Regina Azevedo é poeta, autora de “Das vezes que morri em você” (2013).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Desde que comecei a escrever, a centralidade da minha vida foram os estudos (em 2012, o Ensino Fundamental; hoje, a graduação em Letras, na UFRN). Há também outras questões, um momento ou outro, que ocupam lugar mais rígido na minha rotina: como estágios, bolsas de extensão ou pesquisa, essas coisas. Assim, acredito que a escrita é a parte mais úmida da minha vida, como uma areia que se molda. Ela está sempre ali, apesar e independentemente das horas, dos compromissos, das obrigações. A poesia é o não obrigatório. Ao mesmo tempo, é prioridade.
Muitas vezes, costumo parir os projetos todos de uma vez. Por exemplo, em virtude da pandemia e do isolamento social, pude ficar em casa e tive o privilégio de me voltar mais para projetos antigos. Consegui organizar muita coisa engavetada, inscrevi projetos em editais, e, de uma só vez, lanço ao mundo várias coisas, que foram possíveis a partir do trabalho mais rígido nesse período. O que estou tentando dizer é: sou uma poeta que trabalha diariamente, mas que só consegue organizar seus poemas, livros, projetos e cabeça em períodos específicos. Sempre lidei com esses movimentos. Acho que faz parte. A gente precisa pagar as contas, a ração dos gatos, essas coisas.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Sou capricorniana. Organizada e um tanto metódica. Com textos, costumo já saber, minimamente, como será o início e o fim. Sei o esqueleto, digamos assim. Tento deixar fluir, a partir dessa organização inicial, e só depois de uns dias volto ali, risco uma palavra, tiro outra, faço substituições. Já em relação a projetos em si, como um livro, por exemplo, ou a organização de uma oficina, sou bem mais metódica. Gosto de planejar mesmo, de fazer testes. Livro não é para mim, é pro outro. Tento pensar, prever. Claro que tem muita ansiedade nisso tudo…
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Não tenho muita rotina, acho. Preciso dormir quando sinto sono, comer quando tenho fome – tem um ditado que diz isso, não tem? Algo assim. E tenho dias e dias. Tenho tentado aprender a moldar minhas rotinas, pelo menos desde ano passado, quando descobri que tinha depressão e uma ansiedade mais severa e comecei a fazer tratamento com acompanhamento de psiquiatra (já fazia terapia). Tem dias que não quero escrever. Se for forçar, não vai rolar. Não vai ser bom pra mim nem provavelmente pro poema. Mas estou sempre anotando, sempre fui a pessoa que para o que estiver fazendo para anotar uma frase, uma palavra, um verso.
Eu diria que preciso do silêncio para ser gente, ser mulher, ser humana. O silêncio é importante, é nele onde tudo grita. Sem dúvida, é essencial também para o processo criativo como um todo (não necessariamente só para o momento de sentar e escrever).
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Sempre gostei de fazer exercícios criativos, como colagens com palavras e escrever a partir de ou inspirada por outros textos. Quando me sinto travada para escrever, costumo estar também escrevendo, mas de outro jeito: viver é escrever também, não é? Viver é gestar. Vou anotando. Não me sinto presa com relação à escrita. Acho que é uma das poucas coisas na vida que eu consigo ter essa “paz”, digamos assim, essa relação compreensiva (risos).
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
O poema que mais deu trabalho foi “O sertão sou eu”, que é um poema que me chegou só com os primeiros versos (“capim seco/corta pele/atinge carne”) e que eu sabia que tinha que ser sobre meus avós. O poema todo é como uma viagem, uma imersão.
Gosto, pessoalmente, do “Carcaça”, um zine que fiz para os meus avós e que, em 2021, será transformado em livro, em virtude da aprovação do projeto na Lei Aldir Blanc do Governo do RN/Fundação José Augusto. Deve rolar ainda neste primeiro semestre.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Acredito que os temas estão ali. Tento fazer o papel de me distanciar daqueles poemas. Mostro a outras pessoas, converso com amigos, com poetas e editores que admiro.
Para organizar o “Vermelho fogo”, por exemplo, meu livro mais recente e o primeiro que lanço numa espécie de edição do autor, imprimi todos os poemas e espalhei em cima da mesa. Vi o que tinha ali, tracei uma linha do tempo, de temas, descobri assuntos em comum.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Sempre leio os poemas em voz alta. Não sei, acredito em algo de místico por aí… Quando o poema está “pronto”, a gente sente. É uma ilusão, claro, porque nada nunca está pronto. Mas a gente sente e mostra. Sempre mostro a alguns amigos, a poetas que admiro, como disse. Atualmente, as pessoas que mais recebem meus poemas são leitores que gosto e que também são meus amigos: Lucas José, que revisou meu “Vermelho fogo”, inclusive; e Maria Luiza Chacon, amiga que nasceu no mesmo dia que eu e é uma grande escritora.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Foi muito natural e muito cedo. Fui um pouco atrevida, até, porque sempre escrevi, mas lembro de achar que não existiam poetas vivos, que só eram poetas os clássicos que eu conhecia dos livros didáticos, coisa assim. Quando eu descobri que tinha gente jovem escrevendo, ainda mais na minha cidade, pirei de vez. Isso aos doze anos. Foi mais ou menos assim: “ah, então isso que eu escrevo PODE SER poesia? Então significa que POSSO escrever”. E aí criei um gás, escrevi muito e tive coragem para publicar e apoio para isso. Na época, muita gente foi importante, em especial Daniel Minchoni, poeta, e Carlos Fialho, escritor e editor da Jovens Escribas, que publicou meus dois primeiros livros.
Eu tive muita sorte e principalmente muito apoio, muita oportunidade. O que eu queria, na verdade, era que mais gente tivesse essa experiência. Queria mais portas abertas para todos e todas, mais possibilidades de publicação, de apoio, de bolsas para escrever, mais festivais literários, mais eventos de incentivo à leitura, mais escritores nas escolas, mais leitores crianças e jovens…
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Não sei se tenho esse estilo próprio. O que tento fazer, em relação à minha escrita, é desenvolver um senso crítico de tentar avaliar o que surte significado e o que não. Essas outras questões, deixo para quem tem mais competência (risos).
Algumas autoras potiguares são muito importantes para minha formação enquanto poeta, leitora e humana: Marize Castro, Marina Rabelo, Adelia Danielli, Leticia Torres, Anna Zêpa, Eveline Sin, Gessyka Santos e tantas, tantas outras.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
“Torto arado”, de Itamar Vieira Junior. O romance mais bonito e envolvente que li em 2020. Queria ler tudo que ele escreve. Tudo.