Raul Almeida é escritor, autor de “Não sei dizer nem ao menos o nome” (Patuá, 2019).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gosto de tirar a manhã livre, quando consigo e me é permitido. Sou bastante lento para começar e iniciar o que realmente devo fazer. Pela manhã levanto meio tarde, vindo que também durmo tarde. Tomo aquele cafézinho e sempre coloco algum álbum para tocar; digo que sou movido por essas duas coisas. Depois, minha rotina acaba se desenvolvendo com a escrita, mas a escrita acadêmica como universitário e pesquisador e aos trabalhos como professor em um cursinho popular.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto bastante do início da manhã e também da madrugada. São dois lados opostos. E sinto que é realmente assim, o início do dia pode motivar, assim como o final. Creio que isso serve para tantas outras coisas da vida. Penso também que muito se deve a práticas de introspecção e isso muitas vezes gerar coisas.
Mas acredito que exista uma idealização do processo de escrita, né? Até pela palavra “ritual”, parece que a escrita literária é algo que está fora do que é habitual, do que é do cotidiano e extrapolando até mesmo do plano real, há um certo misticismo em volta deste ato. Escrevo no caos muitas vezes, em noites mal dormidas por todos os marcadores sociais que nos perseguem. Escrevo no meio do ônibus, na sala de aula, nos cadernos, no celular, no bloco de notas. Assim como estamos lendo o tempo todo também e não nos damos conta.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando se trata da escrita literária acabo não lidando com metas. Respeito o meu tempo e o tempo do texto também. Enxergo mais como um exercício então sempre tiro um tempo para escrever algo quando surge uma ideia ou mesmo trabalhar em textos já escritos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acho que não existe um “processo” com este termo propriamente. Existe certos prazos e você tem que se mover para aquilo se realizar, assim como às vezes surge uma ideia e de repente no vapor daquilo se torna força criativa, às vezes mais relacionado para mim com uma ideia de necessidade também. Uma escrita que é exercício e uma expressão que é necessidade (e vice-versa), quando eles se topam nasce algo dessa relação. E a partir daí é um processo constante de reflexão sobre esse material que está sendo construído.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que como qualquer outro trabalho haverá dias em que apesar de demandar tempo e energia para aquilo, simplesmente as coisas não tomam formas, não tomam gosto. Sobre a escrita, ao menos quando ela trava em mim, ela permanece em um plano do imaginário, de refletir sobre aquilo, de ficar na cabeça mesmo, matutando. E acho importante pois ela não deixa de existir mesmo estando “travada”.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Acredito que o processo de releitura e revisão é essencial. Gosto de ler em voz alta quando escrevo poemas para entender a sonoridade dos versos. E reviso muitas vezes a forma também, em como me disponho dos versos. A leitura de amigas e amigos é muito importante, apesar de nem sempre mostrar para eles, quando acontece é sempre um encontro, cada um colocando seu mundo ali também, numa abertura que é o que deve estar constituinte na literatura.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é ótima. Acho que devemos nos apropriar dos novos meios, para tornar esse campo cada vez mais democrático e político.
Depende muito do que está perto de mim, se tenho perto cadernos me atiro pra escrever neles, mas nem sempre eles estão por perto. Hoje o celular está em nossas mãos o tempo todo então o bloco de notas me é muito útil para isso.
E claro, o processo todo de edição e finalização do meu primeiro livro, se deu por completo em suportes digitais.
Meu trabalho se construiu todo nas redes sociais. Através das interações e reações que tive nesse espaço. No entanto a gente é reconhecido como escritor(a) após publicar “impressamente”/ “editoriamente” falando (e claro que isto tem uma importância política imensa, ainda mais no Brasil de hoje), mas os mesmos poemas do livro, são poemas que postei no Facebook. Precisamos pensar na circulação e na legitimidade de determinadas práticas que nos dizem o que é literatura.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acredito que a leitura é o primeiro caminho para escrever. Gosto de ler, principalmente coisas que está sendo produzida aqui. E sou curioso. Não apenas curioso com os livros, mas com todas as manifestações a nossa volta. Acho importante saber o que está sendo feito na música, na fotografia, nas artes plásticas, no slam, nas práticas não legitimadas.
Gosto de observar a minha volta, as pessoas, as histórias e isso sempre me perpassa, tentando sempre ver como alteridade e não como objetificação.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que o privilégio de ingressar no curso de Letras em uma universidade pública ampliou minha visão sobre muitas coisas. Me permitiu o acesso, discussões e relações que não seriam possíveis fora desse espaço. Por isso é tão importante meninas e meninos estarem dentro desse lugar. Que políticas públicas de permanência sejam fomentadas e ampliadas. Pude estar ali por conta da permanência estudantil. E estar ali, como disse, me influenciou em minhas mais diversas perspectivas como escritor e como indivíduo social (se é que dá para fazer essa separação).
Acho que não diria muitas coisas não, considero importantes os caminhos que fiz até aqui para o próprio amadurecimento do texto e de mim.
Talvez diria que (muita coisa) iria passar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Os projetos e as ideias são bastantes, resta o tempo dizê-las aqui.
Queria ler um livro que com certeza ele já existe de outras formas. Deve estar nas margens do mercado editorial, perseguido no apagamento da literatura oralizada e violentado pela voz de quem não o pode escrever, não pode falar.