Ricardo Terto é escritor, redator e roteirista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho nenhuma atividade especial pela manhã em dias normais. Preciso tomar um café forte porque sou viciado em cafeína e tenho dores de cabeça se fico sem. Aos finais de semana não gosto de acordar tarde, fico ansioso em querer fazer algo útil, mas não tenho foco. Enrolo até me satisfazer de conhecimento inútil.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
São fases. Eu tive a fase de escrever de madrugada ou de manhã pelo celular. Meu primeiro livro, Marmitas Frias (Ed. Lamparina Luminosa / 2017) foi todo escrito pelo smartphone. Minha preparação é ficar obcecado sobre um assunto até atingir a angústia. Me preocupo em não ser interrompido. Geralmente ao menos a primeira versão das minhas crônicas e contos é escrita integralmente numa tacada só. Sou desmotivado. Se deixo pra depois eu me entedio. Mas estou praticando retomar, trabalhar a linguagem com dedos mais calmos. Independente de eu conseguir isso algum dia, ainda fico muito impaciente se alguém me interrompe ou tenta ler o que estou escrevendo durante o processo. Eu tento disfarçar e ser educado, mas falho miseravelmente.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos aleatórios concentrados. Já usei meta de um conto por semana. Eu sou aquele tipo de pessoa que não pode se dedicar só a escrita ou não produz nada. Preciso que a escrita dispute espaço na minha vida. Eu sempre trabalhei com coisas nada ligadas a isso, por exemplo vendedor em loja de roupas. Pois bem, eu tinha uma inquietação pela escrita muito maior. Agora que sou redator publicitário, é como o músico que trabalha vendendo instrumentos. Ou o tarado que vende pornografia. Algo assim. Mas as coisas do mundo ainda me causam grande curiosidade, eu escrevo muitos textos mentais que nunca passam para a tela. Não estou com dificuldade de criar, estou com dificuldade de executar a criação. Meu sonho é trabalhar com linguagens audiovisuais, um dos maiores estímulos para a minha escrita. Talvez trabalhar com o estímulo e não com a execução evite essa sabotagem de processo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Geralmente me surgem frases soltas sobre um tema. Escrevo em qualquer lugar para olhar para elas e deixo lá. Deixo a coisa virar uma ladainha. Então de repente eu descubro um dia sobre o que aquilo é.
Raríssimas vezes eu escrevi algo pela metade e retomei depois. O texto geralmente vira uma bala amassada no bolso que depois de quatro meses você descobre que estava lá, grudando no tecido. Eu olho e penso “uma pena, não sei agora o que fazer com isso”.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Pra mim escrita de ninguém é travada. Ou se tem o que escrever ou não se tem. Essa tal de escrita travada acontece quando está se forçando o resultado. É como querer assar uma pizza com o forno frio. Aliás, posso dizer que escrever é como fazer uma pizza. Bater a massa é esse processo criativo que vai acontecer lá dentro da gente. A trabalho de linguagem é o sabor da pizza. As referências podem ser a borda de catupiry. Enfim, todo esse trabalho só faz sentido se o forno está quente. Todo escritor sabe quando seu forno está quente.
Sobre a procrastinação e ansiedade, depende do texto. Conversar sobre a escrita pode ser bom, mas não diretamente. Por exemplo, se o meu texto é sobre domingos, eu puxo assunto sobre domingos e não sobre um texto que eu quero escrever sobre domingos. Conversar é sempre bom. A procrastinação é um tempo criativo, não devemos subestimá-lo, nem desprezá-lo. Eu não tenho ansiedade de trabalhar em projetos longos, tenho em trabalhar na urgência de projetos curtos. Eu sempre começo duvidando da minha capacidade, o que é um ótimo ponto de partida. Duvidar da capacidade é saudável em dois níveis: um dia você duvida se é tão bom, mas em outro duvida se é tão ruim. O ruim é ter certeza, qualquer que seja.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depende. Às vezes não reviso. Com o tempo o pizzaiolo sabe sem provar se a pizza dele ficou boa ou uma droga. Mas eu sempre mostro. A poeta Lilian Sais está me ajudando muito no meu próximo livro, Os Dias Antes de Nenhum. Tive que bater muito essa massa.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Direto no computador. Eu tenho caderninhos mas são mais pra rabiscar e fazer cara de conteúdo. Ajuda a manter as mãos ocupadas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm da curiosidade e de uma certa alegria. É estranho dizer isso, mas mesmo quando estou escrevendo a coisa mais pessimista possível eu sinto uma certa alegria. Acho que é um alegramento de conversa interior. Ou talvez seja como arrumar a bagunça do quarto. Existe uma familiaridade, uma cumplicidade entre você e o objeto que está produzindo. Deve ser isso, produzir um cúmplice causa alegramento.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou que agora eu me entendo a partir dos textos. Fico menos desnorteado.
Eu me diria a mim para não me preocupar se as pessoas irão entender ou não o que o texto quer provocar. O legal é a reação das pessoas ser imprevisível.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero fazer um projeto multimídia envolvendo redes sociais, chatbot, literatura e cinema. Coisa simples. Eu gostaria de ler um livro escrito inteiramente por uma inteligência artificial que tem sérias questões sobre sua própria identidade. Não tenho certeza se isso já não existe.