Rodrigo Duarte Garcia é escritor, autor de Os invernos da ilha (Record, 2016).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Enquanto não ganho na mega-sena, trabalho – bastante – como advogado. Tento chegar o mais cedo possível no escritório para poder escrever um pouco, antes de começarem as obrigações do dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalhava muito bem à noite, depois que tudo em volta se acalmava e o telefone parava de tocar. Hoje, é exatamente o contrário: escrevo sempre de manhã – quanto mais cedo, melhor. E sem muitos rituais: café, água, e fone de ouvido com música, quando o ambiente em volta não é o mais silencioso.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Com as óbvias exceções exigidas pela vida prática, tento escrever todos os dias, inclusive sábados e domingos: acho que o nulla dies sine linea é, de longe, um dos melhores propósitos que um escritor pode fazer. E metas são importantíssimas. Escrevo sempre com a formatação do Word correspondente à diagramação de um livro impresso, para poder controlar o número real de páginas produzidas. Mas metas diárias não funcionam para mim, diante da impossibilidade prática de dedicação uniforme de tempo, a cada dia. E, por isso, meu objetivo são 4 páginas reais por semana, e 15 por mês – o que não é fácil. Se fosse, eu teria um livro novo a cada 2 ou 3 anos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu anoto – de uma maneira mais ou menos organizada – a ideia central do enredo, depois personagens, paisagens, ideias de diálogos e de cenas. E desenho mapas; nenhum livro deveria existir sem mapas. Seleciono a bibliografia e faço as pesquisas, de maneira apenas suficiente para equilibrar dois princípios igualmente importantes: não falar (muita) besteira, e a diversão da possibilidade de inventar tudo o que eu quiser. Depois disso, escrevo o esquema geral do livro (outline), com divisão de partes e capítulos – que sempre mudam no meio do processo. Mas acho importante começar com a concepção do romance mais ou menos estruturada, do início ao fim. Não acredito muito na besteira romântica e preguiçosa de deixar que história e os personagens ganhem vida própria e tomem a rédea da narrativa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
De novo, traçar metas, disciplina, e nulla dies sine linea. Mas também aceitar as próprias limitações, sem me desesperar com metas não cumpridas e tempo desperdiçado. Respirar fundo e recomeçar – a mesma tática, aprovada pela experiência dos séculos, de lutar contra todas as nossas imperfeições. A ansiedade de trabalhos longos existe, mas, ao menos para mim, não é jamais superada pela própria diversão de escrever cada página. Enfim, concentrar-se no instante e no prazer enorme que é criar um mundo, suas paisagens e personagens.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu releio e reviso cada linha infinitas vezes, ajustando vírgulas, cortando repetições, e trocando palavras de lugar para conseguir um ritmo melhor, ou para deixar os diálogos mais naturais. Mostro sempre para os amigos reais e, especialmente, os imaginários – as pessoas para quem o livro foi escrito e suas opiniões implacáveis.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Nada de muito anormal. Uso os recursos básicos e escrevo sempre no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias surgem de tudo, mesmo: a paisagem misteriosa de uma matéria de viagem na internet, mitos interessantes, conversas, vídeos de internet, fatos históricos obscuros… Não tenho hábitos conscientes para me manter criativo, nem sei se isso existe, mas estou sempre, automaticamente, desencadeando histórias de tudo o que vejo e acontece à minha volta – mesmo as coisas mais simples. Se eu consigo antecipar um voo pela gentileza de um funcionário da companhia aérea, imediatamente imagino a história em que isso acontece e que o avião do voo original cai, de modo que o personagem milagrosamente salvo voltará para agradecer o tal funcionário gentil, que, naturalmente, será um canalha abusivo, mas engraçado – e aí já é possível imaginar o terceiro pedido de dinheiro que o funcionário fará no mesmo mês, a tensão da situação crescendo entre a gratidão, o egoísmo, a culpa e a má-fé… Quantos romances extraordinários e interessantíssimos não poderiam ser escritos tendo por ponto de partida, sei lá, a notícia de jornal de um aviãozinho que sobrevoou o interior de Santa Catarina e avistou uma piscina isolada e estranha com azulejos de suásticas no fundo? Ou sobre parquinhos com brinquedos que se mexem sozinhos, ou os relatos de animais selvagens que escaparam de uma fazenda no interior de Ohio? Ou a partir de um vídeo que viralizou na internet, com a perseguição de moto entre a polícia e um bandido que parecia ser o melhor piloto já visto (no dia seguinte, o bandido – com inacreditáveis dezesseis anos – certamente seria recrutado para fazer parte de uma Força Secreta Especial, etc.). Ou a chave antiga encontrada no tapete cor de vinho do corredor de um hotel decadente. As ideias surgem, enfim, de tudo, e eu só queria ter mais tempo para transformá-las em boas histórias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que não mudou muita coisa, no processo. É claro que, com a experiência, você vai aperfeiçoando alguns pontos, organizando melhor as ideias e o próprio tempo, mas não consigo pensar em nada muito específico que diria a mim mesmo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho ao menos oito romances programados e mais ou menos estruturados, incluindo uma trilogia western passada no Brasil do século XIX, uma novela de horror, e um romance policial em Sant’Anna Afuera, a ilha fictícia do meu primeiro romance. Adoraria dedicar-me a eles, mas as notas que já tomei ainda não podem ser consideradas o efetivo começo dos projetos.
E são infinitos os livros que eu gostaria de ler e ainda não existem: a biografia do Bruno Tolentino, escrita pelo Pedro Sette-Câmara; novos romances do Alexandre Soares Silva, Diogo Rosas G. e Renato Moraes; um faroeste de 800 páginas escrito pelo Alberto Mussa; as histórias que Salinger supostamente teria escrito no isolamento, antes de morrer; uma coletânea de mais de 1.000 páginas de histórias de fantasmas, escritas por Nabokov, Evelyn Waugh, Flannery O’Connor, e Borges; um romance longo de M.R. James; o diário perdido de Nélson Rodrigues; uma continuação de “O Leopardo”, de Lampedusa; um livro de ensaios sobre cinema e música, do Martim Vasques da Cunha; livros novos de Rex Stout, Patrick O’Brian, e Wodehouse; e uma antologia da nova poesia brasileira, editada por Carlos Andreazza, com ensaios de Martim Vasques da Cunha, Érico Nogueira, Jessé de Almeida Primo, Pedro Sette-Câmara, e Rodrigo Gurgel, contendo os melhores poemas de – entre outros – Bernardo Souto, Igor Barbosa, Emmanuel Santiago, Wladimir Saldanha, João Filho, Wagner Shadeck, Lorena Miranda Cutlack, Adalberto Queiroz, Érico Nogueira, e Hugo Langone.