Rodrigo Ortiz Vinholo é publicitário, jornalista e escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Pela manhã geralmente estou mais devagar. Levanto, lavo o rosto e, antes de qualquer outra coisa, vou até a cozinha, onde espremo um limão e o tomo em jejum. Depois sigo com outros preparativos matinais e café da manhã. Geralmente, antes de sair para o trabalho (em horário comercial, trabalho em uma agência de publicidade, coloco a cabeça para funcionar com olhadas rápidas em Instagram e alguns outros aplicativos de baixo impacto (palavras cruzadas, por exemplo), ou alguma outra rede social.
Eu costumava começar a manhã com uma prática de Yôga ou outros exercícios, e penso em retomar esses hábitos em breve. Ademais, se estou com tempo, resolvo outras pendências da vida, seja de literatura ou de outros aspectos.
É raro que eu escreva pela manhã, em especial em dias de semana, mas o que geralmente faço é reler alguma ideia ou demanda que tenho relacionada à literatura antes de sair, para ir pensando a respeito enquanto dirijo, mesmo que passivamente. Geralmente, mantenho a ideia em mente e deixo-a como um tipo de processo secundário de pensamento, enquanto ouço algum audiobook no caminho do trabalho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Tirando a manhã ou muito tarde da noite, qualquer hora eu trabalho bem. Durante a semana, por motivos de força maior acabo escrevendo ao fim do dia, mas sempre que posso, em fins de semana, a partir das 10h da manhã já consigo escrever.
No geral, como estou com muitos projetos ocorrendo em paralelo, não tenho nenhum ritual em particular para escrita: basta sentar e desenvolver alguma ideia que está começada, seja em rascunho físico, digital ou mental. Se a ideia ainda está em formação, porém, geralmente fico caminhando pelo quarto conforme ela se forma, sem focar em nada em particular, e depois a passo para o computador, celular ou papel, conforme a disponibilidade. Quando efetivamente sento para escrever, geralmente eu evito ter qualquer tipo de música ou barulho.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias. Há cerca de quatro anos eu adotei a meta de 1.000 palavras por dia. Não importa o número efetivo de caracteres, e eu só considero as palavras que forem escritas para literatura (ou seja, qualquer coisa que eu escrever para meu trabalho na agência não conta, e nem conta qualquer coisa que não seja efetivamente direcionada a algum trabalho de literatura).
Caso eu não bata a meta do dia, eu acumulo as palavras faltantes. Ou seja, se em um dia eu escrever 700, no dia seguinte tenho as 1.000 do dia, mais 300 pendentes do dia anterior. Por outro lado, se eu estourar a meta do dia, as palavras extras não se acumulam para o próximo, o que acaba sendo positivo para que eu sempre supere a meta estipulada.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Varia muito, para falar a verdade.
No geral eu sempre parto de uma ideia embrionária que eu gostaria de explorar. Em seguida vou definindo o tom com que eu gostaria de abordá-la e vou anotando como eu poderia explorá-la e exibí-la aos leitores. O processo é como montar a estrada até o destino que quero chegar.
O teor das ideias varia. Por vezes é um conceito amplo (“uma história que fale de liberdade”, “uma história que fale sobre perda”) e vou procurando elementos do meu repertório que possam se encaixar de maneiras interessantes. Por outras eu parto de ideias soltas (“o que as pessoas diriam para alguém que foi preso?”, “como o conceito do Navio de Teseu poderia se aplicar ao corpo humano?”, “e se alguém pudesse conhecer os traumas de sua família?”) e expando o universo temático e o tom a partir disso. Em alguns raros casos a ideia já vem inteira pronta e eu rascunho começo, meio e fim, para depois ir adicionando o “recheio” e fazendo as ligações causais entre as partes.
Raramente eu faço um começo de história sem saber o final (ou, ao menos, sem saber grande parte do caminho até ele e o tom que quero utilizar), mas não vou dizer que nunca aconteceu.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Trabalhar em diferentes projetos ao mesmo tempo é algo que me ajuda muito a não ter travas. Muitas vezes, se travo em alguma história, basta que eu comece a trabalhar em outra para que eu ganhe perspectiva do primeiro projeto. Alternativamente, se é algo mais longo, eu pulo para outra parte que me pareça mais clara e a desenvolvo, o que me ajuda a ter elementos para a parte que deixei para trás.
Geralmente eu trabalho com uma lista de tarefas diárias. Essas incluem desde estudos e demandas da vida privada e profissional, até, claro, meus projetos literários. Com isso, fica mais difícil procrastinar, porque eu sinto que, se o fizer, estarei prejudicando a mim mesmo. Isso também, é claro, me ajuda a manter a constância e a organização.
O medo de não corresponder às expectativas é algo mais difícil de driblar, mas não é impossível. No geral, eu tento me espelhar em grandes autores e aprender com suas obras, então sou especialmente crítico com o que coloco no papel (ou na tela). Desse modo, como coloco um alto nível de exigência para mim mesmo, eu muitas vezes sinto que as expectativas dos outros, sejam leitores ou editores, acabam ficando menos assustadoras que as minhas próprias. No geral, porém, sinto que alcancei uma confiança de modo que isso não tende a me assombrar, e quando escrevo com confiança, entendo que o resultado é melhor tanto para mim quanto na percepção dos outros.
Trabalhar em projetos longos é algo realmente complicado pela sensação de que estou “improdutivo”, especialmente quando um projeto longo faz com que outros fiquem parados (neste momento, por exemplo, tenho por volta de quatro projetos parcialmente encostados, alguns por tamanho, outros por prioridade.) O truque, para mim, é fazer planejamento de longo prazo e sempre estar trabalhando em projetos menores, com entregas viáveis. Isso garante que eu não me sinta mal por ter que encostar algumas outras coisas e, mesmo que esteja trabalhando em um projeto longo, faz com que eu me sinta produtivo.
Um truque legal é ter uma constância de entregas, seja em Facebook, Wattpad, ou em algum blog. Eu crio metas para mim mesmo e mantenho minhas páginas de Facebook atualizadas semanalmente. Isso garante que eu esteja sempre em movimento e sempre visível ao mercado, enquanto trabalho em entregas mais longas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
No geral, para contos, reviso ao menos duas vezes. Projetos mais longos precisam de mais revisões, mas acaba variando. Quanto a leitores beta, não tenho muito costume de pedir, muitas vezes porque minhas entregas são dependentes de prazos externos a mim, mas ocasionalmente compartilho com amigos ou familiares.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Quase tudo faço no computador ou celular. Escrevo na mão apenas na impossibilidade de usar algum deles. Exceções ficam no caderno que mantenho em minha cama, para anotar ideias quando vou dormir ou acordo, ou nos cadernos que levo toda vez que viajo. Como não levo computador em viagens, e nem sempre é sábio ficar esgotando a bateria do celular, sempre tenho algum caderno para ocasiões do tipo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vem de tudo que vejo, realmente.
Eu me considero uma pessoa muito aberta e curiosa. Isso significa que todo tipo de informação com que entro em contato é material para trabalho. Leio muito, gosto de cinema, e tenho uma boa memória para referências que muitas vezes são inúteis para a maior parte das pessoas.
Tenho o costume de utilizar muitas metáforas e comparações em minhas falas, como meio de organizar e traduzir meus pensamentos ou explicar conceitos para pessoas que não têm o mesmo conhecimento e/ou vivência que eu. Sozinho, por vezes me pego fazendo a mesma coisa, usando esses artifícios para explicar as coisas para mim mesmo, ou imaginar que explico para os outros. Esse tipo de linguagem imaginativa é muito útil, porque cria cenários, situações e personagens que traduzem ideias.
Somo a isso o hábito de frequentemente imaginar possibilidades alternativas para fatos ou para mecânicas, sejam essas naturais, sociais ou até mesmo lógicas.
Focando em literatura e histórias de todos os formatos, eu adquiri o hábito de aplicar as lógicas supracitadas a qualquer obra que observar. Mais do que isso, analiso os elementos inseridos na obra e tento desmontá-los, entendendo porque os autores os apresentaram de um jeito ou de outro, quais os encaixes e lógica que tentaram fazer. Isso facilita para que eu tenha em mente um acervo de clichês para explorar, evitar, ou subverter, conforme a necessidade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu diria que mudou muito minha confiança. Antes eu era muito obcecado com ideias, a ponto de adiar demais a execução. Eu também era muito fixado em minha própria perspectiva, variando pouco personagens e estilo de histórias. Muito disso, eu sei, era mais por insegurança do que por falta de capacidade.
Se pudesse voltar, creio que eu me incentivaria a escrever mais e pensar menos, para começar, e também a não ter medo de tentar soar diferente de quem eu sou, porque apenas errando muitas vezes que eu encontrei minha voz. Ou vozes, para falar a verdade.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Uau, essa pergunta é difícil. Creio que um projeto que sempre quis fazer e nunca comecei seria algo de não-ficção, como algum trabalho com jornalismo investigativo, nem que seja em algum assunto leve. Claro, já explorei o estilo em alguns contos e projetos menores, mas uma obra mais intensa nesse caminho, ao estilo de Jon Ronson, é algo que um dia gostaria de tentar fazer.
Quanto a algum livro que não existe, eu tenho várias ideias que sei que não existem porque não são muito comerciais, mas eu adoraria conseguir ler relatos de sonhos de diversas pessoas diferentes. Adoro assuntos do subconsciente e as narrativas oníricas, especialmente quando elas apresentam alguma consistência e simbologia interessante. Sei que existem vários diários de sonhos célebres, e eu mesmo tenho um há mais de uma década, agora, mas vejo que o tópico geralmente é minimizado pela maior parte das pessoas. Uma obra com uma seleção de sonhos longos e bem descritos certamente poderia ter um grande valor literário.