Rafaela Chor é escritora, artista visual e atriz.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu começo o dia me alongando e bebendo água. Procuro comer algo leve, tomo um banho e cuido das minhas plantas, só depois abro o computador para trabalhar. A partir daí, cada dia segue de maneira diferente, pois trabalho como freelancer.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu gosto muito de aproveitar o período da tarde para produzir, me sinto mais ativa e penso com mais clareza. Para escrever eu preciso estar num cômodo sozinha ouvindo música, de preferência instrumental. Costumo ouvir muito o som do Vitor Araújo, um pianista nordestino que me deixa com água nos olhos em ver sua conexão com o piano, e a banda Islandesa Sigur Rós, que cria faixas incríveis com uma pegada mais etérea. Indispensável também é o som do Yann Tiersen que possui canções que te ajudam a mergulhar em qualquer história.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende muito do trabalho que estou exercendo. Se é algum freela eu prefiro produzir um pouco a cada dia para não deixar acumular. Quando estou trabalhando nos meus livros eu evito essa cobrança, pois costuma ser uma escrita diferente, que requer mais sentimento e menos razão. Às vezes passo quatro dias sem escrever nada e aprendi que está tudo bem, não precisamos ser produtivos o tempo todo, é muito importante respeitar o momento pessoal de cada um. Eu, por exemplo, durante essa quarentena devido ao vírus COVID-19, estou produzindo bem menos do que eu esperava, mas estou levando em consideração a minha saúde mental em primeiro lugar e creio que esse método tem funcionado, pois quando não estou em condições de escrever, eu leio, o que não deixa de ser um estudo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu percebi que eu escrevo melhor quando faço primeiramente um brainstorm e vou lapidando aos poucos o material. Não chegam a ser anotações aleatórias, é mais como escrever um texto sem pausa por alguns minutos, inclusive utilizo esse método também quando dou oficina de escrita criativa. A fase da pesquisa é tão importante quando o produto, e como uma boa virginiana, procuro sempre checar fontes, etimologia das palavras, dicionário, contexto histórico, enfim, tudo que possa me dar uma boa base para que depois eu consiga brincar melhor com o que tenho em mãos. Recentemente escrevi sobre uma árvore em específico para fazer uma analogia em um livro, e por semanas eu estudei o ciclo de floração, onde ela cresce, características físicas, entre outras informações que me dessem segurança na hora de passar a informação ao leitor. A primeira fase do processo é mais solta e a fase da lapidação é de tentar obter maior controle das diferentes interpretações que o material pode passar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Logo quando comecei a levar a escrita como profissão eu entendi que ela não funcionaria sempre de maneira tranquila e fácil, muito pelo contrário, é algo que me tira o sono muitas vezes e me faz querer jogar o texto pro alto por não aguentar mais reler a mesma coisa. O bloqueio é real e muito frustrante. Nesses momentos eu tento me afastar do computador e focar em outros estímulos para tentar fazer com que a inspiração venha de algum lugar que antes eu não percebi. Caminhar, ler, ouvir música, cuidar do jardim, tudo isso para mim é estímulo que eu deixo de sentir quando estou na frente da tela. A partir do momento que eu me desligo e foco nesses pequenos prazeres, eu ativo zonas do meu cérebro que antes estavam em modo de espera. Funciona sempre? Não. Nem sempre é como queremos, e muitas vezes fiquei períodos longos sem escrever algo que me desse a sensação de dever cumprido. É natural que isso aconteça e o que acho importante é não nos rendermos ao bloqueio, e sim procurarmos alternativas para quebrá-lo. O que funciona hoje pode não funcionar amanhã e por aí vai. Para projetos longos eu procuro realizar etapas, dividir em pedaços para que eu possa me organizar, mantendo sempre um plano B caso eu não esteja em um dia bom para escrever, nesse caso eu passo o dia pesquisando referências.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Mais vezes que eu gostaria. Por ser virginiana, eu tenho muita dificuldade em me desprender de um trabalho e classificá-lo como finalizado. Acredito muito nas palavras de Carlos Drummond de Andrade quando ele diz que o escritor não termina o texto, ele simplesmente desiste dele. Chego a passar um dia inteiro presa na mesma poesia até que eu me sinta confortável com o resultado.
Depende. Antes de publicar um livro, por exemplo, eu o envio para algumas pessoas, assim eu posso ter uma noção de como esse material está chegando ao público. Se for algum trabalho mais tranquilo ou algum post para blog, eu mando para no máximo uma pessoa. Quando são freelas de redação, eu deixo esse material apenas para o cliente avaliar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Hoje em dia eu escrevo tudo pelo computador ou pelo celular quando não estou em casa. Não gosto muito de escrever a mão por dois motivos:
A minha letra sempre foi toda bagunçada e acabo me perdendo nas anotações. Eu até cheguei a manter um diário poético todo escrito à mão, mas não deu muito certo, com o tempo eu fui esquecendo e fazendo tudo de maneira digital, até pelo medo de perdê-lo um dia, acho mais seguro manter os arquivos na nuvem.
Até chegar na versão final do trabalho, eu apago e reescrevo inúmeras vezes, fazer isso à mão seria muito trabalhoso e desperdiçaria muito tempo que eu poderia utilizar escrevendo rapidamente novas alternativas pelo teclado do computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Muito do que eu escrevo é relacionado a acontecimentos vividos por mim ou pessoas ao meu redor. Procuro sempre guinar meu trabalho em direção ao empoderamento feminino e LGBTQIA+, pois são assuntos que tenho um certo lugar de fala e posso discutir com mais propriedade. Procuro sempre ler e estudar para me manter em dia com as informações e eventos recentes, mas também cuidando sempre da minha saúde mental, para não ser bombardeada de notícias trágicas que me tirem as energias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu com certeza amadureci muito a minha maneira de enxergar o mundo e as pessoas e isso reverberou na minha escrita. Sinto que hoje tenho mais facilidade em me colocar diante de uma temática. Comecei a escrever aos sete anos e desde então, nunca parei. É bem nítido ver a mudança nos meus últimos três anos de escrita, que foram decisivos para eu escolher se iria levar a literatura como hobby ou profissão, pois sinto que há uma certa urgência de comunicar o que antes eu não sabia como colocar em palavras. Hoje tenho mais facilidade em expressar uma opinião mais política e sempre voltada para o reconhecimento de minorias, coisa que eu não pensava tanto em colocar no papel há alguns anos, já que não tinha repertório o suficiente para tal.
Se eu pudesse dar um conselho para a Rafaela de alguns anos atrás, seria para ler mais.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu comecei o projeto de escrita de um livro de contos infantis que tenho muita vontade de voltar a mexer, mas no momento ando muito ocupada em lançar o segundo e na escrita do terceiro. Creio que seja um projeto para 2021.