Rinaldo de Fernandes é escritor.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Consigo conduzir no cotidiano dois e até mais projetos literários. Em 2020, por exemplo, fiz a revisão e publiquei o meu recente livro de contos “A paixão mortal de Paulo” e concluí o meu novo romance, a sair. Além disso, em certas horas, trabalhei num livro de ensaios que estou organizando. Sempre que estou organizando alguma coletânea de ensaios ou de contos consigo trabalhar paralelamente um livro de ficção. A disciplina e o foco são questões fundamentais para a produção literária. Um escritor verdadeiro se dedica intensamente à tarefa de escrever, sempre.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Se for ficção, o planejamento não pode ser tão rigoroso. A escrita de um romance, por exemplo, parte de um plano geral, às vezes até de uma síntese, mas não raro a trama ganha um rumo diferente do programado. O romance se faz no tempo da escrita muito mais que no que foi arquitetado. E creio que em obra de ficção o mais difícil, além do trabalho exaustivo com a linguagem, tende a ser a conclusão, o desfecho da trama. Por outro lado, quando termino um romance fico com saudade dos personagens, de todo o ambiente narrativo.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Sigo, sim. Costumo escrever pela manhã. É o horário em que mais produzo. Quase não escrevo à tarde e à noite. O silêncio é fundamental, o ambiente arejado, o insulamento. Literatura se faz na serenidade.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
É sempre ruim quando o trabalho empaca, quando tudo trava e as ideias como que evaporam. Às vezes isto pode levar dias, meses e, mesmo, anos. Já levei 8 anos para concluir um conto que, em princípio, era fácil – mas que de repente refreou, não se resolveu mais. Um dia ele, do nada, veio, e o concluí. Mas os travamentos são normais, ocorrem mais do que se imagina no trabalho de um escritor. Aí é ter calma e forçar o raciocínio, fazer a cabeça pensar. O movimento da escrita literária se faz permanentemente de impulsos, de fluidez no processo, e de bloqueios, de entraves. O escritor vive constantemente essas duas realidades.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
O conto “A Morta” levou mais tempo para ser escrito – 8 anos. Tive muito prazer na escrita dos meus três romances, o “Rita no Pomar”, o “Romeu na Estrada” e o inédito “Não honrei o teu nome”. Tive um prazer especial na escrita dos contos “Duas margens”, “O cavalo” e “Beleza”, este último premiado nacionalmente. Mas, dito assim, pode parecer que produzir literatura é só prazer, regozijo, fluidez. Não: é também um trabalho sofrido, árduo. Nunca o texto sai pronto. É preciso aprimorá-lo exaustivamente, retocá-lo repetidas vezes.
Como você escolhe os títulos para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
O tema é sempre difícil. Recentemente, um leitor me chamou a atenção para algo que eu despercebia: meus títulos quase sempre estampam o nome do protagonista – “O perfume de Roberta”, “Rita no pomar”, “Romeu na estrada”, “A paixão mortal de Paulo”… Foi algum mecanismo inconsciente e não deliberado que me fez pôr tais títulos. Talvez a crença na força da personagem – primo pela construção de minhas personagens, quero para elas a potência máxima, que sejam vívidas. Daí os títulos cravarem os nomes delas.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Eu nunca passava meus textos para leitores prévios. Mas ao concluir o romance “Romeu na estrada” confiei a primeira leitura dele a três leitores amigos, três ficcionistas. Foram excelentes as sugestões deles – fizeram com que eu agregasse algumas cenas, aprimorasse aspectos importantes da narrativa. O romance que acabo de concluir, o “Não honrei o teu nome”, já enviei para quatro leitores, que estão me devolvendo suas impressões. Até aqui, as impressões foram muito positivas e não precisei fazer alterações. A depender do caso, é importante, sim, enviar o livro previamente para leitores gabaritados, responsáveis, que poderão lhe dar boas e proveitosas sugestões.
Você se lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Na adolescência, ao ler cronistas num jornal de minha cidade, comecei a escrever croniquetas, textos decalcados nos que eu lia. Eu tinha uns 17 anos. Creio que foi neste momento, embora sem saber o valor do que eu produzia, que comecei a acreditar que um dia poderia vir a ser um escritor. Mas foi na Faculdade de Letras, convivendo com colegas e professores que publicavam sempre, que passei a atuar e mesmo a afirmar uma identidade de escritor. Foi o período em que passei a escrever para suplementos literários importantes, a ter textos comentados por amigos. Momento de grande estímulo, de descobertas.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Três autores me influenciaram bastante no início de minha produção ficcional: Machado de Assis, Dalton Trevisan e Graciliano Ramos. De Dalton e Graciliano tomei de empréstimo o estilo sintético, enxuto, às vezes elíptico. Com eles aprendi que a prosa não precisa ser derramada, gordurosa. Com poucos passos se diz muito. Essa ideia de contenção, de frase coordenada, me ajudou bastante para afirmar o meu estilo mais comedido, refreado. De Machado tomei o universo dos personagens, a ambiguidade deles, a ironia com que o nosso grande mestre retrata a natureza interesseira do homem.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Para o jovem escritor, o São Bernardo, de Graciliano Ramos. Exemplo de narrativa estupenda e de prosa precisa, bem-acabada.