Rodrigo Melo é escritor, autor de O Sangue Que Corre Nas Veias, Enquanto O Mundo Dorme e Jogando Dardos Sem Mirar O Alvo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo mais ou menos às seis e meia, faço o suco de minha filha e levo ela para a escola. Às vezes aproveito para caminhar na praia por uns quarenta ou cinquenta minutos. É bom porque penso no livro de uma forma distinta daquela de quando estou escrevendo e não é raro vir o complemento de uma passagem em que havia estacionado ou alguma outra coisa. Na volta, tomo um café e, se não houver nada para fazer (esporadicamente tento ser um corretor de imóveis), começo a escrever. No momento, trabalho em uma novela e é nela que tenho mergulhado. Comecei há pelo menos quatro anos, larguei de mão, algum tempo depois tornei a pegar e a largar outra vez. Isso se repetiu incontáveis vezes, e nesse tempo cheguei a publicar dois livros, até que concluí que precisava finalizá-la.
Às onze e meia, pego a pequena, almoçamos, lavo os pratos e torno a escrever. Volta e meia a tarde emenda na noite e continuo até a hora em que não consigo mais produzir.
Os finais de semana não têm regra. Pode ser fazendo alguma coisa com a minha esposa e a minha filha e não escrever uma linha, assim como também acontece de ficar em casa e a escrita vingar mais do que a semana inteira.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho muito isso de horário. Procuro pegar no texto sempre que possível. Acho que só não consigo escrever de madrugada, raramente sai alguma coisa.
O ritual consiste em me sentar de frente para o computador, acender um cigarro e começar. É uma grande porcaria isso de cigarro, mas fumo apenas quando escrevo ou bebo e ultimamente tenho bebido muito pouco. De todo modo, leio o capítulo anterior ao que parei, para pegar o ritmo, e sigo enquanto der. Por vezes uma página, em outras, dez. Não mais que isso. Vou e volto, buscando a unidade, a musicalidade, o sentido, até achar que posso continuar. E também tento, quase sempre, enxugar o texto. Digo quase sempre porque com essa novela tenho deixado as rédeas mais soltas nesse sentido, já que a história veio como uma espécie de alegoria, uma fábula um tanto kitsch, propositalmente exagerada. Espero que alguém consiga ler depois de publicada. Na verdade, espero que a publiquem.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrever todos os dias ainda é algo não consolidado. Há aqueles, não muitos, em que sequer abro o Word. Tento descontar no seguinte, ou no outro, me forçando um pouco mais.
A respeito de metas, não há nada muito específico. Consiste muito em seguir fazendo aquilo a que me predispus, e de perceber, após fechar o arquivo, que avencei mais um metro ou dois.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não faço muitas anotações, uma ou outra sobre aquilo que penso ser essencial. Enxergo a história como um todo, o fio condutor, as características dos personagens, e quando começo a escrever deixo que ela vá para onde quiser, embora visualize uma direção. Acontece que, no meio do caminho, essa direção tende a mudar. Por conta disso, é um processo um bocado trabalhoso: tenho que reler, alinhar, passar o pente fino repetidas vezes, mas prefiro. Por mais curioso e estranho que possa parecer, me sinto mais seguro assim.
Se preciso de alguma informação, ela acontece no momento da escrita. Me apego muito mais à história do que a detalhes como nomes de rua, embora em alguns casos isso seja necessário. Creio que, quando posso, prefiro até inventar alguns desses nomes.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A procrastinação está sempre a me rondar. Por um longo tempo ela se sentou ao meu lado para assistir séries de crime na tv, escutar discos, assistir aos vídeos das festas de dancehall na Jamaica, sair com amigos ou qualquer outra coisa que me afastasse da literatura ( a minha filha e a minha esposa não entram nessa conta aí). E é dessa forma que os dias, os meses e os anos passam sem deixar qualquer vestígio literário.
O que faço agora é abrir um livro. Os livros nos puxam sem cerimônia alguma para dentro de seus universos, sobretudo os livros bons, e, mesmo que não tenham muita ligação com o que estou escrevendo, me ajudam a continuar pensando na escrita.
Por outro lado, sou bom com prazos. Deem-me uma data e o texto aparecerá, pessoal. O problema está apenas em quando eu mesmo me dou esse prazo: a coisa pode se arrastar infinitamente. E toda essa procrastinação tem, certamente, estreita ligação com o medo e a ansiedade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Revisar um livro é como montar um presépio que não tem fim. Uma hora você tem que dizer: basta, Jesus já está em seu lugar!
Essa novela que atualmente tento terminar está na quarta versão. Há algum tempo, quando deduzi que estava pronta ou perto disso, enviei para Paulo Bono e Marcus Borgón, dois escritores que gosto de ler e confio, e eles me deram dicas preciosas, de maneira que voltei a mexer no livro. Algum tempo depois, a minha esposa também leu e enviei para mais dois camaradas: Fabrício Brandão e Chico Correia. Eles também fizeram algumas considerações.
Cinco pessoas. Não sei se outros escritores mostram originais para tanta gente, mas há dois pontos aqui: é a minha primeira história longa e me sinto confortável em escutar essa turma. Sei que se eu não concordar com alguma coisa, como aconteceu algumas vezes, será apenas isso, um não concordar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Já cheguei a ter cadernos, alguns de dez matérias, grossos, que afinaram com o tempo, mas no computador os dedos acompanham a mente com mais facilidade. Não gostou, deleta, não precisa nem amassar o papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A leitura é um hábito essencial, a água que se pega no fundo do poço. Acho que foi Faulkner quem disse: “Leia os clássicos, leia os novos, leia qualquer porcaria. Leia”. Hoje, enquanto tento finalizar um livro, não leio tanto quanto gostaria. Tem funcionado muito como uma espécie de alavanca para quando não consigo continuar a escrever.
Sobre as ideias, elas podem vir de todo canto, a todo instante. Uma vez eu vi um sujeito de paletó, com um buquê de flores na mão, entrar no prédio aqui do lado. No mesmo instante imaginei uma história de traição e arrependimento, ele lá, pedindo desculpas no corredor, enquanto do outro lado ela dizia que não, e depois disso teve a porta arrombada, as mãos dele sangrando, as flores murchas e desfolhadas esquecidas no chão. Minutos se passaram e eu voltei à janela. O homem do paletó acabava de sair do prédio e entrava num desses carros que levam mensagens amorosas à domicílio. Nada tinha sido como eu havia pensado. Mas era tarde, a história estava escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A gente acaba puxando mais a corda, ficando mais exigente, porque a percepção mudou. Com tudo é assim. Se pela primeira vez o cara cria um jingle, costura uma roupa, faz um caneco de barro ou qualquer outro troço e acha que ficou bom, é inevitável que na segunda tentativa tente se sair melhor. E provavelmente se sairá. O curioso é que há pouco reli o meu primeiro livro de contos e ele não me desagradou tanto como imaginei que desagradaria. De maneira que se eu fosse aconselhar aquele sujeito de anos atrás, eu diria qualquer coisa assim: continue a escrever. Esqueça os vídeos de dancehall na Jamaica e as mesas de bares, o vizinho reclamando do lixo que os urubus rasgam, as lições de moral sobre postura e superação. Apenas continue.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vontade de escrever uma história policial, embora não saiba se é bem esse o termo. Uma história que tivesse um clima um tanto noir, como nas de James M. Cain, focando muito mais nas pessoas, em seus dilemas e reações, do que em qualquer tipo de crime que possa existir. Talvez um livro de contos que tivesse uma unidade a ponto de também ser encarado como uma novela ou um romance.
O livro que gostaria de ler e que não existe é algo difícil de responder, porque gosto de muitos autores. Pensando rapidamente, alguma coisa do Cormac McCarthy, quem sabe uma continuação de Meridiano Sangrento.