Renata Bichir é professora no curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente começo meus dias planejando as atividades diárias que preciso desenvolver, procurando equilibrar atenção aos meus orientandos, preparação de aulas, elaboração de pareceres e a escrita dos meus próprios textos. Uma boa parte do meu dia é consumida lendo textos de terceiros, o que eventualmente me ajuda a ter ideias e inspirações para meus próprios textos, mas nem sempre isso ocorre. Quando tenho um texto meu para elaborar, com um prazo claramente definido, gosto de trabalhar nele em períodos concentrados, de preferência pela manhã. Agora que eu tenho um filho de 8 meses minha rotina está completamente mudada, e tenho trabalhado bem mais à noite e durante a madrugada, quando ele está dormindo. Não é minha situação ideal, mas é o possível no momento.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou uma pessoa matutina, gosto de aproveitar as primeiras horas do dia – escrevi todo o meu mestrado na parte da manhã, já o doutorado ocupou um espaço maior dos meus dias. Escrevo melhor quando estou bem alimentada e feliz, a ansiedade, a fome e a pressão dos prazos são péssimas companheiras de escrita. Por muito tempo eu podia escrever em qualquer ambiente, mesmo os mais barulhentos. Hoje em dia preciso de mais concentração, de um espaço relativamente silencioso, mesmo música eventualmente me atrapalha. É importante ter clareza e foco para conseguir escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu detesto escrever sob pressão, então tento me organizar para trabalhar um pouco todos os dias. Mas, na prática, por conta do excesso de demandas e atividades, e também por conta da conciliação com a maternidade, tenho que trabalhar em períodos concentrados, e em horários esdrúxulos. Aliás, a maternidade aumentou tanto o meu cansaço quanto a minha produtividade: como meu tempo ficou ainda mais escasso, tento tirar o máximo de proveito toda vez que tenho oportunidade de sentar e trabalhar nos meus textos; de fato não há mais espaço para procrastinação.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Gosto de começar a escrever quando o argumento central já está suficientemente claro, a revisão bibliográfica já está bem adiantada e a estrutura de argumentação está delineada, além dos dados coletados. Logicamente faço revisões, mudo de ideia, jogo trechos inteiros fora, mas é importante ter o material bruto já coletado e analisado. Minhas últimas pesquisas são bastante intensivas em revisão bibliográfica e dados primários coletados em entrevistas. Já ao longo das entrevistas eu começo a pensar em como vou organizar o material, separo citações inspiradoras, frases provocativas que eventualmente irão compor meus artigos, em diálogo com a bibliografia pertinente. Costumo ter cadernos de campo relativamente organizados – apesar da minha letra ter piorado enormemente ao longo do tempo. Essas anotações são preciosas no momento da confecção de artigos, e costumo retornar a elas com frequência depois que o argumento está delineado – sem fio da meada não dá para escrever um bom artigo, sou bastante crítica com digressões, então tento ser autocrítica também.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Penso que esses medos são relativamente comuns, mas devem ser domados, e a experiência também ajuda a ajustar pesos e medidas, o que é cobrança necessária para um bom trabalho e o que é tortura mental. Porém, ainda hoje, professora concursada, coordenadora de grupo de pesquisa e relativamente conhecida em minha área de atuação, sou bastante ansiosa e autocrítica. O que me ajuda muito é a interlocução, é compartilhar com colegas e no meu próprio grupo de pesquisa textos preliminares, até para ajustar se o foco está adequado, se o texto está claro, tem um argumento pertinente, etc. Coordenar um grupo de pesquisa que envolve desde alunos de iniciação científica até pós-doutorandos também ajuda a organizar o tempo alheio e o meu próprio, em particular em projetos de longa duração. Contra travas de escrita, que eventualmente acontecem, a solução mais eficaz, no meu caso, é caminhar; isso ajuda demais a organizar minhas ideias.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sou bastante autocrítica – o que é bom, mas não em demasia, pois esperar que textos fiquem “maduros” pode levar ao “apodrecimento” e ao envelhecimento de argumentos, como um professor muito sábio e querido bem me alertou. Sou crítica da pressão excessiva pela produtividade, penso que muitas vezes textos incompletos, imaturos, imprecisos são publicados com atropelo. Por outro lado, na vida acadêmica é salutar se expor às críticas alheias, é isso que faz o debate girar e eventualmente se enriquecer. Como comentei, costumo submeter meus próprios textos ao meu grupo de pesquisa, e isso é muito enriquecedor.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Faço minhas listas diárias em papel, mas há muito escrevo diretamente no computador. Gosto de fazer resenhas e fichamentos em papel, mas mesmo esse hábito eu venho abandonando. Desenvolvi uma sistemática de fichamentos de textos relevantes que me mantém relativamente atualizada nas discussões no meu campo, já que dar conta da bibliografia de referência é o arroz com feijão da nossa atividade.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Essa é uma pergunta difícil, pois acho que estou atravessando uma certa “crise” de criatividade, que na verdade representa um certo esgotamento de agenda. Tenho temas que me “perseguem” desde o início da minha formação – políticas sociais, pobreza, desigualdade. Esses temas não envelhecem, pelo contrário, estão cada vez mais presentes tanto no debate público quanto acadêmico, mas a grande questão é pensar quais são as melhores estratégias analíticas para responder perguntas pertinentes. Para pensar em novas questões e em novas abordagens é essencial ler, ler, ler. Mas também já tive bons insights apresentando trabalhos em congressos e também tomando café com gente interessante, que sabe olhar as coisas por ângulos peculiares – gente rara e preciosa!
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Em relação à tese, teria começado de onde parei. É muito comum ceder à tentação de se envolver em diferentes debates correlatos, e não seguir um único fio da meada. Em parte eu “resolvi” esse problema escrevendo um artigo sobre os diferentes tipos de abordagem e discussão do meu tema à época. Por outro lado, sinto que se tivesse feito escolhas mais claras mais cedo poderia ter me aprofundado mais – ou não, quem realmente sabe?
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Ainda estou refletindo sobre meus próximos projetos. Em relação aos livros, a grande questão não é inventar nenhum livro novo, mas ter tempo para ler tantas coisas que me interessam e que eu sei que nunca lerei.