Raquel Dommarco Pedrão é organizadora e tradutora da Revista Puñado.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gosto de começar o trabalho de cada dia com uma xícara de café na mão, seja em casa ou no escritório para onde vou alguns dias na semana; não acho que seja uma necessidade, mas é prazeroso, a mistura de calor com o cheiro e o gosto do café… Se estou em casa, ligo o computador ainda de pijama e, enquanto a cabeça vai se adaptando a estar desperta, vou organizando mentalmente as tarefas do dia, quais são mais urgentes, me lembrando do que deixei pendente no dia anterior e lendo meus e-mails.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Normalmente de manhã… mas no final da tarde trabalho bem também. Na verdade, o horário menos produtivo para mim são as horas depois do almoço, tenho a sensação que não consigo focar em nada.
Não tenho nenhuma preparação especial para escrever ou traduzir, para mim quanto mais eu demoro para ‘pôr a mão na massa’ mais ansiedade e antecipação eu crio e a qualidade do trabalho é pior.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas de escrita ou tradução diária, procuro dividir o trabalho e colocar prazos que não me obriguem a isso. A única vez em que me impus esse método foi nos meses antes de entregar minha dissertação de mestrado. Fiz os devidos cálculos e fui me forçando a produzir uma certa quantidade, do que quer que fosse, diariamente… me enfiava na biblioteca do Museu Reina Sofía de manhã e só saía para comer ou depois de terminar o número de páginas diárias. Sentia muita ansiedade, engordei uns seis quilos e foi muito chato.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende muito do meu nível de conforto com o tema. Às vezes o texto sai em borbotões, numa vertente, e eu só preciso fazer algumas revisões ou ajustes.
Mas às vezes me sinto arrancando água de pedra, tem algo dentro da minha cabeça que eu não consigo explicar, não sou hábil o suficiente para pôr em palavras. Nessas horas, tento voltar para a pesquisa, buscar mais perspectivas ou enfoques diferentes. É como uma busca por outras palavras mesmo, que eu possa emprestar para explicar meu ponto de vista.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acredito que com o tempo fui adotando uma abordagem mais prática e menos emocional em relação aos textos que preciso entregar. Foi uma virada de chave incrível e libertadora, porque acabei encontrando a minha própria voz. Pode não ser a melhor, a mais elogiada, intelectualizada, não precisa ser uma unanimidade. Mas é minha, e eu tenho pleno direito a ela – agradando ou não. Isso não quer dizer que eu esteja livre da procrastinação (risos), mas certamente me ajudou a melhorar minha ansiedade diante da expectativa dos outros (e das minhas próprias também).
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O número de revisões depende do prazo que eu tenho para a entrega. Também acontece que sempre que paro num ponto, quando retomo já vou revisando tudo o que fiz antes. Gosto de mostrar para pessoas próximas, que conhecem o meu trabalho e que possam realmente me dar uma opinião sincera e construtiva, mesmo que discordemos em algum ponto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende. Eu costumo andar para cima e para baixo com um caderninho na bolsa porque às vezes tenho alguma ideia e preciso registrar para não esquecer. Mas são sempre anotações não acabadas, que só recebem o verniz e formas finais no computador mesmo. Já para traduzir poesia, sempre prefiro começar à mão; o espaço livre do papel dá mais possibilidades para eu entender o percurso do raciocínio que levou a uma ou outra escolha.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Hábitos de criatividade eu não tenho. Mas certamente sair de casa, ir ao teatro ou ao cinema, ler o máximo possível, ir a exposições, conversar com gente diferente, viajar e tentar viver com mais intensidade as coisas do dia a dia (prestar atenção ao seu redor mesmo: dar bom dia para o vizinho, ouvir conversas na fila do pão, olhar no rosto das pessoas no metrô lotado, cozinhar) são enormes fontes de inspiração. Ou seja, acho que quis dizer que a existência em si, numa grande metrópole como o lugar em que vivo, é uma grande fonte de histórias e ideias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que o amadurecimento trouxe a segurança que mencionei antes. Não entrego meus textos com vergonha ou pedindo desculpas de antemão pelo que possa não ter ficado tão bom.
Quanto a minha tese, acho que hoje ela seria uma coisa totalmente diferente… (risos) não que eu não goste do que escrevi, às vezes até me pego relendo algum trecho e me surpreendendo (e mesmo quando não gosto muito, eu não tenho nenhum tipo de complexo: fiz o que pude com as ferramentas que tinha naquele momento), mas o panorama já mudou bastante de 2011 para cá.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um doutorado falando sobre questões e problemas de tradução e como eles influenciam a recepção de grandes obras brasileiras em outros países. Nossa, essa segunda pergunta é ótima… eu sempre penso tanto em conseguir ler todos os livros que já existem, que nunca tinha parado para pensar numa história que ainda não existe. Nem sei o que responder, mas obrigada por perguntar. Vou ficar dias, talvez meses, tentando achar uma resposta.