Ricardo Menna Barreto é doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade do Minho (Portugal) e professor universitário.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Normalmente não estabeleço rotinas. O início do meu dia é sempre diferente do anterior. Creio que o estabelecimento de rotinas acaba de algum modo a obstar o processo criativo. Por isso, o máximo de rotineiro, em minhas manhãs, está presente em meu horário de levantar, que pode estar condicionado ao horário de minhas aulas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Durante o dia, meu melhor horário para a escrita é à tarde. Porém, meu trabalho de escrita flui de fato entre 22h e 3h da manhã. Fora destes períodos, não há uma regra. Depende muito do dia e da inspiração. Meu ritual de preparação para a escrita, no plano intelectual, dá-se a partir de leituras e fichamentos prévios feitos diretamente no computador. No plano físico-biológico (ou espiritual, depende do olhar), meu ritual de preparação para a escrita se dá a partir de alguns exercícios respiratórios aprendidos em Yoga, ainda quando era adolescente.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo diariamente. Nem que sejam algumas poucas linhas ou parágrafos. Isso me permite, em momentos posteriores, reanálises do que escrevi e mesmo reescritas, ou seja, faz com que eu não perca o contato com o texto. Os períodos de maior concentração para a escrita ocorrem, como referi, no horário noturno. A noite, portanto, é sempre muito importante, ou mesmo sagrada, para mim. Metas de escrita aparecem para mim em momentos específicos (como na escrita da dissertação ou na tese, por exemplo). Porém, acredito firmemente que, fora de eventuais metas e prazos, o processo de escrita se torna mais poético e menos prosaico.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Comigo, os processos de escrita e de pesquisa ocorrem simultaneamente. Quando leio e pesquiso, realizo fichamentos sistematicamente e, por vezes, não raro, já começo a escrever. Contudo, somente começo a escrever depois de sistematizar as ideias por meio da elaboração de um sumário. Ademais, tenho muitos arquivos de fichas de leituras de áreas diversas, todos divididos por pastas e por assunto. Tenho fichas recentes e algumas que contam com mais de dez ou quinze anos. As elaboro completas, isto é, todas contam com referência e as páginas da obra, para facilitar o processo de citação e de estruturação dos meus textos. Não há, assim, grandes lapsos temporais entre a leitura, o fichamento e a escrita. São todas atividades conjugadas que otimizam o processo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas da escrita não chegam, propriamente, a me assustar. Isso porque percebi, desde muito cedo, que quando travava na escrita não deveria insistir – pelo menos não naquele momento. Foi uma forma de me respeitar, sobretudo. Se ao sentar eu percebo que a escrita não flui, procuro logo ler um livro, ou escutar música, tocar violão, caminhar, ou mesmo me descontrair brincando com as minhas cachorras. Insistir, no meu caso particularmente, é de certo modo comprometer o texto, pois sinto que não produzo algo sincero. Assim, no caso de eventuais travas, procuro dar uma pausa no texto e retomá-lo posteriormente, de preferência em breve. Por outro lado, entendo que o medo de não corresponder às expectativas sempre existe, é algo sempre presente, pois sempre escrevemos para alguém. E projetos longos não me deixam ansioso, por assim dizer. Os que me tocam os nervos são os projetos curtos, como aquele texto que nos solicitam de última hora, ou aquele prazo que esquecemos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso algumas vezes, mas não muitas. Quando percebo que aquilo que antes era uma revisão se tornou um preciosismo, logo ponho o texto de lado, ou mesmo o dou por concluído. E isso por um motivo óbvio: os textos nunca estarão prontos ou perfeitos. “Não concluímos, mas desistimos dos textos” – uma vez me disse um colega. E é verdade. Também não tenho pudor em mostrar um texto antes de publicá-lo, pois conto sempre com algumas pessoas muito próximas, sempre dispostas a ajudar, efetuando uma leitura e crítica prévias dos textos antes de eu enviá-los para publicação.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou um adepto e grande admirador da tecnologia. Infelizmente não consigo conceber a realização de fichas de leituras, por exemplo, à mão. Seria enfadonho e cansativo demais. Portanto, escrever à mão somente acontece, para mim, em circunstâncias bastante particulares. Meus textos são sempre escritos no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A primeira pergunta (de onde vêm suas ideias?) é um tanto metafísica. No entanto, se eu for buscar uma resposta para a pergunta seguinte, diria que os hábitos diários que mantenho para cultivar a criatividade é a leitura, a meditação e a música (seja escutando ou praticando). Inspiração, criatividade, são coisas que surgem apenas se eu estiver cultivando um modo de vida no qual não descuido de práticas bastante heterogêneas, mas que mantêm, para mim, algum tipo de ligação. Certos tipos de música, por exemplo, não me atrapalham na leitura e na escrita, mas me dão inspiração para escrever. Além disso, meditar ao som de certas músicas me ajuda no processo criativo. Existe, assim, certa circularidade nos hábitos que cultivo para fomentar o processo criativo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Muitas coisas mudaram e ainda mudam. Vejo-me em uma constante lapidação no processo de escrita. Durante a produção dos meus primeiros textos, por exemplo, percebia-me impaciente, com certa pressa para concluí-los. Hoje, enquanto escrevo, posso ler e reler meus textos em uma atitude de contemplação criativa. Ao reler alguns de meus primeiros textos também percebo como alguns eram áridos e prolixos. Hoje acredito que se pode demonstrar erudição escrevendo de modo simples. Bom, o fato é que reconhecer o meu inacabamento em alguns campos da vida fez com que eu não me acomodasse em nenhum deles. O processo de escrita da tese, hoje, já está em fase adiantada. E sei que, como outros tantos textos que já escrevi, ela poderá melhorar. Mas, por questões de prazo, naturalmente, logo a concluirei e a entregarei depois de algumas revisões. De todo modo, há a certeza que daqui a alguns anos, ao me deparar com o texto que hoje escrevo, encontrarei algo que poderia ser diferente. Isso porque, como disse Murilo Mendes, “O juízo final / Começa em mim / Nos lindes da / Minha palavra”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não saberia, pelo menos não agora, indicar projetos que gostaria de fazer, mas não comecei. Existem, porém, alguns projetos já iniciados e não continuados. Por exemplo, um livro de ficção, na linha de Philip K. Dick, que iniciei há alguns anos. Nele, volto à famosa questão dickeana: o que é a realidade? Reflito esta questão a partir de um encontro operado de modo bastante insólito, entre um jovem rapaz e seu avô falecido. Sei que, no tempo certo, retomarei este e outros projetos, hoje parados, e os concluirei; mas, certamente, ainda não é a hora. Aliás, um livro que gostaria de ler e ainda não existe é justamente esse…