Rodrigo Novaes de Almeida é escritor e editor da Revista Gueto.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho uma rotina durante a semana que começa assim: Levanto às 6h30 e preparo a publicação do dia no portal da Revista Gueto tomando uma caneca de café. Depois leio algumas notícias e artigos e me arrumo para ir à editora. No caminho, também costumo ler, estudar e fazer anotações de ideias ou mesmo começar a escrever alguma narrativa. Uso o bloco de notas do celular. Nos finais de semana leio e seleciono o material que sai na revista, alguns livros e escrevo, caso as ideias que fico remoendo durante a semana estejam maduras para sair.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho hora ou ritual. Já escrevi muito de madrugada, em outros tempos. Também já passei meses escrevendo um romance durante as manhãs e as tardes, depois o reescrevi três vezes. Na quarta versão o joguei no lixo. Como atualmente passo o dia todo diante do computador na editora (onde sou editor de material didático), se tenho alguma ideia anoto e deixo para escrever nos finais de semana.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Entre o meu livro de contos Carnebruta, de 2012, e o que vai sair agora em 2018, Das pequenas corrupções cotidianas que nos levam à barbárie e outros contos (Editora Patuá), fiquei três anos sem escrever absolutamente nada de ficção. Depois desse período tive o projeto do romance, como já comentei, e que foi para o lixo, e o tempo lento de escrever e arrumar os contos para o livro novo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando eu era mais jovem escrevia mais do que atualmente. Não se trata de uma questão somente de não ter mais tempo para escrever, mas prefiro ler a escrever, não apenas ficção, como também livros de não ficção, principalmente biografias e sobre história, filosofia e arte. Há uma bagagem de leituras que trazemos com a gente, e outra de experiências. E tenho me interessado mais pela leitura. Escolho mais o que – e se – vou escrever.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando eu era mais jovem também tinha uma ansiedade de ver meus textos publicados. Hoje, se levar seis, oito, dez anos para escrever outro livro, não me importo. Não me importo (mais) nem com o fato de escrever “apenas” contos. Já escrevi crônicas (tenho um livro de crônicas publicado com a minha mulher, a editora Christiane Angelotti, chamado A construção da paisagem) e cometo poemas de vez em quando. Eu me preocuparia se a procrastinação se apresentasse no que diz respeito à leitura, ao estudo, que são atividades que me dão prazer. Escrever não me dá prazer. Escrever é vaidade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O romance que joguei inteiro no lixo já estava na quarta versão. Os contos, antes de enviar para um jornal ou uma revista, releio quatro, cinco vezes. O livro novo que sai este ano pedi para a minha mulher ler as vinte e uma narrativas antes de enviar para a editora. Ela sugeriu que eu excluísse uma. Argumentou que não estava no mesmo nível das demais. Esse é um lado bom de ser casado com uma editora.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como falei antes, uso até o bloco de notas do celular. Já li romances inteiros nele também. Tenho uma biblioteca vasta no Kindle. Uso blocos de papel também. Até guardanapo, se preciso. Só não dá para confiar na memória, a minha é uma porcaria. Outro dia perguntaram o nome do meu livro novo e eu não soube dizer. Tudo bem que escolhi um nome enorme, mas pelo menos isso eu tinha a obrigação de saber.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Observo as pessoas e escuto suas histórias. Nos vinte contos do Das pequenas corrupções cotidianas que nos levam à barbárie, por exemplo, a primeira narrativa, “Eu, que já sou de barro”, é baseada numa história real, e pelo menos mais umas cinco são também. Claro que, como são ficção, há uma extrapolação do real, mas na origem são histórias que de fato ocorreram e que me contaram. Há coisas de mim também ou de leituras, de notícias de jornais, memórias etc.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Escrevo menos, corto bastante e se mesmo assim continua uma droga jogo tudo fora. Não tenho pena. Há muito desperdício de papel com porcaria nas prateleiras das livrarias. Também escolho qual ideia vou deixar sair. Antes escrevia o que vinha, não queria saber. Hoje me pergunto mais, me questiono, e penso com mais cuidado nos temas que quero trabalhar. Eu diria a um “eu” mais jovem para jogar (quase) tudo o que escreveu fora. Algumas coisas ainda gosto, mas é bem pouco. Já errei muito.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Olha, eu não vou mentir, quero escrever um romance. Não porque “um escritor precisa escrever um romance”, mas é uma vontade que eu ainda tenho. Posso jogar mais nove romances no lixo, mas quero escrever.
Há pelo menos uns duzentos, trezentos livros que eu gostaria de ler e que já existem e sei que não vou conseguir ler todos, então não penso em algo que ainda não existe, mas penso bastante nos livros perdidos da antiguidade, apagados por copistas obtusos, queimados por fanáticos ou comidos pelos dentes do tempo. Quantos De rerum natura e Lucrécios não se perderam para sempre?