Renan Bernardo é escritor de ficção científica e fantasia.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tento sempre ler um pouco pela manhã, antes de ir para o trabalho (pré-pandemia). Mas a escrita normalmente vem pela noite ou aos finais de semana, que é quando tenho mais tempo disponível. A pandemia mudou um pouco a dinâmica também, e a rotina ficou um pouco mais embaralhada. Mais importante que uma rotina, na minha opinião, é conseguir manter o foco após conseguir sentar para escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Depende muito. Aos fins de semana, normalmente prefiro escrever pela manhã, mas durante a semana escrevo à noite (é o tempo que tenho disponível). Meu ritual às vezes envolve ler algo inspirador, talvez um conto ou um artigo jornalístico interessante, mas nem sempre é possível. O mais importante é me “isolar” com um fone de ouvido e algumas músicas instrumentais e ambientais. Acho que ajuda bastante a manter o foco.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já tive períodos em que escrevia todos os dias, mas atualmente acabo escrevendo mais em períodos concentrados de tempo. Não costumo definir meta por quantidade de palavras, como muitos fazem, mas por elementos das histórias. Defino um ponto até onde quero chegar e escrevo até chegar nele. Também tento não ir além da inspiração do momento, mas nem sempre consigo. Sempre há períodos em que fico tentando fazer as palavras surgirem. Mas é sempre bom se afastar um pouco do texto nessas horas e voltar depois.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo varia muito de história para história. Há uns anos, escrevo majoritariamente contos e alguns demandam mais preparo que outros. Tento organizar todas as notas de pesquisa em um documento separado e depois filtrar o que julgo útil para a história, passando para o mesmo documento em que vou escrever, deixando o acesso às notas o mais prático e rápido possível. Depois, vou apagando ou arquivando as notas conforme elas se desenvolvem em ideias ou são descartadas. Tendo gerado um primeiro parágrafo (ou primeiros) que me satisfaz, com uma voz bem definida, o restante acaba ficando um pouco mais fácil. Claro que sempre há momentos que demandam mais pesquisa ou um esforço para pensar em novas ideias. O que tento fazer é passar por cima de alguns pontos temporariamente, adicionando notas ao texto para voltar a pesquisar com mais detalhes na etapa de revisão. O mais importante é sempre tirar a ideia da cabeça e transformar em texto. Feito isto, a etapa da revisão existe para resolver todos os problemas que sobrarem.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que o mais importante é saber que tudo isso faz parte do processo de escrita de alguma forma. Normalmente para lidar com bloqueios e travas é interessante sair da rotina, seja na leitura ou em outros aspectos da vida. Por exemplo: ler algo fora do que você está acostumado pode ajudar a lidar com bloqueios criativos. Quanto à procrastinação, é o inverso. Acredito que estabelecer algum tipo de rotina ajude a lidar com isso, além de ter alguns objetivos e metas realistas. (É muito importante que sejam atingíveis e com prazos não muito distantes).
Já a não corresponder às expectativas, é mais difícil mensurar. É preciso saber que nunca vai ser possível agradar todo mundo. Por isso, deixar que outras pessoas leiam seu texto antes da publicação é essencial.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depende muito do texto (falando de contos, principalmente). Tem alguns que bastam uma ou duas revisões, mas outros que demandam bastante tempo e cuidado. Normalmente algumas pessoas leem minhas histórias antes que eu decida que estão prontas para serem publicadas. Há um tempo, eu participava de um grupo de escrita online e várias pessoas tinham contato com meus textos antes deles serem publicados. Considero isso bastante útil para ver o que diferentes pessoas, com as mais variadas experiências, pensam do seu texto. Também envio para alguns amigos próximos que trabalham com escrita e me ajudam bastante a moldar a versão final de determinada história.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador. Sou engenheiro também, então sempre tive muita proximidade com a tecnologia. Normalmente utilizo o programa Scrivener. Acho que as ferramentas que um computador e a internet proporcionam ajudam bastante, mas é importante saber lidar com distrações como notificações e a eterna proximidade com as redes sociais.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Pode vir de uma música, um conto, um livro, uma imagem, um acontecimento. Depende muito. Acho que não existe uma fonte mágica de ideias ou um hábito crucial para se ter ideias. É importante estar com a cabeça aberta para que elas surjam, mas acho que isso varia de pessoa para pessoa. Como Jeff VanderMeer explica em seu livro Wonderbook, é importante não cortar as raízes de uma ideia quando elas começam a surgir. Quanto a hábitos para se manter criativo, acho que ler bastante, em várias áreas e gêneros, é um bom hábito.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito ser capaz de identificar com mais facilidade quando um texto está bom ou não para ser publicado. Consigo criticar com mais facilidade um texto próprio e identificar elementos que podem não agradar ou que são problemáticos para determinada história. Se pudesse contar algo para o Renan do passado seria para cultivar paciência e saber que cada texto é pior que o próximo. Não existe fórmula mágica ou atalho.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria que existisse um livro chamado “10 passos simples para convencer a humanidade que confiar na ciência é o melhor caminho”. Acho que seria crucial não só neste momento complicado, mas em qualquer época. Quanto a projetos, quero dar vida a muitas das ideias que tenho anotadas, mas que até hoje não viram a luz do dia.