Raphael Lana Seabra é professor adjunto do Departamento de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo, ajudo minha companheira a “preparar” as crianças para a escola; logo em seguida, fazemos alguns exercícios físicos. Procuro ler alguns jornais, pelo menos o que chama mais a atenção. Inclusive leio mais de uma fonte para comparar o teor do que é noticiado – então leio desde a Folha de S. Paulo até o que é publicado no Rebelión.org. Também pela manhã, procuro responder os e-mails recebidos no dia anterior.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu escrevo melhor à tarde e à noite. Mas dependendo sobre o que estou escrevendo, se me interessa muito, não possuo horário melhor. Mas não tenho um ritual de preparação, simplesmente começo…
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Na grande maioria das vezes escrevo em períodos concentrados. Vou guardando anotações, acumulando leituras e quando sinto que tenho o suficiente me coloco a escrever de uma só vez. Não diria que possuo uma meta diária, porque escrevo num “bloco só” e tenho prazer em fazê-lo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Muitas vezes começo com um esboço, com algo simples. Faço algo como uma página como rascunho “bruto” do que espero, tento estipular os tópicos e algumas questões. Escrever para mim é “sistematizar” o que absorvi das leituras, colocar em ordem ideias de forma clara. Então, não é tão difícil começar. É como andar de bicicleta, quando se desenvolve o prazer da escrita, nunca é difícil começar. Outras vezes, o processo de escrita vem “por encomenda”. Por exemplo, sou convidado a ministrar um minicurso, uma palestra ou mesmo uma disciplina de conteúdo novo para mim. Preparo toda minha exposição quase que na forma de artigo, isso facilita muito na hora de avançar num texto mais elaborado. Assim, não perco praticamente nada do que faço como professor e ainda consigo combinar isso com a vida de pesquisador.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Meu medo maior é falar em público. Pode não parecer, mas todas as vezes para mim é um sufoco, é angustiante. Já escrever é o contrário, no começo da carreira eu me pautava muito pelo que os outros vão pensar ou esperar, ou se eu daria conta da temática. Mas, afinal, o objetivo é esse, escrever para o público. Sentir receio sobre a reação dos “pares” – que são nossos principais “consumidores”, que avaliam e discutem nosso trabalho – é bem normal, mas não pode ser um impedimento. O maior receio que tenho com projetos longos é o de perder o fôlego, o interesse, de manter o foco – isso já me ocorreu com um projeto que iniciei a quatro anos e segue meio “abandonado”. Inclusive porque a vida segue e não se importa com nossos projetos longos, nos impõe questões, problemas de todos os tipos que nos obrigam a revisar ou mesmo abandonar certas linhas e projetos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Leio e releio algumas vezes. Como escrevo num período relativamente curto, algumas ideias saem uma pouco “duras” ou “cruas”. Inclusive espero um dia ou dois para fazer a revisão, para me distanciar um pouco do que havia feito, isso às vezes me permite revisar melhor, esclarecer um ponto ou outro. Sempre busco algum colega bem próximo para ler e avaliar o que escrevi – tenho conseguido bons parceiros e parceiras nesse processo. E absorvo muitas das críticas, acho importante esse retorno que recebo. Depois de publicados, tenho um “bloqueio” em reler meus textos. Sou muito autocrítico e quase sempre considero que aquela perspectiva que escrevi já está superada, que já avancei. Isso me deixa ansioso para reescrever, corrigir e completar alguns pontos soltos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Muitas vezes meus rascunhos são redigidos naquelas páginas em branco que estão ao final dos livros. Alguns autores e autoras me inspiram em algo, faço uma série de notas ali. Dessas notas, jogo no editor de texto do computador e daí faço aquele esboço que indiquei logo acima.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm tanto das leituras mais variadas que faço, como também daquilo que o mundo me impõe, do que vejo e sinto pairando pelo ar. Mas vêm sempre relacionadas ao anticapitalismo, essa é a chama que move minha escrita. Outras vezes, as ideias surgem numa conversa, numa questão em sala de aula, num debate mais acalorado.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Eu imagino que escrevo de forma menos pedante. Até hoje não consigo reler minha dissertação, apesar da temática ainda me parecer interessante (como os e as trabalhadoras são convertidas em “colaboradoras” nas empresas), acho que escrevi de um modo que torna o texto cansativo, pedante e pouco acessível. Hoje procuro escrever de modo mais fluido, mais didático e sem perder a profundidade. Como mencionei acima, não escrevo para mim, mas para o público. Mas não é tarefa fácil, e ainda acho que estou aprendendo a fazer isso. Assim, se eu pudesse me dizer algo, seria para simplificar a redação, para fazer com que desde os “pares”, passando por estudantes e chegando à militância da base tenha condições de ler, compreender e se apropriar do que pude contribuir. Manter a “imaginação sociológica” viva e alimentada.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu mencionei um projeto que “abandonei” em 2014. Ele está redigido, tenho boas páginas preparadas, mas falta aprofundar. Estava mapeando como a categoria “dependência” começa a ser elaborada no Brasil e Chile nos anos 1960, e como ela é reelaborada no contexto Jamaicano e Guianês. E dessa reconstrução na Jamaica e Guiana também nos anos 1960, ela chega até a África no contexto de descolonização e é novamente reelaborada originalmente em Gana, Quênia e Tanzânia. Além de ser um projeto muito vasto, ele demanda muitos recursos para viagens e coleta de textos nesses países – uma pena que seus principais autores já tenham falecido. Eu tenho me proposto ler biografias e literatura como forma de me inspirar. As biografias de intelectuais e personagens políticos relevantes seriam uma forma de compreender melhor a relação entre autor e obra, compreender como o contexto pode abrir janelas de oportunidade para algo muito significativo. A literatura, os romances históricos, seriam para seguir algo que pouca gente sabe: Karl Marx era um ávido leitor de romances históricos, muito de sua escrita fluida e de sua crítica ácida vem permeado de alusões a personagens e temas literários – o que torna o texto muito agradável.