Ramon Nunes Mello é poeta, escritor e ativista dos direitos humanos, autor de “A menina que queria ser árvore” (Quase oito, 2018).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Atualmente, possuo uma rotina disciplinada pautada pela prática diária de meditação e prática de ásanas, por conta do trabalho que desenvolvo como professor de Yoga. Então, acordo, às 5h30, tomo uma café da manhã leve: basicamente tomo café e como uma fruta. Em seguida, medito por 30 minutos e vou dar as aulas particulares de Yoga. Como sempre fui notívago, essa mudança nos meus hábitos foi um grande desafio. Após a prática, por volta das 10h, me dedico à leitura de livros e sites sobre assuntos que estou pesquisando.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Estou sempre atento à poesia, mas não tenho hora específica para escrever poemas. Quando sinto que tenho um poema ou um rascunho de um verso, anoto em pedaços de papel e, depois, passo para o computador. Quando compreendo que tenho um livro, começo a trabalha-lo com mais disciplina num horário específico. Em geral, levo mais de quatro anos para escrever um livro de poemas. Não tenho pressa com a escrita, cada vez mais desafio à velocidade. Quando se trata de um trabalho com prazo, artigo ou resenha, por exemplo, me exijo mais disciplina. Não possuo um ritual para a escrita, mas tenho preferido escrever no silêncio da madrugada.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Só estabeleço meta diária para a escrita quando o trabalho me exige um prazo. Assim, busco o aprendizado na disciplina do jornalista. Escrevo diariamente, apesar de estar sempre a fazer anotações, escrevendo e reescrevendo ideias para poemas e outros textos híbridos. Entretanto, percebo que funciono melhor quando escrevo em períodos concentrados com um objetivo. Escrevo porque é a minha forma de lutar, de me sentir vivo. Como dizia o poeta Roberto Piva, “a poesia pode não acabar com a guerra, mas, ao menos, evita que as pessoas deixem de sonhar”. Escrever poemas me ensina a não morrer, a resistir.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita é caótico. Por conta do caos do processo de criação, tenho me exigido cada vez mais atenção e disciplina. Não saberia dizer exatamente como me movo entre a pesquisa e a escrita, mas gosto de imaginar um barqueiro remando contra a maré. Escrever é um esforço e um prazer, exige paciência e persistência para se realizar essa travessia infinita que é a escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tenho mais dificuldade em vencer a procrastinação do que o medo de não corresponder ou a ansiedade de um trabalho. A cada trabalho, tenho buscado me organizar melhor, buscando atenção em cada etapa do processo. Às vezes falho, mas tem aprendido a integrar os erros, dar um passo para trás para depois seguir. Tenho alguns projetos inacabados, e compreendi que está tudo certo, a vida é assim. Acredito que o importante é ter presença, estar inteiro e dar o meu melhor naquele momento. Sobre a ansiedade, controlo fazendo atividades que tragam tranquilidade mental, como o Yoga, por exemplo. Quanto corresponder expectativas, não tenho questão, não quero corresponder a nada nem a ninguém, muito menos ser exemplo de algo, quero apenas dedicar-me ao que acredito, com respeito a minha própria trajetória e aos meus limites.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso o texto muitas vezes, depois deixo as palavras descansarem para retomar a leitura. Antes de publicar um trabalho passo para outras pessoas que confio para uma leitura crítica. Acredito que é necessária essa troca, esse diálogo sobre o que será publicado, para que o texto possa ganhar amadurecimento e, consequentemente, força.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende. Se escrevo poemas, gosto de colocar os versos no papel primeiro. Leio os poemas em voz alta, para perceber o ritmo e a natureza das palavras, antes de passar para o computador. Quando se trata de um artigo ou ensaio, vou direto para o computador e começo a escrever. Tenho uma relação saudável com a tecnologia, gosto da internet e das redes sociais que revolucionaram nosso modo de viver. A escrita também é afetada com toda essa interação e estímulo, o desafio é conseguir navegar, filtrar, escolher para não se perder no tempo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Cultivo as ideias a partir de leituras de livros, da relação com a cultura e com a natureza. Para me manter criativo tenho de me manter próximo da natureza, do mar e da cachoeira e estar acompanhado de bons livros, boas músicas e pessoas que me inspirem.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sem dúvida, a vida é movimento e transformação. Não seria diferente com a escrita. Eu diria: Ramon, continue escrevendo e não se leve tão à serio.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero terminar um romance que comecei a escrever. Gostaria de ler mais livros que naturalizassem a presença das pessoas que vivem com hiv/aids na literatura, sem tabu ou preconceito.