Reynaldo Damazio é escritor e editor, autor de Com os dentes na esquina.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não gosto de rotina, especialmente relacionada com escrita ou leitura. O começo de dia ideal é quando não tenho nada pra fazer e posso enrolar um bocado até sair da cama, tipo planejando idilicamente o que não fazer. Café da manhã é minha refeição favorita, se possível numa padaria.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Creio que rituais, de qualquer tipo, são prejudiciais à saúde, física e mental. Quando um ritual se impõe e dita o ritmo do cotidiano, estamos muito próximos da escravidão. Cativeiro simbólico, ou mítico, terrível em qualquer caso. Minha preparação pra escrita são as leituras, caminhadas, viagens, a revolta, o amor, as conversas com amigos e amigas, a presença dos meus filhos, uma cerveja bem gelada, o estado de tesão permanente, novamente e sempre as leituras. Escrita é uma utopia que às vezes nos salva.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Se não for por encomenda, quando defino prazos e métodos de acordo com a demanda e a natureza do trabalho, escrevo sempre desordenadamente, numa espécie de caos organizado. Não acredito em metas, mas em projetos. Estou sempre metido em vários projetos, pessoais ou coletivos, abandonando uns pelo caminho e criando outros tantos todos os dias.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Ler, anotar, ler, andar, ler, anotar, esquecer tudo, perder notas, ler, juntar notas, reescrever notas, ler, reler, viajar, beber, ouvir música, abraçar uma pessoa querida, ganhar um sorriso, revoltar-me, comover-me, relacionar coisas sem qualquer relação aparente etc. Não exatamente nessa ordem. Nunca sei quando alguma dessas experiências, notas, leituras, caminhadas, traduções, vão se transformar num poema, ou numa prosa. Mas acontece.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não lido e não penso em nada disso quando escrevo ou não escrevo. Se não tenho o que dizer, fico quieto, faço outras coisas. A poesia, quase sempre, está no silêncio. Não ler me preocupa mais do que não escrever. Além disso, o bloqueio criativo pode fazer bem pra humanidade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Inúmeras vezes, mas acredito que mais urgente que a revisão é decidir se o texto se sustenta, ou se justifica. Isto é, se merece escapar da lixeira. Costumo mostrar os textos antes de publicar, mas com muito cuidado pra não chatear os outros. A possibilidade de ser chato me incomoda.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo em qualquer suporte. Ultimamente tenho usado o bloco de notas do celular pra escrever caminhando. Coleciono cadernos e lapiseiras 2.0, mas não quero dizer que possa considerá-los instrumentos de trabalho, ou que sejam imprescindíveis na criação: são fetiches muito úteis, só. Acho que o escritor está sempre rascunhando e ocorre de o rascunho ser publicado, como se fosse outra coisa, ou estivesse pronto. Na real, tudo é rascunho.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sinceramente, não sei se sou criativo, nem se o que escrevo é literatura. Como não consigo me livrar dos meus pensamentos e do que sinto, vou experimentando com eles certas formas de expressão. Posso dizer que tenho obsessão por literatura, livros, leitura. Talvez arrisque dizer que a leitura é um hábito vital.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudo constantemente, novas questões aparecem, outros incômodos, leituras, encontros, caminhos. Literatura se faz ao caminhar, ao escrever, e nunca passamos pela mesma palavra ou poema duas vezes. Se não mudar, estou morto. Teses me causam suspeita, prefiro não fazer.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Acho que estou tocando uns cinco projetos no momento, mas tem uma coleção de traduções que ainda quero editar. Gostaria de ler um livro novo de Alejandra Pizarnik, um romance inédito de Raduan Nassar, as traduções de poesia ameríndia que Haroldo de Campos planejava realizar.