Rafaela Riera é escritora, autora de “Descanso” (Penalux, 2020).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Pra falar a verdade, eu sou uma pessoa que muda a rotina toda hora. Até pouco tempo eu acordava junto com a minha filha, tomávamos café e então eu aproveitava a hora da TV dela para adiantar o que eu precisava. Porém, com a chegada da pandemia e a sobrecarga que eu ganhei nessa época, resolvi criar uma nova: acordo todos os dia às 5 horas da manhã, tomo um café e aproveito essas horas extras para trabalhar, até minha filha acordar lá pelas 8 horas. Nestas horas, tem dias que eu escrevo e outros que uso para adiantar o que preciso fazer para o Novas Clarices, o projeto que criei há mais de um ano para ajudar a dar voz e valorizar a escrita feita por mulheres brasileiras.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Depende muito da época. Hoje, gosto de trabalhar pela manhã ou a noite. Eu não sou do tipo que escreve todos os dias. Na verdade a história surge e eu fico matutando ela por um bom tempo. Lavo louça pensando nela, tomo banho pensando nela, dou janta para a minha filha pensando nela, faço exercícios pensando nela. Então, quando eu acho que já pensei o bastante, sento para escrever. Sinto que as histórias rendem mais quando dou um tempo para elas crescerem e respirarem.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como falei, eu não escrevo todos os dias. Eu me programo para sentar e focar na escrita. Enquanto isso não acontece, eu fico remoendo a história na minha cabeça, fico construindo ela na minha cabeça todos os dias, em tudo o que faço. Eu acho que o papel permite tudo, mas a cabeça é uma viagem muito maior. E como eu tenho uma memória muito boa, guardo tudo para escrever depois. Por isso que, para mim, pensar muito é tão importante.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu gosto de passar as histórias na minha cabeça por muito tempo. É quase uma novela mesmo. Aí eu tenho uma mania bem estranha: eu ponho a “trilha sonora” certa para a cena que eu estou pensando e fico andando pela casa sem parar, montando cada parágrafo. Eu posso ficar horas fazendo isso, com meu fone de ouvido pra lá e pra cá dentro de casa. Mas aí, quando chega a hora de escrever, eu sento e nem sempre sai exatamente da forma que eu pensei. Mas eu sinto que eu conheço tanto o personagem, já sou tão íntimo dele, que não importa o que acontecer, eu vou saber quais serão suas ações e reações.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Se eu começar a escrever pensando no que vão achar, aí já começou errado e fico toda travada, fica impossível escrever. Tento escrever sem pensar no mundo lá fora, só o que eu gosto mesmo. Eu sou uma pessoa muuuito insegura naturalmente, e na escrita eu me sinto livre para arriscar. Se eu travo, tento sair e arejar a cabeça, ver um filme e ler. Eu leio muito. Tenho filmes e livros na manga que sempre me ajudam nisso, como La La Land e A chegada. E os livros da Carola Saavedra, qualquer um deles, e “História de sua Vida e outros Contos”, do Ted Chiang me dão uma energia incrível. Além de insegura, eu também sou a rainha da da ansiedade. Acho que o que me ajuda muito é me cercar de pessoas boas, para quem eu posso contar sobre o que estou escrevendo sem medo. O meu marido é o meu grande parceiro pra isso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso bastante, pelo menos mais umas 4 ou 5 vezes. Mas confesso que vou por partes, não leio tudo de uma vez. A segunda coisa que faço, depois de revisar, é mostrar para o meu marido, o Zé. Ele é a pessoa que eu mais confio nesse assunto. Eu sei que ele vai ser sincero e me falar de verdade o que acha. Além do mais, ele é a pessoa mais exigente que eu conheço. Sabe aquela pessoa que vai palavra por palavra? Do tipo “chato” e que diz na lata e sem dó quanto acha que está ruim. Então, esse é o Zé. No caso do “Descanso”, ele acompanhou e revisou o livro desde que comecei a escrever o primeiro capítulo. E quando o livro estava fechado, eu mandei para duas amigas também: a Bia e a Luisi. Eu não sou de mostrar para muitas pessoas, prefiro ir naquelas que eu sei que não vão mentir para me agradar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu amo a tecnologia. Acho que sou uma otimista com isso. Acho que ela proporcionou muitas trocas boas. Faço tudo pelo computador mesmo. Tenho um monte de caderno pela casa, mas só uso para fazer pequenas anotações. Eu demoro demais para escrever à mão, prefiro a agilidade do teclado.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Olha, acho que elas vêm da vida mesmo. A ideia inicial de Descanso por exemplo, eu escrevi há uns 5 anos em um caderno e larguei. Foi uma época que eu escrevia toda noite antes de dormir, minha filha nem tinha nascido. Às vezes, eu até pensava na história, mas não focava nela. Até eu começar o curso do Marcelino Freire, na B_arco. Foi ali que eu resolvi pegar essa ideia e focar nela. E acho que a partir do momento que você se abre para novas histórias elas chegam até você, porque você mudou o seu olhar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que hoje eu penso mais antes de escrever. Antes, quando eu tinha muito tempo livre, eu ia pro computador sem a mínima ideia do que escrever. Eu digitava até sair algo que eu gostasse. Hoje, quando sento, já tenho ideia do que vou colocar ali.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que eu gostaria de fazer eu já tirei do papel há pouco mais de um ano. Está lá no Instagram. O Novas Clarices surgiu da minha vontade de indicar livros escritos por mulheres brasileiras. O projeto cresceu e hoje eu entrevisto uma escritora por semana, mulheres de todo o Brasil que eu admiro muito e tenho a oportunidade de bater um papo muito gostoso sobre processo de escrita e literatura. É maravilhosa a quantidade de escritoras incríveis que temos hoje no Brasil. É uma safra linda. Sobre o livro, acho que gostaria de ver mais ficção científica, distopias e afins, especialmente escrito por mulheres. Sou completamente fascinada pelo gênero.