Raul Lopes de Araújo Neto é doutor em direito previdenciário pela PUC-SP e professor da Universidade Federal do Piauí.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Na verdade, meu dia começa antes de dormir. Tento alinhar algumas atividades que devo fazer pela manhã nos últimos minutos do dia anterior. Raramente eu acordo e penso no que vou fazer, geralmente isso já está traçado na noite anterior. Não possuo uma rotina fixa matinal. As primeiras horas são acompanhadas por uma xícara de chá e logo passo à leitura de alguns sites jurídicos, jornais e e-mails. Como leciono nos turnos da tarde e noite, aproveito para marcar pela manhã meus compromissos com as comissões e grupos de pesquisa que participo na UFPI.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Na época de estudante as primeiras horas do dia não eram as mais propícias para a atividade intelectual, preferia a noite. Era como se com o passar do dia a cabeça fosse “esquentado” para o exercício cognitivo. Atualmente não tenho uma hora preferida para escrever, confesso que o ato de escrever precede de uma evolução de ideias, que de tanto provocar, acaba surgindo a necessidade de escrevê-las. Um “ritual” não funciona para mim, mas percebo que meu envolvimento com o tema é determinante para escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Isso vai de acordo com a demanda. Quando se trata de um trabalho científico escrevo em períodos concentrados, como uma imersão. Até faço uma programação organizando leitura e escrita sobre o tema, sem meta de produção. Por outro lado, quando escrevo para a revista cultural que colaboro tenho o hábito de escrever em situações de ócio, como a espera em aeroportos, momentos de insônia, espera para um consulta, etc. Assim como a leitura, a escrita me liberta, é algo prazeroso.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não é difícil começar, mas a leitura prévia é algo fundamental. Preciso sentir que a ideia possui algo relevante, que aquilo é importante, caso contrário a coisa não decola e acabo passando para outra proposta. A escrita é o ápice de uma angústia: uma angústia boa, necessária para a produção. Inicio o trabalho com um esboço de sua estrutura, a ordem que quero expor as ideias e assim divido os capítulos. Raramente a coisa termina na forma prevista, até gosto de como isso ocorre, sinto que as mudanças implicam numa evolução da ideia inicial, sinal que a coisa deu certo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Dificilmente sinto essa trava, mas caso ocorra, passo a me dedicar mais à leitura, é uma forma de destravar a escrita. Não me atrai trabalhos longos, atualmente não tenho a pretensão de produzi-los, percebo que sou mais contista do que romancista, creio que seja mais parecido com a minha forma de pensar e até mesmo de me expressar. Quanto à procrastinação, acredito que faz parte do exercício da escrita, no meu caso, é um instrumento de defesa quando sinto que não estou preparado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Inúmeras, principalmente o conteúdo. Faço a revisão sempre ao final da elaboração, quando tenho uma visão completa do trabalho. Num primeiro momento escrevo sem olhar para trás, me dedico à criação, aproveito as ideias no momento de seu nascimento. Num segundo momento parto para a “revisão”, considero esse momento importantíssimo. A revisão na verdade é uma outra etapa da criação, é quando exijo coerência no trabalho, um momento de sintonia fina, para isso preciso de um grau confortável de concentração. A revisão é realizada em duas etapas: a primeira na tela do computador e a segunda com o trabalho impresso. Em escritos mais simples, deixo a revisão a cargo dos amigos, tenho o hábito de enviar pequenos escritos como crônicas, contos ou resenhas para uma segunda opinião.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Os tópicos, as ideias, os motes funcionam mais quando os escrevo no papel. Quando uso um rascunho acabo passando de forma mais fidedigna a ideia que me veio. Quando faço isso num aplicativo do celular, não sei por qual motivo, não funciona tão bem, acabo abreviando a ideia. Quando escrevo algo científico sempre começo pelo computador, acho mais confortável e com mais recursos para escrever um texto longo. Por outro lado, para produzir uma resenha simples, utilizo até o celular, costuma funcionar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
De todo lado. É difícil dissociar o que vejo nas artes – literatura, música ou cinema – daquilo que estudo no direito. De uma forma inconsciente acredito que todos esses campos se intercalam e acabam por me guiar no exercício literário, jurídico ou não. Quanto ao hábito, a leitura é o maior dos combustíveis.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Certamente a leitura não jurídica foi, e continua sendo, a maior libertadora da minha escrita, me torna mais seguro para o processo de produção. A escrita é algo que não tem volta, não falo do que foi escrito, mas da forma como foi escrito. Por mais que a escrita seja parecida ao longo do tempo, certamente a sua forma de pensar mudou. O processo de escrita é feito de forma dimensional, é impossível seccionar ou separá-lo no tempo, é evolutivo. Acredito que não mudaria em nada o que escrevi, tudo foi parte de um aprendizado e responsável pela forma como penso e escrevo hoje.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O livro que eu gostaria de escrever eu até comecei ano passado: Fundamentos do Sistema de Seguridade Social, que espero concluir em 2018. Quanto ao livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe é certamente o próximo que vou comprar, aquele que por esse motivo é desconhecido e que irá me chamar a atenção diante de uma infinidade de outros títulos, também desconhecidos, que ainda vou ler.