Renata Corrêa é escritora e roteirista, autora do livro de contos Vaca e Outras Moças de Família.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu não consigo ter uma rotina específica, até gostaria de ter, a cada dia faço uma coisa diferente! As únicas coisas são: casa organizada e me vestir decentemente. Adoraria conseguir escrever de pijama, mas me aflige muito.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã. É desesperador para mim ter que escrever à noite, ou virar a noite escrevendo. Como também sou roteirista, a profissão exige muitas horas de escrita, prefiro sempre começar de manhã, que é quando eu rendo mais. Passo um café, e escrevo na mesa da varanda, geralmente. Eventualmente vou num café vazio perto de casa quando a casa está inviável. Não consigo trabalhar com a casa em desordem, ou com “roupas de ficar em casa”. Preciso que a louça esteja lavada, e me colocar fisicamente em ordem para escrever. Outra coisa que gostaria de destacar é que a exaustão física é importante para solucionar textos difíceis. Algum tempo de corrida ou caminhada resolvem muitas coisas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias, sem exceção, mas não tenho meta diária. Às vezes são longas jornadas concentradas, às vezes pequenas notas, desorganizadas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo é muito caótico. Tenho insights sobre um tema, estou lendo um livro e um trecho me leva para um lugar aparentemente não relacionado ou obsessão aleatória. Mas nunca é aleatório, na verdade. Uma vez escrevendo um roteiro de terror fiquei estranhamente obcecada pela ginasta russa Nadia Comaneci. Parava de escrever para ver vídeos dela, e coloquei na conta de uma procrastinação louca, mas alguns dias depois uma personagem adolescente que estava super mal construída e com a qual eu me debatia há semanas se resolveu quando eu pensei no perfeccionismo e precocidade da Nadia e dei essas características para a personagem; de alguma maneira sinto que tudo que me interessa no momento da escrita está me orientando para o texto. Então notas antigas, filmes, textos, conversas se tornam uma teia caótica que eu vou limpando para construir o discurso ficcional ou autoral que me interessa. São pistas que eu colho, o texto é a solução do caso.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu sou muito ansiosa. Tenho dificuldade até de revisar, pois o texto escrito para mim é um problema resolvido, e como vício de profissão no roteiro, “entregar” o material é importante. Tenho que me policiar para não enviar primeiros tratamentos, é aflitivo demais. Sobre travas, eu sinto que quando estou travada é por que não encontrei ainda um problema que me sensibilize ou me mobilize a ponto da escrita ser necessária. Talvez seja algo muito duro comigo mesma, mas talvez eu apenas trave quando não tenho nada a dizer. Sobre o medo de não atender às expectativas, duvido que alguém seja mais malvado comigo do que eu mesma.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho um círculo de confiança que lê meus textos antes, pois a ansiedade me consome depois que eu escrevo, preciso de um freio externo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Nunca escrevo à mão. Queria ter esse fetiche pelo papel, mas escrevo bastante no celular e no Google Docs.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Leio muito e pratico a exaustão física. Quem escreve muito tem que mexer o corpo, senão a cabeça fica pesada, enrolada, inútil.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu abriria mão de agradar outras pessoas além de mim. E me aconselharia a ter menos respeito pelo processo. Menos solenidade. Escrever é um trabalho como qualquer outro, não há nada de especial ou sagrado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tem dois projetos: um longa-metragem que se passa em uma única locação e que possa ser filmado de forma simples, com um celular ou equipamento simples. O outro é meu romance, sempre sinto o peso do nome “romance” e as ideias vão se transformando em contos, em projetos audiovisuais e em peças. Minhas tentativas de romance se tornam outros produtos, tomam outros formatos e isso me frustra um pouco.