surgir, uma mutação nova começar, um texto novo aparecer.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acredito que ler, ler bastante, seja essencial para a escrita. Se não leio, não escrevo. O cineasta Carlos Reichenbach conta que passou sua adolescência atravessando a cidade de São Paulo de bicicleta, para ir aos cinemas, principalmente, e até o fim da vida, andou de ônibus. Pois ele dizia que era preciso conhecer, viver, olhar agudamente a cidade, as coisas, observar. Faço isso, ando pelas ruas, converso, ouço o que dizem as pessoas. Me detenho num canto a observar. Sento-me numa praça e leio até que chega a hora exata da chuva, que em Belém, nunca atrasa. Isso tudo me ajuda na hora de sentar e escrever, está tudo ali, todas as ruas, faces, acontecimentos que presenciei. O que me inspira é isso, o olhar, também, com o corpo – abrir-se às visões.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Quando eu comecei a escrever, tinha muita pressa, queria escrever a todo momento, e escrevi muito, desenfreadamente, a maioria das coisas, porcaria. Foi uma fase necessária. Com o tempo, naturalmente, isso mudou. Como disse, escrevo pouquíssimo hoje em dia, se comparado a antes. Diria para meu eu de alguns anos atrás: “Calma, não tenha pressa, aliás, não adianta. Escrever, no mínimo, razoavelmente, requer anos. Requer vidas” e é assim. Hoje sei.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever um texto em prosa, mas não da forma convencional, algo extremamente experimental, na fronteira entre prosa e poesia. Algo explosivo e sutil, causticante, uma narrativa sobre o nascimento das tempestades. Eu gostaria de ler a história de todos os meninos do meu bairro. Suas biografias não estarão na wikipedia, ninguém as lerá. Quem sabe.