Rodolfo Melo é professor de matemática e pedagogo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Quando penso na minha rotina, lembro daquela música do Raul Seixas que diz: trabalho em cartório, mas sou escritor. Digo isso, porque ainda não vivo só de literatura. Acho que, assim como boa parte dos meus colegas escritores contemporâneos, tenho que conciliar a carreira literária com um emprego mais convencional. Então, meu dia começa por volta das 7:30 da manhã, cuido dos meus gatos e vou para o meu trabalho cumprir um expediente de 8 horas diárias. No caso, sou funcionário público.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não sei se é por influência dessa dupla jornada que mencionei na resposta anterior, mas quando se trata do meu trabalho literário, produzo mais período da noite. Inclusive quando estou de férias do outro trabalho.
Não tenho nenhum ritual específico de preparação para a escrita. Gosto de deixar fluir naturalmente. Acho que a única peculiaridade é que não gosto de levantar do computador sem terminar um texto. Mesmo que tenha que usar a madrugada para isso e trabalhar nele até o dia amanhecer. É como se eu me dedicasse integralmente para o nascimento daquele conto, sem distrações. Eu realmente me sinto parte da história e só consigo descansar quando coloco tudo no papel. Caso contrário, ela fica martelando na minha mente e eu não consigo me concentrar em outra coisa.
Ah… Algo que pode ser considerado como preparação para escrita é a trilha sonora. Gosto de colocar músicas que transmitem um sentimento parecido com o que predomina na história. O ritmo das canções dita o ritmo da narrativa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Me preocupo com a naturalidade do texto. Entendo que escrita é uma evolução e quanto mais eu pratico, melhor ela fica. Porém, tenho muito receio de “mecanizar” meus textos e cair numa certa mesmice. Acho que quando você se obriga a seguir uma determinada linha de produção, corre certo risco de se tornar repetitivo e perder a originalidade da escrita. Mesmo indo contra o que dizem em diversos desses cursos para escritores que estão espalhados pela internet, eu não gosto de me obrigar a escrever.
Resumindo, para manter o projeto do meu Instagram Literário, procuro publicar um conto por semana ou, no máximo, a cada quinze dias. Agora quando se trata da produção de um livro novo, dedico uns três dias na semana, mais ou menos, trabalhando em um único texto. E depois que o considero pronto, gosto de ficar uns dias de “folga” até começar uma nova história, pois geralmente são temas pesados e preciso de um tempinho para me recuperar.
Mas, evito me pressionar. Acho que o compromisso inerente às metas é algo que pode tirar um pouco o prazer da coisa. Quando traço uma meta, corro o risco de não atingi-la e isso vai me gerar uma frustração que acho desnecessária para o meu processo de criação. Quero deixar a literatura fora desse mundo de cobranças, compromissos e frustrações. Na verdade, a literatura é a minha rota de fuga para tudo isso.
É claro que falo assim pensando na produção de contos, que é o que mais gosto de escrever. Certamente quando se pensa em outro gênero literário, como o romance por exemplo, a rotina é diferente. Então, entendo que isso seja algo bem subjetivo para cada escritor.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tudo começa na observação. Busco representar situações que se aproximam do cotidiano do leitor, para que ele se identifique nas histórias ou identifique pessoas conhecidas por ele. Adoro quando alguém termina de ler um conto e fica com aquela pergunta na cabeça: será que isso aconteceu mesmo? E para isso preciso estar atento a tudo que acontece ao meu redor. Absolutamente tudo pode servir de inspiração para um texto. Então, normalmente vejo uma situação que renderia uma história ou uma pessoa que inspiraria uma personagem e anoto isso. Deixo ali guardado, maturando em minha mente… Depois é como se o próprio texto pedisse pra sair.
Alguns nascem mais rápido que os outros. Não existe uma ordem de chegada. Por exemplo, ainda tenho notas guardadas que escrevi há uns dois anos.
Escrevo sobre o dia-a-dia então não há uma pesquisa muito aprofundada. Acaba sendo um processo bem orgânico. Evito temas que distanciam o leitor da história. Meu foco é mais nas características do ser humano e por isso tento dar mais atenção aos personagens do que aos detalhes do enredo. Para isso, uso muito o bate-papo com as pessoas. Se vou escrever sobre um religioso, por exemplo, não me preocupo tanto em me aprofundar nos fundamentos de determinada religião, mas em conversar com pessoas religiosas e observá-las para conhecer pontos de vistas, comportamentos, ou qualquer coisa que me leve a um denominador comum que as caracterizem sem ter que usar os estereótipos já conhecidos.
Depois de conhecer a essência do personagem, aí surge a história.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Em relação aos bloqueios criativos, tento encarar com naturalidade. Acho que quanto mais me preocupar com isso, mais mergulho nessa espécie de areia movediça que vai me encher de insegurança e desespero.
Mas, quando isso acontece procuro fazer coisas leves, tipo assistir televisão, conversar com amigos, limpar a casa, brincar com meus gatos, tomar uma cerveja. E depois volto a escrever. Repito: quero que a escrita seja prazerosa. No dia que ela começar a causar mais sofrimentos do que prazer, acho que algo estará errado.
Quanto à procrastinação, o desafio é maior. O mundo moderno oferece muitas distrações e as redes sociais estão aí para nos manter presos ao celular o tempo todo. Uma forma que encontrei de driblar isso foi incluí-las ao meu trabalho. Meu perfil do Instagram, por exemplo, virou uma espécie de livro que nunca acaba. Então toda vez que entro nele, tenho vontade de publicar alguma coisa sobre literatura e isso me mantém ativo. Mas, é algo bem difícil mesmo. Eu diria que a procrastinação é a minha pior inimiga. É preciso ter certa disciplina para enfrentá-la.
Sobre expectativas, não me preocupo com isso. Quando escrevo, penso que estou contando uma história, como se estivesse conversando com alguém. E, quando estamos com nossos amigos, ninguém é obrigado a gostar das nossas histórias, porém, a gente conta assim mesmo, né? É assim que encaro meu trabalho na literatura. Eu conto a história e se o leitor vai gostar ou não cabe só a ele decidir.
O retorno dos leitores é importante, mas não é algo que interfere diretamente no meu trabalho.
Isso também serve para a ansiedade de trabalhar em projetos longos. Acho que a ansiedade só atrapalha e acredito que todo o livro tem seu próprio tempo. Se a gente forçar a barra pra terminar logo, acho que aquilo que tinha potencial para ser uma obra prima pode virar apenas uma obra comum.
O fato de ser um escritor independente me favorece um pouco nesse sentido, pois não tenho ninguém me cobrando prazos para cumprir. Eu posso seguir no meu tempo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A impressão é que um texto nunca fica pronto completamente. Se hoje eu pego um texto que escrevi há cinco anos, é capaz de ainda querer alterar alguma coisa nele. Então reviso três ou quatro vezes, no máximo. Uma focada na ortografia e as outras no enredo. Depois disso, procuro não alterar mais nada no texto.
Evito mostrar meus trabalhos para alguém antes de considerá-los prontos para publicação. Acho que a subjetividade de cada leitor faz a diferença em um texto e pode ser que uma pessoa ame um determinado conto que outra vai odiar. E se eu souber dessas reações durante a criação, isso pode influenciar nas minhas decisões, o que (na minha concepção) seria um equívoco como escritor. Portanto, tento fugir desse tipo de influência.
Porém, tenho algumas pessoas que consulto em casos específicos, como ortografia ou casos de verossimilhança. Por exemplo, quando escrevo algo sobre o universo feminino, gosto de mandar o texto para uma amiga que vai me dizer se ficou clichê, ofensivo ou algo do gênero. Dependendo do que ela me fala, posso alterar toda a estrutura do texto.
Como busco trabalhar temas atuais que se aproximam dos sentimentos do leitor, quero ter o cuidado de não reforçar algum estereótipo ou preconceito. Afinal, muitas vezes a realidade já é dura demais para que a arte venha para piorar as coisas. Entendo que tem que ser o contrário disso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Numa visão poética da coisa, eu desejaria trabalhar usando uma máquina de escrever, fumando um charuto e com um copo de uísque do lado. Algo bem Bukowski mesmo. Mas, na prática não é assim. A correria da vida não me dá esse luxo. Escrevo no computador e uso bastante o aplicativo de notas do celular para anotar as ideias que tenho durante o dia. Embora não tenha muita poesia nisso, acho excelente ter essa possibilidade. Além disso, meu trabalho está muito vinculado às redes sociais. Não seria conveniente negar a tecnologia por puro romantismo nostálgico.
Na verdade, tento aproveitar todos os recursos que me são oferecidos para aprimorar meu processo de escrita e enfrentar melhor essa dupla jornada tão comum aos escritores independentes de hoje em dia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias surgem das interações humanas. Gosto de estar atento a tudo que acontece ao meu redor. Se vou a um bar, observo o comportamento das pessoas que estão ali e tento estudar seus sentimentos. Nessas observações, as contradições são os aspectos que mais se destacam e isso é o que mais gosto de trabalhar nos meus textos: o contraditório humano.
Não existe um hábito específico para estimular minhas ideias, a não ser o de estar aberto para o mundo e manter contato com as pessoas, inclusive com aquelas que não me simpatizo muito. Acho que essa é a receita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A primeira coisa que me vem à mente é a objetividade.Percebo que com o tempo parei de encher linguiça e isso melhorou a fluidez dos meus textos. Entendo que houve uma evolução nesse sentido.
Não sei o que diria para mim, se pudesse voltar no tempo. Não costumo pensar nisso. Acho que tudo foi feito da melhor maneira que dava pra fazer naquele momento e, se hoje eu penso diferente, só é possível porque tudo aconteceu da forma que aconteceu.
Estou satisfeito com o escritor que sou hoje, então não sei se diria para mudar alguma coisa. Talvez, voltaria para falar algo do tipo:Ei, cara, relaxa. Isso aí que você escreveu tá bom! Mas, por favor, não use calça preta e meias brancas no lançamento do seu primeiro livro. Você não é o Michael Jackson.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
De modo geral, existe um projeto que tenho vontade de fazer que é distribuir meus livros gratuitamente para pessoas aleatórias que também vão distribuí-los para outras pessoas, formando uma espécie de rede literária. E criar uma plataforma para que esses leitores pudessem comentar tanto sobre as histórias que estão escritas, como também sobre a forma que o livro chegou até eles. Não é algo tão difícil de se colocar em prática e provavelmente faça algo parecido em breve.
Já na parte literária, tenho vontade de escrever algo relacionado ao folclore brasileiro. Existem algumas ideias em mente, mas nada muito concreto ainda. No momento, estou trabalhando no meu livro novo e, quando é assim, evito pensar em outros projetos sem que tenha concluído o atual.
Agora, sobre um livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe é uma pergunta difícil. Acho que seria alguma história do Dan Brown em que Robert Langdon fosse assassinado de uma forma bem cruel e angustiante. Porque tenho muita implicância com aquele personagem, principalmente depois que colocaram o Tom Hanks para interpretá-lo no cinema!