Ramon Ramos é autor de Tinta (2012), Caroço (2013), A vulnerabilidade como procedimento (2018) e do inédito Como me tornei Clarice.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A vida é uma ordem. Quando não tenho de pegar o trem ou o BRT para dar aula, eu gosto de ir à academia pela manhã — o que faço no final de semana, por exemplo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrever não é trabalho. Ainda que eu trabalhe voluntariamente num pré-vestibular comunitário, a palavra trabalho para mim é muito vinculada a dinheiro. E escrever não paga boletos (não os meus).
Escrever sou eu em desordem, então não vejo sentido em me forçar à ordem para produzir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Minha única meta na vida é pagar boleto. Todo o resto é uma compilação de acidentes, de modo que escrevo muito pouco. Quando há o choque, o espanto, o acidente que altera o curso da rotina e do pensamento, aí escrevo, anoto, que é o meu procedimento inicial.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo se dá quando há inspiração (ou o que valha por esta palavra hoje tão demonizada em prol do esforço, do trabalho, do autor como aquele que sua, como se isso lhe conferisse mais mérito). A inspiração é a parte das anotações, de pontuar ideias ou pontos interessantes para usar. Se a ideia necessitar de algum estudo, vou atrás e pesquiso para desenvolver — e o desenvolvimento é outro parto. Da pesquisa à escrita em si, diante do computador, são muitos dias e semanas de pensamento puramente obsessivo. Obsessivo no sentido da possessão mesmo, de ver o conto/história/trecho/enfoque em qualquer lugar, desde num livro sem nenhuma proximidade temática a exercícios de repetição na academia ou assuntinhos de fila de mercado. É pensar nisso o tempo todo o tempo inteiro ao ponto de se sentir incapaz de concretizar, de, imerso nessas ruínas circulares, saber se você é que ainda tem a ideia ou se a ideia agora é que te tem. Essa clara falta de domínio de si é um dos procedimentos propulsores para, quando me sento diante do computador, poder desenvolver um material que corresponda à intensidade dos dias/das semanas anteriores. Se o texto não sair visceral, carregado de neura e obsessão, não presta.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido com a procrastinação procrastinando. Com a ansiedade, ficando ansioso. Com o medo de não corresponder, sustentando o medo com palavras. Não forço o ato da escrita, porque acho que fica fake; elástico tensionado demais afrouxa, perde intensidade. Sobre expectativa, a que correspondo (ou não) é sempre minha — até porque só tenho 6 leitores —, então ela se torna alta na medida em que leio o que há de melhor no contemporâneo e me julgo na obrigação de estar à altura.
Não subestimo a espera, acho importante viver a ansiedade do quando não sai. É chato, dá gastrite, sensação de nulidade existencial, mas daí sai a força da escrita, desse constante lembrete de que ela pode facilmente não existir e que, se for para vir ao mundo, que valha a pena.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
7 vezes.
Costumo mostrar para ex-professores, ex-orientadores, amigos da área (gente muito mais sábia e sofisticada que eu) — em suma, pessoas que gentilmente aceitam fazer a leitura sem concessões afetivas. Tento evitar ao máximo qualquer chuva de confetes.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Um pouco em cadernos e um pouco no computador. Não tenho nenhuma relação especial com a tecnologia nem com a caneta. É só instrumento — como garfo, faca, maçaneta —, sem romantizações.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Certos hábitos alimentares, alto grau de digestão interna e uma quantidade desproporcional de estresse e nervosismo me fizeram cultivar hemorroidas ocasionais, uma úlcera no estômago, gastrite, intensas dores no tornozelo. Considerando que muito do que escrevo parte desses pontos, penso que o modo como mantenho o corpo é um pouco o modo como me sustento no texto.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
No processo em si não vejo muita mudança. Acontece que a gente fica melhor quando o tempo passa — o que não significa ficar bom. Porque o começo é tão ruim que, se eu voltasse àquele tempo, não diria nada, apenas tacaria fogo em tudo e em mim mesmo pelo horror de publicar coisa ruim. É do nosso tempo esse processo de publicação rápida, então o texto não amadurece, a pessoa (que busca a qualquer custo ter o rótulo de autor) não amadurece, e os textos ficam aquele abacate claramente verde que abrimos e, impossível de degustar, ficamos olhando sem saber o que fazer antes de jogar fora.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não penso na escrita como projeto, penso que os movimentos se dão em pulsões. Tenho uma tentativa de romance em andamento, mas escrevo muito devagar, é preciso não gastar palavras.
Gosto de ler os livros que existem. São tantos. São tão poucos os que li.