Roberto Bueno é professor da Universidade Federal de Uberlândia.
As respostas que seguem são balizadas por dias em que posso organizar o trabalho sem interferências outras além do compromisso acadêmico, seja ele realizado no escritório em casa ou no gabinete na Universidade.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho exatamente uma rotina para começar o dia. A rigor, como não tenho hábito de ingerir alimentos logo a seguir do despertar, normalmente, acordo e vou direto para o computador escrever e dar sequência ao roteiro de trabalho já previamente montado e em curso, anotado e bem visível na mesa de trabalho, algo que é sempre minha última tarefa noturna.
Considerando que o despertar tenha ocorrido cedo, o que posso qualificar como 7h30 ou 8h, a alimentação será à meia-manhã, quando também metade do trabalho terá decorrido. O período matutino é invariavelmente reservado para a escrita e, eventualmente, intercalada com leituras.
A escrita diária dificilmente implica em menos de 5 laudas e dificilmente supera 15, a 1,5 o espaço entrelinhas sob fonte Bell MT a 12 pontos, sendo estas páginas uma somatória dos diversos textos de que me ocupo, e muitíssimo raramente de um único tema, o que me custaria muito mais fazer. O horário de almoço após 4h ou 5h do despertar interrompe durante 1h os trabalhos, ou algo menos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Os trabalhos são desenvolvidos durante todo o dia, e não me sinto especialmente melhor em algum período, isto sim, sob três variáveis: a) o ambiente deve estar fresco, e se possível sob ar condicionado a aproximados 18 graus, pelo menos, mas esta é apenas uma preferência que ocasionalmente pode ser cumprida, em especial, quando trabalho no escritório de minha casa; b) preferência por ambiente escuro ou, no máximo, com iluminação indireta moderada; c) conforme o período do dia, algumas atividades são preferenciais, tal como a escrita no período matutino.
À tarde posso escrever, mas se absolutamente necessário, não sendo minha atividade preferida entre 13h e 17h30, aproximadamente, exceto se dispuser de temperaturas muito baixas no ambiente de trabalho. Por este motivo, por vezes utilizo este espaço de tempo para atividades burocráticas, de organização de materiais para o trabalho acadêmico, de livros, leituras de revistas e artigos vários, arquivos ou correção de textos, o que não classifico como atividade de escrita propriamente dita.
A atividade da escrita também tem preferência a partir do cair do dia, podendo se prolongar produtivamente até a madrugada, conforme a conveniência e disposição física. A rigor, antes do que um especial período do dia, o que mais me favorece à boa e rápida escrita são as 3h seguintes ao despertar, seja o horário que for o sono, e por breve que ele tenha sido.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A minha atividade de escrita é diária, e que isto não ocorra é fato absolutamente isolado e, a dizer verdade, até mesmo indesejável. Quando da realização de viagens, durante o trânsito, tenho por hábito imprimir textos para poder escrever, interpolando, realizando correções e acréscimos.
As metas são propostas especialmente quando tenho pela frente longas tarefas a cumprir. Neste caso avalio ser absolutamente necessário tal planejamento, e não necessariamente para a atividade de escrita de trabalhos mas também para a correção de textos demasiadamente extensos, e me refiro a livros.
Evidentemente, o trabalho com metas não supõe que ela seja absolutamente cumprida em todas as suas etapas diárias sem uma constante avaliação da qualidade dos resultados. Assim, podem ocorrer variações para mais e para menos, mas auxilia tremendamente na projeção da evolução do trabalho. Contudo, uma vez realizada a avaliação, sempre adoto a nova meta e a sigo com disciplina.
O estabelecimento da meta por vezes precisa ser revisto logo do início dos trabalhos, quer seja para aumentar a meta diária ou para diminuí-la, conforme a qualidade do trabalho se mostre abordável ou não nos termos do prazo indicado.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Dificilmente tomo notas, mas faço anotações nos livros, diretamente, ou nos artigos. O meu processo de trabalho ordinariamente envolve a retomada destes apontamentos feitos nos livros, e não de notas realizadas em separado, pois calculo dispor de mais tempo encaminhando o trabalho desta forma, tempo que, já em minha faixa etária, escoa de uma forma absurda.
A rigor, praticamente não começo um texto após o outro, mas sempre há textos iniciados enquanto finalizo outros, e nisto se incluem livros e artigos. Por vezes há textos que vão sendo escritos praticamente em paralelo. Deste modo, por exemplo, livros em que trabalharei até o prazo de 10 anos já estão definidos e, se viver até lá, por estar praticamente terminados, me tocará apenas voltar a reescrevê-los.
Neste ínterim, sem embargo, outros vão sendo iniciados, textos mais curtos e também livros, mais ou menos extensos. Assim, não enfrento o problema de dar início a um trabalho, pois sempre vou dando início a outros que serão colocados à mesa logo que os atuais vão sendo concluídos. A minha pergunta usual é outra: quais deles eu não terei tempo para finalizar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho problema com travas na escrita. Eventualmente enfrento o problema de estar mais interessado em algum momento por um determinado tema e ter de escrever sobre outro, por qualquer que seja o motivo, mas isto é razoável enfrentar, pois posso utilizar parte do tempo para o projeto que mais me interessa em dado momento, acaso prazos não me permitam arquivar temporariamente aquele que não me atrai em um momento específico. Igualmente, não tenho problemas com a procrastinação.
Quanto ao temor de não corresponder às expectativas minha resposta é razoável: trabalho o máximo possível. Além do que posso dar honestamente, não posso dar. Analiso que o limite do medo ou da vergonha é a falta de empenho para a realização do trabalho. Não me atinge a ansiedade de trabalhar em projetos longos, e enfrento a questão mediante planejamento firme através de cronograma de trabalhos diários.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não há uma regra fixa para a revisão dos textos antes de enviar para publicação. Posso dizer que um livro extenso eu tenho expectativa de não ter de revisar mais de 3 vezes, mesmo por motivo do grande investimento de tempo que me subtrai de outros projetos. Contudo, pode acontecer de ter de empregar mais tempo. O caso é que os meus processos de revisão não se resumem precisamente a isto, mas de reescrita. Ordinariamente, em meus processos de revisão/reescrita o material final obtido resta acrescido de aproximadamente 30%.
Já os textos curtos, artigos para revistas ou para periódicos, entre 5 ou 30 páginas, estes são normalmente revisados 2 ou 3 vezes a partir de um rascunho inicial com o que chamaria de esqueleto argumentativo, o que, por suposto, implica reescrita.
Os textos jornalísticos possuem um ritmo algo diferente. Normalmente eu os escrevo no final do dia ou início da madrugada, ao menos o seu rascunho ou quase a sua versão final. Em muitos casos as versões são corrigidas manualmente e posteriormente digitadas no arquivo final para envio à imprensa.
Quanto a compartilhar textos, é uma prática que muito me apraz, mas, infelizmente, muitos colegas sofrem com a falta de tempo pelo excesso de trabalho acadêmico. Deste modo, embora eu compartilhe, gostaria de fazê-lo com muito maior intensidade.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Raramente escrevo os primeiros rascunhos à mão, mas não raramente faço correções nos textos que imprimo para manuscrever acréscimos, seja por motivo de viagem ou, ainda, no ambiente urbano, mas distante de minha base de trabalho.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Leituras em minha biblioteca, artigos, eventos, portal capes (maltratado!), revistas semanais, jornais impressos (pois sou da antiga!) mas sem desprezar o acesso digital, museus e cinema, além de teatro. Noticiário de rádio e também música, acesso a rádios estrangeiras e links de jornais estrangeiros, bibliotecas estrangeiras, livrarias estrangeiras, etc.
Nesta breve listagem nada há de novidade relativamente ao trabalho de qualquer pesquisador, mas o que eu acrescentaria é a minha incapacidade de dedicar-me quase exclusivamente a um único projeto, senão a vários em paralelo, ainda que com a predominância de um deles.
Às leituras paralelas sobre diversos temas eu também atribuo contribuição para o processo criativo, mas também à minha formação acadêmica plural em Direito, Ciências Sociais e Psicologia, embora frequentando aulas e eventos da Filosofia e da Letras.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Realmente, mudanças ocorreram ao longo dos anos, pois é nítido o aumento da celeridade com que a escrita ocorre. O processo, em si, não mudou muito, pois não abandonei o método que reputo caótico. O avanço em celeridade, avalio que seja um processo natural em decorrência do aumento da leitura acumulada e do modesto incremento da capacidade analítica sobre o lido e o experienciado, ontem como hoje.
Quanto à tese há uma etapa para a qual nunca é demais ter atenção: um excelente projeto. O segundo conselho: seguir o cronograma à risca. Para esta segunda etapa se aplica a disciplina de criar uma rotina diária praticamente inabalável, ou apenas por motivo de doença implacável.
A mim mesmo aconselharia ter buscado aumentar a interlocução com outros especialistas na matéria. Creio que desequilibrei ligeiramente neste aspecto, focando na pesquisa bibliográfica e retirando em algo o papel importante que o diálogo com especialistas tem. Este tipo de contatos permite avançar em linhas que podem auxiliar de forma muito relevante. Tal processo de diálogo também é muito importante no momento da confecção do projeto.
Igualmente, talvez eu devesse ter focado mais os trabalhos desenvolvidos nas disciplinas para o objeto da tese, pois isto teria permitido ter concebido um texto mais bem acabado já em uma primeira versão. Estas são apenas algumas das observações.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Os projetos que pretendo desenvolver, a rigor, já estão escritos em suas 2 primeiras versões, todos eles, mesmo os livros mais extensos. Um deles é minha dissertação de mestrado em filosofia, o outro, uma não defendida, em Letras, mas também outros 5 livros.
O livro que gostaria de ler e ainda não existe… bem, não posso afirmar que não exista, mas eu não o conheço, e a distância de meu conhecimento a que não exista é realmente muito ampla. Tenho e já li livros e artigos sobre o conservadorismo revolucionário alemão, mas ainda sinto falta de um que se ocupe de sua filosofia política. De algum modo, entrelinhas, pretendi colaborar para isto no primeiro volume da minha tese, de próxima publicação.
Ah… um outro livro que não existe que gostaria de ler é um que estou escrevendo (interrompido no momento!): breve dicionário das palavras que não existem.