Ricardo Seitenfus é doutor em Relações Internacionais pelo Institut de Hautes Études Internationales et du Développement, Genève (Suisse, 1980).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Raramente escrevo pela manhã. Utilizo esta parte do dia para atualizar correspondência, resolver problemas domésticos e assim liberar-me para a escrita. No início ou no meio da tarde estou pronto para o prazer, não desprovido de dor e suor, da escrita.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Há um aquecimento prévio que consiste na rápida releitura do trabalho já realizado e na recapitulação das ideias amadurecidas e ainda não transformadas em texto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não há meta diária para a escrita. Pode haver períodos relativamente longos sem uma palavra escrita. Como também podem ocorrer dias extremamente produtivos com várias páginas escritas, embora carentes de revisão formal. Isso depende de meu humor e da ausência ou não de preparação prévia. Quando estou mergulhado na tarefa o faço plenamente e somente interrompo a redação por estafa. Nestes momentos busco total isolamento.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Redijo parágrafos de forma bruta como se foram jatos d’água. Nestes são utilizadas as anotações que procuraram manter viva uma informação ou uma idéia. Logo a seguir, inicio o processo de lapidação do texto.
Podem existir anotações redigidas sob uma forma mais elaborada com o objetivo de utilizá-las na versão final do texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não nutro nenhuma preocupação com estes fantasmas. Como somente escrevo por prazer e porque convencido que tenho algo a dizer, o diálogo é feito exclusivamente com minha consciência.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Embora petrificado em seu conteúdo e por isso mesmo pronto para publicação, em sua forma um texto nunca é definitivo. Portanto, cada releitura aporta consigo retoques. Trata-se de um exercício infindável ao qual, em algum momento, é necessário colocar um termo. Há muitas formas de perfeição e após múltiplos ensaios, chega a decisão de eleger uma delas. Caso contrário corre-se o risco de ser um “escritor de manuscritos engavetados”.
Raras são as pessoas que têm acesso aos meus textos antes de sua publicação. Posso discutir aspectos pontuais de seu conteúdo mas evito socializar meu texto antes de sua publicação.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Progressivamente adaptei-me à tecnologia. Hoje meus rascunhos também são feitos no computador.
De onde vêm suas idéias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Houve época que escrevia textos curtos movido pela indignação. Agora não mais. Procuro sempre fazer com que meus textos sejam úteis aos estudiosos e para o público interessado. Por esta razão meus textos são claros, didáticos e vivos. Analiso as carências e procuro na medida de minhas possibilidades, supri-las. Portanto, creio que o que me move é a busca de responder a uma utilidade social e cultural.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Abandonei as longas introduções. Logo de início, mergulho no centro da problemática. A partir dele construo a narrativa. É, de certa maneira, a aplicação da técnica da pirâmide invertida.
Tampouco elaboro sobre “o estado da questão”. Este desempenha um papel invisível, parte integrante tanto de minha formação quanto da preparação que realizei para redigir a obra em curso. Ou seja, o meu texto não serve jamais de palco para demonstrar quão extenso é o meu rol de leituras.
Ao longo da exposição posso fazer referências, com extremo cuidado e comedimento, a outros autores. Contudo o farei somente quando eles aportaram algo original e esclarecedor à minha própria demonstração. Por esta razão, os autores convidados são escassos.
A propósito, a longa introdução que fiz para a minha tese de doutoramento nunca foi publicada.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Muito apreciaria poder escrever ficção, especialmente o roman noir. Quando bem elaborados, são fascinantes. Quem ao longo da vida escreveu exclusivamente textos acadêmicos, não deixa de sentir um pouco de inveja dos escritores que têm um só mestre: a imaginação.
Tive uma experiência inédita com a feitura de meu último livro. Trata-se de uma obra que mistura análise acadêmica com depoimento pessoal. Tive que encontrar um tom, uma escrita e um argumento capazes de tornar compatíveis dois mundos que se desconhecem mutuamente.