Ricardo Goldenberg é psicólogo, autor de Psicologia e Psicanálise.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou psicanalista e noctívago, portanto em geral o dia começa numa correria e sem café-da-manhã, para chegar no consultório a tempo de atender os pacientes das nove e meia ou dez.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Um texto vira um fetiche até estar terminado. Depois de findo preciso me livrar dele para dar lugar a outro. Mas enquanto não acontece, não penso em outra coisa. É como uma obsessão. Enquanto dura a entrega é absoluta.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Ambos. Não.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Primeiro leio toda a bibliografia que há sobre o assunto em pauta e toda a que vou descobrindo que preciso ao longo das leituras. Leio também tudo que cai na minha mão por acaso. Gasto uma fortuna em livros e em papel e cartuchos de impressora. Grifo tudo que leio e merece ser lembrado. Pode ser uma matéria de jornal, um gibi ou o tratado de Brunelleschi. Tenho uma relação de hainamoration com os livros, como teria dito Lacan. Amodeio meu livros, digamos. Com maior ou menor violência, encho as quatro margens de notas e comentários. É como tomar posse dos livros. Como delimitar território. Ficam marcados para sempre. Minha biblioteca não tem livros virgens. (Nada me irrita mais do que livros sublinhados por outros. Meu único problema com livros usados.)
Depois, preencho cadernos e mais cadernos (sim, com caneta tinteiro, lápis ou canetas bic) de capas bonitas e diferentes – adoro cadernos: na época da escola os odiava porque devia tê-los e ser “ prolijo” com eles (atenção, brasileiros: isso não quer dizer prolixo, quer dizer que devia fazer boa letra – a minha é horrorosa – e manter ele limpo de manchas e forrado de azul ou verde com papel-araña). Agora que não é obrigatório, adoro iniciar um caderno virgem e preencher ele com toda classe de coisas -, preencho cadernos, então, com todas as notas que escrevi nos livros e copio ou xeroco as citações e colo neles. Só depois disso começo a escrever e em geral a escrita não passa da transcrição com estilo das notas dos meus cadernos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho nada disso. Quando canso ou não me ocorre nada vou fazer qualquer outra coisa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Releio os textos mil vezes e sempre mudo algo. Até ficar completamente saturado. Depois, preciso deixar de molho dez ou quinze dias. Se estiver satisfeito com o que leio, mando ao editor. Assim que mandar, de praxe, me arrependo e quero trazer de volta. Mas como é tarde demais, posso relaxar, virar-lhe as costas e passar para o próximo.
Mostro a alguns seletos amigos que são meus interlocutores. E, dependendo do que esteja escrevendo, à mulher com quem tenho uma relação amorosa. Sempre foram minhas melhores leitoras. São impiedosas, como eu.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Há dois tipos de escritos, os que me foram encomendados e os que eu quis escrever. Estes últimos, obviamente, me assaltam sem me pedir licença. Preciso escrevê-los porque me tomaram de refém: “ou você me escreve ou nunca mais poderá fazer outra coisa a não ser pensar em mim”. Os de encomenda precisam se transformar, primeiro, em textos queridos. Senão não posso fazê-los.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Não faço outra coisa. Escrevo o mesmo texto de mil modos há mais de trinta anos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de fazer um filme ou participar de um como ator. Vivo pensando que outros finais ou desfechos os livros que leio, os filmes que vi ou as peças de teatro que assisti poderiam ter. Algumas vezes penso que poderia escrever um livro com todos os finais mudados de filmes como Casablanca, Blade Runner, La vénus à la fourrure, A plein soleil…