Rafael Valim é professor da Faculdade de Direito da PUC/SP.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Apesar de ser notívago, acordo cedo todos os dias e, após o café da manhã em família, dirijo-me ao meu escritório. Sou avesso à rotina, mas, de modo geral, no início da manhã leio notícias, respondo mensagens para depois me dedicar à leitura de textos mais densos ou à elaboração de trabalhos acadêmicos ou profissionais.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor no período noturno. As madrugadas sempre foram boas companheiras de meus estudos. Quando tudo está calmo – sem demandas profissionais, familiares, acadêmicas – consigo articular melhor as ideias e colocá-las no papel. Aliás, é numa linda madrugada de outono que redijo estas linhas.
Sou incapaz de seguir rituais, mas a minha escrita é sempre acompanhada de um bom charuto. Afasta o sono, ajuda-me na concentração e evoca bons pensamentos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos muito concentrados. Muitas vezes passo meses pesquisando e refletindo sobre algum tema e, quando sinto que ele está maduro, sou capaz de passar dias seguidos dormindo duas ou três horas por noite até concluir a redação do trabalho.
Não tenho metas diárias de escrita, em decorrência de minha aversão à rotina.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nunca é fácil começar o processo de escrita, sobretudo porque sou muito rigoroso com a pesquisa. É uma longa jornada até julgar-me habilitado a escrever sobre algum assunto.
A ponte entre a pesquisa e a escrita são as notas. Durante a pesquisa vou estruturando o trabalho e o preenchendo com notas e observações. No momento da escrita recolho aquele material bruto e o lapido com cuidado, oferecendo às leitoras e aos leitores o resultado de minhas reflexões.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Escrever, para mim, é uma atividade extenuante. Todo parágrafo é um parto, pois penso e repenso sobre cada palavra. Em relação às travas da escrita, sempre as enfrento. Tenho uma escrita linear, de modo que, diante de dificuldades, insisto até superá-las.
A esta altura de minha vida, não me ocupo um segundo das expectativas alheias. Não escrevo para agradar as pessoas, mas para tentar compreender determinadas realidades. Em rigor, parece-me que não são dignos de confiança escritores que se preocupam com as expectativas de seu público.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Escolho cada palavra com o máximo de cuidado, tentando conciliar o rigor científico com a clareza da exposição. Isto, por um lado, exige um esforço enorme na construção do texto, mas, por outro, facilita significativamente o trabalho de revisão. Praticamente não reviso meus textos. Apenas faço uma leitura atenta antes de remetê-los à publicação.
Tenho o costume de compartilhar meus textos com alguns amigos, a fim de receber críticas e sugestões. Como tenho a felicidade de privar da amizade de pessoas extraordinárias, estabeleço nestes momentos um riquíssimo diálogo, do qual extraio valiosas contribuições aos meus textos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo diretamente no computador, embora mantenha sempre à mão um bloco de notas onde registro pensamentos que vão surgindo ao longo do dia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias emergem de todos os aspectos da minha vida. Não paro de ter ideias um minuto sequer. Sou assaltado por ideias e projetos ao ler um livro, ouvir uma música, viajar, cuidar do jardim, interagir com amigos e alunos, caminhar, entre outras atividades.
Não tenho hábitos para manter a criatividade, mas penso que ela depende de uma abertura de espírito que encontramos, sobretudo, na arte.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Creio que o meu processo de escrita se tornou mais objetivo, menos errático. A experiência nos permite antever certas dificuldades, estruturar com maior facilidade o texto e usar a linguagem adequada ao público leitor.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muitos projetos em gestação. Um deles, que ainda não comecei, é uma teoria crítica do Direito Público, especialmente do Direito Administrativo.
Quanto ao livro que gostaria de ler e que ainda não existe, seguramente seria um livro de história do Brasil que descrevesse como superamos mais um golpe de Estado, revertemos os retrocessos sociais, vencemos um nefasto estado de exceção jurisdicional e logramos edificar, finalmente, uma sociedade, justa e solidária.