Rafaela Manzo é jornalista, escritora e pós-graduanda em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
No mundo corporativo, por onde trabalhei por quase 20 anos, eu tinha uma rotina. Horários, compromissos, agenda. Vivia em função do trabalho e pouco me organizava para escrever, por exemplo. Hoje eu não tenho mais uma rotina, o que me dá liberdade para fazer isso – escrever qualquer hora do dia, da tarde e da noite. Gosto muito da noite para produzir, então a manhã costuma ser um turno menos acelerado. Quase sempre é nele que produzo, por exemplo, conteúdos mais técnicos para meus clientes, na área de Comunicação.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pela manhã e tarde sinto que produzo mais para clientes. À noite produzo para meu deleite e prazer, quando tenho um projeto em mente. Muitas vezes sou tomada de sobressalto por um conteúdo ou uma nova ideia no horário de dormir, após as 22h, ou durante o banho, quando sinto me abrir mais para conexões criativas. Se não tenho um computador aberto na hora, uso o bloco de notas do celular para registrar um conteúdo que não gostaria de esquecer. Não tenho ritual para escrever. É algo absolutamente orgânico e natural.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco todos os dias, mas sem uma meta de escrita diária. Quando escrevi meu livro, pela própria dinâmica dele, consegui concluir o raciocínio em uma semana. Literalmente, escrevi todas as páginas em sete dias. Cada caso, cada projeto, cada texto chega de uma forma. Eu tento obedecer ao “convite”, porque acho que o escritor é um veículo de mensagens, um canal para transmitir coisas importantes ao mundo. Quanto mais rapidamente permito que o texto chegue, mais rapidamente ele se finaliza. Nesta etapa eu me sinto, tão somente e cada vez mais, canal e instrumento.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não gosto de regras. A minha escrita é intuitiva, orgânica, natural. Nunca fiz pesquisa antes de começar a escrever. Primeiro escrevo, começo – se, ao longo do processo, sinto necessidade de incluir algo, aí sim eu pesquiso. Muito mais para me certificar de que estou caminhando na direção certa do que para me orientar, de fato.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Talvez esse seja o maior desafio do escritor: a necessidade de corresponder às expectativas. Sinto que esse também acaba sendo um bloqueio. Muitas vezes tenho uma boa ideia, mas não sei se ela pode ‘vingar’, do ponto de vista comercial, para se tornar um livro, um roteiro, algo que se materialize. E quando eu não acredito que isso é possível, a ideia parte e não me usa. Elisabeth Gilbert diz, em A Grande Magia, que a ideia nos usa, nos convida – e se não dissermos sim a esse convite ela procura outro interlocutor para se materializar. Acredito cada vez mais nisso. Sinto que dezenas de boas ideias já bateram em minha porta e eu disse não exatamente por achar que não corresponderia às expectativas. Quando não me preocupo com isso o texto vem fluido. Do meu ponto de vista, a expectativa do resultado bloqueia todo o processo criativo. Por isso cada vez mais tendo a me preocupar menos com o resultado – e mais com o processo, em si.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Dificilmente reviso. Antes sequer fazia isso, hoje já tenho algum cuidado – sobretudo se os textos não serão assinados por mim. Enquanto respondo essa entrevista, por exemplo, não volto em momento algum para ver se a gramática, por exemplo, está correta. Vejo isso, se necessário, no final. No meu livro, que publiquei em 2015, revisei mais vezes que eu gostaria, e ali aprendi que esse é um trabalho que outra pessoa deveria fazer – a revisão final. Dificilmente uma mente criativa se importa com “detalhes” ou rigor técnico. Meu livro foi publicado com alguns erros que, hoje, entendo que foram parte do meu processo com ele. Sobre mostrar a outras pessoas, quase sempre isso só acontece quando divulgo o texto final, pronto. Sinto que quanto menos intervenção e direcionamento externo um texto tem, mais honesto e leal ele é à ideia que o originou.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Os primeiros textos que escrevi, ainda menina de 9 anos, estão todos manuscritos. Eu realmente gostava dessa etapa, de escrever à mão. Hoje, até pela dinâmica da vida moderna, quase nunca escrevo à mão. Tenho um bom relacionamento com a tecnologia, que uso como recurso. Desta forma (escrevendo pelo computador) sinto que atendo mais à velocidade com que uma ideia chega à minha mente, com menos risco de deixar escapar uma linha de raciocínio.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não tenho a menor ideia de onde elas vêm (risos), mas sinto que deve ser um bom lugar para visitar. Antes eu tinha impressão de que quem escrevia era o meu ego, hoje eu sinto que quem faz isso melhor é a alma, e ela é linda e exclusivamente movida pela intuição. Se tento atrapalhar com a mente linear, racional, o texto rapidamente perde a vida, a emoção – e para mim, todo o seu sentido de existir. Em linhas gerais eu mantenho a mente aberta, vivo as experiências no mundo real intensamente (e as histórias que vivo são a matéria prima da minha escrita), permito ser usada como canal e deixo vir o que quiser vir. Ser curiosa, boa leitora, cinéfila e apreciadora das obras dos outros também me inspira.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tudo mudou. Antes eu tinha um compromisso com o padrão e a opinião do outro, mais do que com a escrita em si. Sinto que escrevia para ser amada, aceita, compreendida. Hoje eu escrevo para me lembrar de coisas importantes, para que eu mesma me lembre delas. Quando parei de me preocupar com o resultado, com o impacto que o meu texto teria na vida de alguém, aí sim ele começou a cumprir esse papel: de exercer influência. Quanto mais autêntica eu me permito ser, sem crítica ou julgamento, mais o texto é franco, original e provocador.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Muitos. Mesmo. Tenho em mente dois novos livros, em duas direções opostas, e sinto que estou esperando o convite perfeito para embarcar na segunda obra. Por enquanto, para além da busca pelo resultado (de que os textos sejam publicados num livro) eu sigo compartilhando as mensagens, pequenos textos que chegam o tempo todo, ao longo dos dias, e pedem para ser compartilhados. Fui muito impactada por livros que contam a história de escritores que começaram mal (e isso é quase sempre uma constante na vida de um escritor) e talvez essa seja a obra mais interessante que escreverei – sobre tudo o que vivi e aprendi para simplesmente me permitir ser usada, fluida e naturalmente, pela “musa” que transcende a minha compreensão racional. Gosto de contar histórias, não apenas as minhas, e penso que os meus novos projetos virão com esse tom. Acho que todo ser humano é um livro ou merece ter um livro das suas histórias compartilhado. Somos ricos, nossas experiências sempre ensinam algo importante, e talvez esse seja um dos legados mais valiosos que alguém pode deixar no mundo – o relato de aprendizado das suas próprias experiencias, um diário de bordo da sua jornada nesse planeta. Não para que seja um guia ou manual para os outros, mas para que seja inspiração. Todos podem ser “escritos”.