Ricardo Tagliaferro é escritor, autor de “O poeta e o guarda-chuva” (Letramento, 2018) e “Tangerina” (Qualis, no prelo).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo antes das seis para passear com meu pequeno monstrinho, o Bruce, e, depois de caminhar por pelo menos 5 km, vou para o computador checar e-mails e as tarefas do dia. Só tomo café da manhã depois das 9.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Entre o fim da noite e começo da madrugada, sem dúvidas. Moro em uma rua tranquila, então aproveito o silencio para deixar as ideias aflorarem. Antigamente escrevia com música, já que esta faz parte da minha vida o dia todo, mas hoje prefiro mesmo o silencio. Às vezes sou acompanhado por um vinho ou a boa e velha cerveja; nunca o café como outros diversos escritores. E não sou muito apegado a rituais. Escrevo quando sinto que preciso, sem nem me preparar para tal.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Nos dias de hoje não escrevo mais diariamente. Como tenho escrito apenas crônicas, acabo escrevendo quanto dá, e isso pode acontecer em um sábado de farra ou uma segunda cansativa. Também não tenho uma meta de escrita. Isso só acontece quando estou escrevendo algum romance. No caso de Tangerina, meu último romance escrito até agora, a meta era de 5 mil palavras por semana, o que eu separei em mil palavras por dia considerando de segunda a sexta.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
No caso dos romances, faço um roteiro definindo os conflitos, a importância das personagens e anexo algumas notas relevantes ao que virá a ser o rascunho final, depois parto para a escrita e faço as pesquisas paralelamente conforme a história vai tomando forma. É um processo confuso, mas já tentei fazer de outra maneira e falhei.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Hoje encaro o bloqueio criativo como parte do processo de criação. Creio que todo escritor tem um “branco” no meio do processo e precisa “descansar” do texto por um breve período para depois voltar com tudo. E, ah, procrastinação é uma característica nata de qualquer artista. Já com a questão de corresponder às expectativas, também já fui mais “paranoico”, mas atualmente entendo que em algum lugar no mundo haverá um publico que gostará do que eu escrevi, ainda que esse público seja de uma única pessoa. Costumo dizer que se fiz ao menos uma pessoa refletir com minha escrita, o projeto todo já valeu a pena. E sobre a ansiedade, também já não crio mais tanta expectativa. Trabalho para o melhor, espero pelo pior e aceito o que vier.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
As crônicas são postadas de forma totalmente crua. Não mostro a ninguém, pois como escrevo quase de madrugada, não tem ninguém acordado para ler. Já nos romances sou sempre acompanhado por pelo menos duas pessoas (na maioria das vezes com personalidades opostas e gostos totalmente diferentes) que leem os capítulos logo que escrevo para me ajudar no direcionamento da história. Quanto a revisão dos romances, varia de trabalho para trabalho. Tangerina passou por pelo menos quatro revisões minhas, sem contar as da editora.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
É quase uma relação de dependência. Em 2010 quando comecei a esboçar o primeiro projeto (que nunca foi lançado, ainda bem!), escrevia tudo no papel, mas quando engrenei de fato na escrita, dei inicio aos projetos direto no computador. Desconcertos, meu primeiro livro de contos, foi integralmente escrito no bloco de notas do smartphone e posteriormente editado no computador. Gosto da tecnologia pela segurança de não perder os dados por armazenar os arquivos na nuvem.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Geralmente as ideias vêm da observação do cotidiano. Vejo as coisas acontecendo e anoto o que me interessa, a partir dessas notas vou construindo histórias imaginarias na minha cabeça e depois vou as colocando no “papel”. Como não crio mundos, nem raças ou coisa do gênero e escrevo principalmente sobre os dramas reais, acho que as ideias fluem de forma natural e orgânica. O habito que sempre cultivo é o da observação, de ser ouvinte (principalmente dos transeuntes de praças, rodoviárias, locais públicos em geral) e de conversar com desconhecidos que se mostram receptivos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com toda certeza o que mais mudou no meu processo foi a forma de me expressar. Antigamente eu soltava as coisas ao mundo exatamente da forma em que apareciam na minha cabeça e isso soava um tanto quanto confuso na cabeça dos que não pensavam como eu. Hoje aprendi a falar na língua de quem me lê e buscar a reflexão na simplicidade. Se eu pudesse voltar atrás, diria a mim mesmo para pisar no freio, para mostrar ao mundo apenas o que eu gostaria de ler e não qualquer coisa que saísse da cabeça.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Acredito que todo projeto que começo é um livro que eu gostaria de ler e que ainda não foi escrito, então, de certa forma não consigo dizer especificamente o que eu gostaria de ler porque tudo que é diferente me encanta, e tudo que me encanta, acaba me instigando a procurar trazer para a realidade em forma de livro. E quanto ao projeto ainda não iniciado, tenho intenção de escrever um romance histórico ambientado na Revolução Constitucionalista de 32 e também na Revolução Farroupilha. Este último já tem um roteiro, mas carece de desenvolvimento. Também, tenho vontade de escrever algo tão genial como Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Marçal Aquino, e tão belo como O anjo e o resto de nós, de Letícia Wierzchowski.