Regina Ruth Rincon Caires, 65 anos, é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou “madrugadeira”. Durmo cedo e acordo cedo, coisa de caipira. O acordar lembra café, café preto. Depois, só depois, o dia começa. Procuro saber da família, conferir o celular, ligar a TV – tudo antes do banho. Eu sempre acordo bem, sou de paz…
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não, nada de ritual. Eu acho que o travesseiro é um bom catalisador de ideias. Antes de o sono chegar, as lembranças se juntam, os acontecimentos do dia se misturam, daí o “bichinho-carpinteiro” começa a trabalhar. Algumas ideias concretizam-se, muitas se perdem. Mas, quando o anjinho escritor baixa, pode ser dia ou noite, há uma necessidade de registrar, é incontrolável.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não. Por esta razão, sempre digo que não sou escritora. Não tenho qualquer disciplina, nada de meta diária, semanal ou mensal. Gosto muito de participar de concursos literários, mas estou sempre a correr à véspera do prazo final. Principalmente quando existe tema predeterminado. Prefiro a largueza dos concursos com temas livres. E gosto de escrever livremente, sem hora marcada.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É uma avalanche. Primeiro, eu rabisco no caderno “brochurão”… Rascunho a ideia, acrescento palavras aqui e ali, faço apêndices nas margens, risco, retiro palavras e, com o “esqueleto desenhado”, vou para o computador. Digitar, pontuar, paragrafar. Ai, a danada da pontuação! Sou compulsiva por reticências… Acho que colocamos muito da personalidade em nossos escritos. Quanto às pesquisas, elas acontecem durante a digitação, tenho sempre a aba aberta no navegador.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Encaro a escrita como fonte de prazer. Se a ideia não chegar, se alguma preocupação do dia a dia travar os pensamentos, se o travesseiro exigir que eu cuide de outras urgências, isso não me entristece. Aliás, nem penso nisso. Não escrevo pensando em corresponder a qualquer expectativa, a qualquer cobrança. Escrevo porque me faz bem, porque gosto de “contar”. Não tenho projetos longos, tudo é o agora.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quando é um texto inédito, sempre mostro a amigos. Agora, quando vou publicar um texto, mesmo que já tenha sido revisado, sempre o releio. Nem os mais antigos escapam. Sempre há um ajuste.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
No caderno. Em casa, sempre no “brochurão”. Carrego um “brochurinha” na bolsa, ferramenta inseparável. No computador, só para finalizar o trabalho.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Gosto de prosa curta. Não sou especialista em contos, acho que sou uma contadora de histórias, só isso. Gosto de escrever sobre o que vi ou ouvi, geralmente fatos antigos, coisas da infância. Além de curiosa ao extremo, sempre fui muito observadora. Digo que, nos meus textos, realidade e imaginação se confundem de tal maneira que nem mesmo eu sei dizer o que é real e o que eu queria que fosse.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Escrevo sobre aquilo que conheço. São personagens simples, acho que isso se deve ao meio em que vivi. Venho de família de sitiantes. Meus avós vieram da Europa fugindo da Primeira Guerra, ainda adolescentes. Entraram por Santos, foram acomodados nas estalagens e encaminhados para as fazendas de café, no interior de São Paulo. As terras tinham pouca valia, e depois de muitos anos de trabalho, conseguiram comprar uma fazenda em Auriflama. O café era produzido pela família toda, e pelos meeiros. Não eram empregados, eram “sócios” na produção. Tudo muito rudimentar, muito simples. E vivi nesse meio. Na vila, em que depois cresci, se as pessoas eram ricas, nós não sabíamos, não havia ostentação, todos trabalhavam. Havia uma mistura de raças: turcos, sírios, libaneses, japoneses, italianos, espanhóis. Na escola não havia qualquer distinção, todos eram iguais, brincávamos todos juntos. Havia hierarquia apenas de respeito. Acho que é isso. Auriflama ainda era uma vila, distrito. Ruas de terra batida, casas de tábuas, mas a escola era de qualidade. Os professores eram espetaculares, não que os de hoje não sejam. Mas era diferente, alguma coisa era diferente. Tenho lembrança das aulas de Linguagem, fazíamos composições a partir de gravuras que a professora escolhia. O Estado distribuía um “material didático” que era um cavalete de madeira, feito uma folhinha-calendário, com várias pinturas. Eram gravuras, não eram fotos. Esse cavalete ficava na diretoria da escola, e servia a todas as séries. A minha alegria era quando a professora pedia ao aluno maior e mais forte, que fosse buscar o cavalete para a composição. Desde lá, tenho a mania de escrever histórias. Foi através daquelas gravuras, que “conheci” o que era montanha, mar, navio… Acho que nada mudou no meu processo de escrita.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não tenho livro publicado. Tenho dois projetos em mente. Um deles é de um livro de contos que já enviei para concurso, mas não foi selecionado. Os concursos exigem que os livros sejam apenas com textos inéditos e os meus são quase todos classificados em concursos. Tenho uma maneira “antiga” de escrever, falo sobre coisas “jurássicas” aos olhos de muitos leitores. A minha escrita é para o gosto de pouquíssimos leitores, eu compreendo. E não consigo mudar, não sei escrever sobre o que não conheço. O outro projeto é um livro onde registro as conversas que tenho com a minha netinha. São “papos” deliciosos, engraçados, delicados. A minha neta mais velha (Marina) está fazendo os desenhos para a ilustração de cada conversa, ela desenha muito bem. Enfim, tenho esses dois projetos. Fico satisfeita quando sei que meus textos são lidos. É o meu maior presente. Agora, falando de leitura, atualmente não leio muito. Já li mais, hoje estou mais lenta. Gosto de livros biográficos, de preferência. Eu gosto de literatura brasileira, e nesses últimos anos tenho descoberto muitas coisas boas. Novos autores e velhas preciosidades. Conheci a beleza da escrita de Maria Valéria Rezende, descobri o encanto do trabalho de Orides Fontela, descobri a criação incrível de Maura Lopes Cançado, e estou conhecendo Luiz Ruffato. Li, recentemente, “As cem melhores crônicas brasileiras”, seleção de Joaquim Ferreira dos Santos. Livro fantástico!