Raquel Junqueira Guimarães é psicanalista e escritora, autora de “Poemario”(2014) e “O Infinito de Lótus” (2019).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa bem agitado. Como tenho uma filha de 3 anos, a manhã é toda dedicada a ela. Tomamos café da manhã, brincamos juntas e depois nos preparamos para “descer” para Belo Horizonte, já que moramos em um condomínio fora da cidade. É o momento do dia em que realmente não tenho tempo para ler ou escrever minhas coisas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu escrevo mais à noite, quando todos já foram dormir e a casa está mais silenciosa. É aquele momento em que já ganhei o dia e em que posso relaxar. Normalmente, termino primeiro todas as obrigações do dia, tomo um banho, faço minhas leituras e aí começo a escrever. Mas é claro que se vier uma ideia, seja em que horário for, eu anoto. Já aconteceu, muitas vezes, de ideias virem assim que acordo, ou então quando já fui me deitar para dormir, e algumas vezes também no meio do trabalho, à tarde. Mas é à noite que retomo essas anotações, que trabalho melhor as ideias.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma meta de escrita diária. Sei que a escrita é um exercício, mas deixo fluir. Ela só acontece para mim como uma paixão. Pode parecer um pouco clichê, mas a poesia é um estado que eu comparo muito com o estado de apaixonamento. E nunca sabemos quando isso acontecerá. E, quando acontece, costuma ser em períodos concentrados sim. São períodos em que escrevo muito, que deixo acontecer, pois sei que não costumam durar. E, quando passam, eu volto aos textos. Revejo, reescrevo. Como diz a Maraíza Labanca, é um processo de jardinagem, é uma segunda escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Para mim, acontece de uma forma muito natural. Às vezes, a nota já é um poema, ou um verso, ou uma ideia que me leva a ele. É um processo que sinto acontecer sem que eu tenha muita consciência dele. Por exemplo, no ano passado escrevi muito. E foi quando eu já tinha escrito bastante que percebi que todos aqueles textos poderiam compor uma unidade, um livro.
Como falei anteriormente, escrever poesia para mim diz muito de um estado de apaixonamento. E podemos nos apaixonar por qualquer coisa para escrever – por exemplo, por uma palavra, por uma paisagem, por uma folha ao chão, uma fotografia, uma voz, uma pessoa. Não importa. Desde que se abra em nós este estado. É aí que se escreve.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas acontecem sim e penso que só me resta aceitá-las. Não forço absolutamente a escrita, pois, como disse, sem paixão, não vale a pena. Acredito que a escrita tem o seu tempo. Em relação a corresponder às expectativas, confesso que não me preocupo muito. Gosto de saber o que as pessoas pensaram e sentiram ao lerem meus textos, é uma grande curiosidade minha, mas não no sentido de corresponder ao que esperam.
E em relação aos projetos longos, agora estou em um deles. Estou em uma fase de reler e reescrever tudo o que produzi no ano passado e sei que isso vai levar um bom tempo. Cada livro que escrevi teve seu próprio ritmo. Poemariofoi escrito e editado em um tempo curtíssimo. Em nove meses, estava tudo pronto. Algumas pessoas me falavam durante o processo que poderia demorar, que eu deveria esperar mais, mas eu sabia que ele tinha que correr – como um rio. E tudo fluiu e aconteceu assim. Já O infinito de Lótusfoi escrito em um ano, mas o processo de escolha do ilustrador, do projeto gráfico e do tempo mesmo de edição e publicação foi bem mais demorado. Foram dois anos de trabalho, com muita ansiedade. Este projeto no qual estou trabalhando agora também sei que levará um bom tempo. O tempo necessário para que a história exista sem mim e acolha apenas o que for essencial. E, desta vez, não estou ansiosa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso várias vezes e sempre mostro para outras pessoas antes de publicá-los. Acho imprescindível. Um texto nunca está pronto de primeira. E a cada nova leitura, podemos encontrar soluções melhores para um verso, enxugar mais o poema e torná-lo ainda mais potente.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Atualmente, tenho escrito muito no celular. Tenho um aplicativo de notas e tudo está ali. É o que está sempre à mão e já me acostumei com o ritmo da digitação, que é mais rápido. Mas há cerca de cinco anos, escrevia sempre à mão primeiramente. Quando é um texto mais longo, quando escrevo um conto, por exemplo, o celular já me atrapalha. Então, escrevo diretamente no computador. Hoje, acho difícil escrever à mão. Sinto que a escrita não acompanha o ritmo do meu pensamento e tenho medo de perder o fluxo de ideias.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Sinceramente, não sei de onde vêm. Mas sei que preciso me colocar em um estado para que elas venham. Eu chamo de estado de poesia. Lembro muito do Roland Barthes quando dizia que a pessoa é que decide se apaixonar e então ela se apaixona. Com a poesia, não é muito diferente. Eu não sei o que vai atrair minha atenção, qual será o objeto da minha paixão, mas me coloco em um estado de abertura, de disponibilidade, abro uma vaga em mim para olhar ao redor. É preciso mudar o olhar, quebrar a rotina para que o objeto chegue e eu possa senti-lo. É preciso desacostumar os gestos, virar a chave. Uma forma de conseguir isso é pela leitura. Mas não é qualquer leitura. Precisa ser uma leitura por puro prazer, em que eu esteja relaxada o suficiente para sentir que aquelas palavras me querem. Atualmente, estou me dedicando aos poetas portugueses. E tem sido bonito demais. Outra forma é ficar em silêncio, apenas em comunhão com as coisas. E também, claro, quando possível, viajar, sair do lugar comum.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu comecei a escrever poesia muito cedo, aos nove anos de idade. Depois, passei a escrever diários na adolescência. Só quando entrei para a faculdade foi que voltei aos poemas de uma forma mais intensa. Acho que nessa fase escrever poesia era para mim uma forma de expressar sentimentos, de desabafar. Hoje eu sei que escrevo com eles, mas é diferente. A Júlia de Carvalho Hansen, poeta que admiro muito, dizia que sentia muito os versos como uma forma energética que acessa certos conteúdos, certas sensações, certas sensibilidades. Eu diria talvez isso para mim, desde o início: que não se trata apenas sobre o que escrever, mas sim de como chegar a essa forma energética, a esse código, a essa feitiçaria que o poema faz.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gosto muito de livros que tentam misturar os gêneros. Eu me pego pensando às vezes como seria um livro que fosse ao mesmo tempo poesia e romance. É uma ideia que me acompanha.