Renata Rothstein é mãe, bailarina clássica, professora de Educação Física e escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Olha, eu nem sei dizer se o meu dia começa, ou se a noite continua rs. É que eu sempre, sempre dormi muito tarde, lá pelas 3 ou 4 horas da manhã, e sempre acordei cedo, desde criança. É uma rotina. Louca, mas uma rotina.
Acho que sou mesmo ligada no 220. Mas quando levanto pela manhã a primeira coisa que faço é ver se meus filhos estão bem (tenho um casal de pré-adolescentes, a Ana e o Bernardo), se meus cachorros estão sob controle (tenho oito, são meus bebês, também), e depois então preciso de meia hora em silêncio – eu e meu café. Muito café, basicamente.
Depois disso preciso correr, arrumar as crianças para o colégio, cuidar do quintal, regar as plantas.
É tudo muito corrido, de verdade, mas estranhamente eu consigo manter um silêncio interior, mesmo quando aparentemente estou com os pés aqui nessa terra tão louca e maravilhosa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sem dúvida, a madrugada é o melhor horário para escrever, geralmente é quando sinto maior inspiração e mesmo vontade de rascunhar minhas coisas (gosto de dizer que “escrevo coisas”). Mas qualquer horário pode me surpreender com um insight, uma lembrança, uma epifania que me obriga a escrever, seja num pedaço de papel, no celular, no computador – muitas vezes é algo quase sobrenatural. Inesperado, mesmo.
Ritual, propriamente, não tenho. Aprecio muito a companhia da minha solidão, não fujo dela. Minhas melhores idéias vieram da sua visita, muito aguardada. Falo da solidão verdadeira, aquela que expõe o meu melhor e o pior, a luz e a sombra, quando posso me despir dos papeis e ser apenas e tão somente eu.
Sou bailarina e assim como na dança, a escrita surge quando quer, algo maior que eu, sendo parte de mim, torna-se inspiração e toma forma, simplesmente.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias, com certeza. Às vezes uma situação corriqueira desperta um sentimento e já vou lá, escrever sobre aquilo. Outras, é uma tristeza ou saudade, uma esperança ou alegria – e preciso desabafar. Escrevo. Claro que não são, necessariamente, textos escritos com intenção de que outras pessoas leiam, mas sim, escrevo todos os dias.
Sempre fui muito dispersa, então desde o ano passado (2018), resolvi focar, ser mais realista e ter objetivos. A meta não é especificamente sobre quantidade, e sim qualidade. Isso consiste em escrever e pedir que um leitor beta avalie meus textos, por exemplo.
Tenho amigas escritoras maravilhosas (todas do projeto As Contistas), e conto com os comentários sinceros. Ah sim, aceito puxões de orelha com prazer.
Isso tem ajudado bastante. Outro aspecto que tenho levado mais a sério é sobre o conhecimento da Língua Portuguesa, então vou tentando aprender mais, enquanto exercito a escrita.
O plano é evoluir.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Hoje escrevo principalmente contos, então o processo é rápido, da ideia ao texto. Quando estou inspirada o conto nasce rápido. Depois vem o processo de amadurecimento, de ler, reler e ver se faz sentido aquilo que escrevi – ou se não faz sentido algum, o que no meu caso pode significar que gostei do que escrevi. Não sou convencional, normalmente escrevo em stream of consciousness.
Sobre pesquisas, estou fazendo algumas (acho que posso chamá-las de pesquisa de campo), para um projeto de um livro. Não sei ainda se um romance, ou um livro de contos, mas será a sequência de alguns contos bem dramáticos que já escrevi, com personagens que já possuem vidas próprias.
Esse é um projeto que vai acontecer em 2019.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A procrastinação me incomoda bastante, porque geralmente envolve uma ideia que já está em formação, falta “só” sentar e escrever, mas não…vem a bendita da procrastinação e de repente atrasa tudo. E pior, tenho a noção exata de como é errado deixar isso acontecer.
O jeito é relaxar, deixar fluir até que tudo volte ao normal. E sempre volta.
Já o medo de não corresponder às expectativas tem que ser trabalhado todos os dias. Quando começamos a escrever e recebemos elogios vem a ingenuidade dizendo que somos bons, parabéns e tal, mas num segundo momento, surgem as críticas.
É aí que começa o processo de amadurecimento. Primeiramente, de saber aceitar as críticas. Depois, saber filtrar as que são importantes e úteis, guardá-las como preciosidade. Eu aceito e preciso sempre desse termômetro real do que escrevo, vindo de pessoas generosas, boas no que são e no que fazem – e descartar as que não fazem sentido.
Exemplo: críticas feitas supostamente a um texto, mas através do qual o crítico tenta te enquadrar, fazer um raio X da sua personalidade, sem ao menos te conhecer. Entende? A crítica deixou de ser ao que você escreveu e é uma tentativa de te rotular. Descarto.
Sobre projetos longos, não sinto ansiedade. Sinto é uma imensa vontade de (quem sabe?!), ser lida ou lembrada daqui a 50 anos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Antes eu tinha o péssimo hábito de ler apenas uma vez e publicar. Não que tivesse a presunção de considerar “pronto”, mas eu era mesmo de dar a cara à tapa, sentir logo qual era o efeito do que escrevi.
Participando de projetos, desafios literários e com aquele foco que mencionei anteriormente é que comecei a tratar com mais calma e carinho meus escritos. Tenho muito material na gaveta (na verdade salvos no computador), esperando por uma releitura.
Leio sempre para a minha mãe, pergunto o que achou, se gostou, se está fazendo sentido, e ela é muito honesta. Já deixei de publicar textos porque ela disse que ainda faltava algo.
Escrevo também contos infantis (sim!), então mostro para os meus filhos, que são meus maiores fãs, mas também estão naquela idade que não querem “pagar mico”, são sinceros demais rs.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador, a não ser quando estou fora de casa ou em fila de supermercado, ou no banco, a vontade de escrever surge nos momentos mais improváveis, por isso ando com um caderno para anotações.
Mas mesmo antes de ter computador ou smartphone eu já preferia usar a máquina de escrever.
Ah, a relação com a tecnologia não é das melhores, sei o básico do básico, mas vamos vivendo rs.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm de tudo, de toda parte, são ideias até demais. Minha mente é inquieta, consigo captar mil sensações e acontecimentos ao mesmo tempo, daí vem a minha agitação.
Acho que por isso eu gosto tanto da madrugada, é quando geralmente consigo silenciar e entrar em conexão, sentar e escrever com mais tranquilidade.
Não tenho uma dica para manter a criatividade, nem acredito muito em dicas, para ser sincera, mas o contato com a natureza, um banho de mar, fazer trilhas, que eu amo, estar com crianças e animais, tudo isso faz bem à alma, e traz vontade de ser, de viver.
Acho que é bem por aí, mesmo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sem dúvida, a autocrítica aumentou muito, muito. Não é que antes eu tivesse a ilusão de que sou genial, ou coisa do gênero, mas era inocente, estava apenas exercendo a criatividade em uma de suas formas.
O que eu diria à Renata de vinte anos atrás? “Olha, garota, guarda isso tudo que você está escrevendo. Guarde, um dia você pode reler, revisar, reestruturar, não escreva e queime tudo não. Organize-se. Pense a longo prazo, não queira tudo para ontem, não” (okay, eu dou esse conselho para a Renata de hoje também rs).
Meu primeiro texto escrevi quando tinha 5 anos e na época todos ficaram preocupados: era sobre uma menina que ficava órfã e ia viver com a avó, mas a avó ficava doente e morria. A menina terminava no orfanato, crescia e tornava-se uma mulher poderosa, meio mafiosa, ia atrás dos culpados pelas mortes dos pais.
É mais ou menos isso, terminava assim. Nem preciso dizer que pais, avós e todo mundo começou a suspeitar do que estaria por trás daquelas linhas. Mas o fato é que eu mesma não descobri, ainda.
Lembrei disso agora, minha mãe tem ainda a folha de papel com a historia.
Lembranças…
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto do meu livro infantil. Ele já existe na minha cabeça, estou programando seu surgimento sem pressa, mas sempre.
Na verdade, se parar para pensar eu tenho vários projetos – desde a área de Dança em colégios da rede pública, um projeto que existiu e por ‘n’ razões ficou engavetado, mas que está sendo colocado novamente em prática, esse ano. E o projeto do meu livro, aquele, que não sei se será um romance, ou uma coletânea de contos, ou crônicas, ou até mesmo quem sabe, uma “autobiografia não autorizada” (como gosto de brincar rs).
Certamente o livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe é o livro com a minha história, terminando bem – porque terminando no fim.