Renata Frade é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Um ritual sagrado é ler poesia tomando café bem forte. Busco, sobretudo em sites e perfis de mídias sociais confiáveis literários e culturais, nacionais e internacionais, inspirações literárias não só para escrever mas para viver, para ser, para transcender. Estou em uma fase haikai, ultimamente. A arte e a beleza injetam ânimo. Recorro, também, ao meu acervo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação paraa escrita?
Adoro escrever à noite, nunca pela manhã. Apesar de saber o quanto é necessário nos forçarmos a ter uma rotina de escrita, eu ainda não consegui estabelecer um horário fixo para escrever por conta das outras atividades profissionais a que me dedico. Como escrever é uma atividade muito subjetiva e individual, ainda acho que demanda inspiração e um processo deelaboração interno de questões e formas do que pretendo abordar antes de sentar. É preciso ter esmero na escolha das palavras, no ritmo, na verdade que elas traduzem, em primeiro lugar, para mim mesma. Acho que daí se estabelecem as conexões com outras pessoas. Preciso me isolar, fecho portas e escrevo até sentir um esvaziamento interno. É comum eu ser tomada por euforia antes de começar a escrever, o que é um perigo, justamente porque passei dias, semanas, em alguns casos anos, elaborando cenas, construindo personagens, ou refletindo sobre que temas são necessários para mim naquele momento. É uma agonia e uma delícia. Escrever bem é muito complexo. Leio em voz alta assim que termino de escrever a produção do dia. Dependendo do conteúdo, ouço música.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como mencionei anteriormente, não consegui estabelecer uma rotina diária de escrita pelo misto de cumprir obrigações profissionais e acreditar que produzir literatura é uma arte e, como tal (apesar de todas as técnicas e teorias do romance e da escrita existentes em livros e cursos) não deve ser seguida como uma forma de bolo. Acho estranho e admiro quem se dedica a campeonatos de escrita, mas eu pretendo escrever sobre temas distintos, em formas também diferentes. Comecei por contos, eu os escrevia meio que escondido de mim mesma tamanho o senso crítico, depois participei de cursos literários e, de dois anos para cá, tenho escrito também poesias, ou prosas poéticas. Tenho um compromisso comigo mesma de finalizar os projetos que iniciei literários, o que é angustiante porque no meio do processo surgem inspirações para outras coisas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes,é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como minha formação acadêmica é em Jornalismo e Letras, sempre fui obrigada a ler muita não-ficção e ficção e escrever sobre tudo. Eu reservo à pesquisa um tempo pequeno, porque acredito que minhas temáticas são mais femininas, feministas, existencialistas, cotidianas, no momento. Isto não me impediu, por exemplo, de lançar um conto chamado Pontes, na Amazon, que se passa no Brasil e em Portugal. Fiz pesquisa para este texto. Estruturo o que pretendo escrever, no caso de contos, em uma arquitetura, um esqueleto de como da sequência das cenas, entrada e saída de personagens. Muitas vezes o fim da história primeiro aparece, o que é sempre bom porque nos ajuda a não nos perdermos,norteia.
Ando com bloco e caneta sempre na bolsa, já precisei me levantar várias vezes dormindo para anotar inspirações. Já interrompi almoços e jantares fora de casa para anotar diálogos que somos muitas vezes obrigados a ouvir. Sinto que sou muito contemplativa. O que mais me inspira é sentir o vento nas árvores, ou o movimento da água nos rios e mares, a natureza me concentra no que é essencial.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedadede trabalhar em projetos longos?
Escrever é provavelmente a atividade profissional a que mais me dediquei antes de partir para a literatura. Fui repórter de grandes jornais e resenhista de literatura em um deles. Depois, editei e fui produtora de conteúdo de jornais, revistas, sites, blogs, newsletters corporativos e educacionais. Como há 17 anos trabalho também para mercado editorial, conheci alguns dos escritores brasileiros e estrangeiros a quem mais admiro. Isto me deu uma angústia e timidez enormes, somados à auto-crítica. Infelizmente, como muitas pessoas preferem limitar as outras em rótulos e funções, sofri também resistência por uma minoria que desacreditou em meu potencial como contadora de histórias. Acredito que somos múltiplos e podemos ser quem quisermos, há espaço para todo mundo. Não sinto medo de corresponder às expectativas de alguém porque o que colocopara fora na escrita sou eu, com erros e acertos, defeitos e qualidades e está em evolução. Contudo, sou muito criativa, animada e adoro trabalhar em projetos, costumo abraçar tudo que aparece e com que me identifico. Estou escrevendo, no meu tempo, dois romances, são projetos longos, um deles tem 6 anos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sei dizer quantas vezes porque são muitas. Cacoete de quando trabalhei em jornais, mas também do rigor que aprendi com alguns mestres na faculdade e no mestrado. Sempre mostro meus trabalhos para outras pessoas, normalmente acho que não estão bons. Escrever é expor ao mundo sua vulnerabilidade, sua vontade de ser, de se tornar, de ver o real e o invisível, seu processo de como isto está se dando, e do que fez da sua vida. Então, a opinião de outros, sobretudo críticas, enriquece meu texto e a mim mesma.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ouno computador?
Há um híbrido neste processo. Ando com blocos nas bolsas, anoto em folhas ideias para perfis de personagens, cenas, mas só consigo escrever em computador, até porque crio a tal arquitetura do texto, preciso separar e ter bem organizadas as ideias e conteúdos sobre personagens, cenários, cenas, detalhes. A tecnologia facilitou a organização dos conteúdos,mas ainda sou analógica no processo de criação.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Creio que falei um pouco deles acima. Minha profissão demanda criatividade para ser competitiva. Desde criança escrevia muito, sempre fui muito curiosa e me encanto com tantas pequenas e enormes coisas. As pessoas, em geral, fascinam-me. Sou capaz de perder horas observando pessoas andarem em uma estação de trem, ou de ficar com os olhos sem piscar enquanto falam comigo (é horrível, eu sei). Procuro estar perto de arte, mesmo no computador. Artes plásticas, cinema, música me emocionam demais. Creio que consigo canalizar a criatividade quando me esvazio de tanta coisa que me inspirou, trago, desejo. O vazio no pensamento dá foco e gás.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tive excelentes mestres, como Marcelino Freire e Adriana Lunardi, e com eles aprendi a cortar vícios de linguagem, a entender que literatura não é literal, é visceral, algo que transcende quem somos, mas é nosso espelho ao mesmo tempo. Exige compromisso conosco e com as palavras, elas ficarão, nós não. É uma constante insatisfação, porque o que escrevemos sempre pode ser melhorado.
Diria a mim mesma que deveria ouvir mais a mim mesma, minha voz narrativa ou criativa, e menos fórmulas lidas em guias sobre literatura. A autopublicação me ajudou bastante, acho comovente ver pessoas que se encontraram como indivíduos aose conectarem com outras pessoas no mundo inteiro através de um conteúdo. Não entro no mérito e apreciação crítica do que é escrito, eu acho um erro hoje julgar uma boa ou má literatura para os outros. Há a literatura que satisfaz e torna uma pessoa maisfeliz. Evoluí para perseguir um tipo de literatura que me encanta, representa a excelência para o meu padrão estético. As minhas escolhas de leitura refletem estes parâmetros. Existem textos e livros excelentes e ruins comerciais e de “alta literatura”. O que eu diria para mim de ontem, hoje e amanhã é ser fiel ao meu compromisso de escrever cada vez melhor, dentro de uma identidade minha literária. Buscar esta voz única e burilá-la.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Segredo! Surpresa!