Rafael Soares Gonçalves é professor do departamento de Serviço Social da PUC-Rio.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu começo meu dia, preparando o café da minha filha mais velha e, assim que ela sai, vou nadar. Nado das 6h30 às 8h todos os dias, algo como 4km por dia. Atividade física me faz um bem e me ajuda no estresse do dia-a-dia. A piscina pode ser entediante para muitos. Para mim, serve como terapia e para pensar no que preciso escrever durante o dia.
Antes de começar a escrever, depois da piscina, preciso ler o que está acontecendo no mundo. Entro em alguns sites e jornais, abro meus e-mails e vou entrando aos poucos nas temáticas que estou abordando, ou seja, é preciso de um aquecimento.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sempre trabalho melhor durante o dia e tenho muita dificuldade logo depois do almoço e de madrugada. Eu preciso organizar as fontes que tenho e, como um artesanato, vou costurando as ideias. Assim, eu tenho normalmente vários projetos em aberto. Consigo trabalhar em vários artigos, mas, no momento final da redação, prefiro me concentrar em um só trabalho. Tenho a tendência em separar bem o levantamento e tratamento das fontes e a redação do texto. Não gosto de ter que procurar dados e informações no decorrer da escrita. Assim, antes de começar a escrever, faço um plano bem detalhado com todas as ideias e fontes que vou utilizar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
É impossível escrever todos os dias. Dou aula, oriento, faço pesquisa de campo e vou aos arquivos. Consigo ler com facilidade todos os dias e em qualquer lugar, mas prefiro e necessito concentrar um pouco de tempo para a escrita. Assim, prefiro organizar períodos mais longos durante a semana para escrever do que tentar escrever um pouco todos os dias. Se eu tiver uma hora para escrever, vou praticamente voltar no que escrevi no dia anterior. Sempre digo aos meus alunos que o momento da escrita precisa de certo tempo para que possamos entrar na dinâmica da escrita. É claro que isso seria no mundo ideal, mas, às vezes, estamos com prazos apertados e precisamos fechar artigos e temos que escrever com o (pouco) tempo que temos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu junto às referências e crio um arquivo. Em primeiro lugar, fico mexendo incessantemente nesse arquivo: crio pastas, fecho pastas, divido pastas e vou juntando tudo. A organização do arquivo é, ao mesmo tempo, o processo de pesquisa e a organização da redação. Temos sempre a tendência de procrastinar a redação, pois sempre achamos que falta um documento, uma referência bibliográfica… A minha estratégia é fazer um plano de redação prévio extremamente fino. Nesse plano, coloco os subitens aparentes e as ordens das ideias que pretendo abordar, mas que não serão necessariamente subcapítulos. O fato de ter estudado na França me forçou muito a valorizar esse momento da escrita. Eles são extremamente rígidos com a produção do plano e, no meu caso, quase sempre em três partes. Assim, em um segundo momento, depois de fechar o plano, eu vou inserindo as fontes e as referências, ou seja, vou dialogando com as fontes e os diversos autores. Nesse momento, eu ainda não estou propriamente redigindo, estou somente colocando o material que juntei na pesquisa e eventualmente colocando algumas ideias que desenvolverei depois. Todo esse processo me custa praticamente metade do tempo de redação. Por fim, fecho todos os livros e paro de rever as fontes. Em tese, tudo já está ali. Então, eu me concentro em redigir, costurando as ideias que já estão ali.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Os prazos sempre estressam, mas, com o tempo, eles nos ajudam a evitar a procrastinação. Acho que no nosso meio há muito ego. Penso que o conhecimento é sempre limitado e podemos sempre avançar e nos questionar. Muitas vezes quando leio coisas que escrevi no passado, fico admirado, mas, às vezes, decepcionado também. Normalmente acho que poderia ter feito algo melhor. Procuro articular projetos menores sempre com um projeto mais amplo e de longo prazo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso várias vezes e tenho sempre o hábito de imprimi-lo para uma revisão em papel. Quando possível, tento circular entre colegas para que possa receber as devidas críticas e sugestões. Tenho muito hábito de escrever a quatro mãos. É uma experiência difícil, mas muito enriquecedora. Escrevo muito com colegas e, nos últimos anos, com alunos, com meus orientandos. É um desafio, uma constante negociação, mas também um grande aprendizado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo sempre no computador, mas, como disse na resposta anterior, sempre procuro corrigir no papel. Gosto de ler no papel e parece que isso me ajuda a encontrar erros que pareciam invisíveis na tela do computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A antropóloga Colette Petonnet falava da observação flutuante, ou seja, estou sempre disponível e atento às situações. Seria algo próximo da deriva dos situacionistas em relação à cidade. Temos que estar sempre atentos com tudo que se passa ao nosso redor. Costumo explicar aos meus alunos, que não temos como dividir a nossa vida privada do fato de sermos pesquisadores. Somos pesquisadores o tempo inteiro. Eu me lembro durante a redação da tese, que sempre levava um caderno comigo. Como estava escrevendo em francês, a questão da redação era mais angustiante. Sempre que tinha alguma ideia, mesmo que estivesse no meio do metrô, parava tudo e escrevia para não perder a ideia. Fui juntando dezenas de parágrafos assim e que foram úteis depois.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que consigo avançar mais facilmente. A experiência nos confere mais rapidez. Como qualquer ofício, penso que aprendemos a escrever. E, como qualquer ofício, se paramos, acabamos perdendo o jeito. A minha angústia é não ter tanto tempo para dedicar períodos mais longos em projetos maiores. Somos avaliados pelo que produzimos e, muitas vezes, infelizmente, pela quantidade de coisas que produzimos. Eu certamente faria outra tese com o mesmo objeto. Naquele momento, dei pouca importância à memória e aos relatos orais, o que seria certamente parte central do meu texto hoje.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Esse é uma pergunta angustiante, pois gostaria de fazer tantas coisas… Além das questões urbanas, gostaria de trabalhar temas diversos desde política internacional até questões relacionadas com a sociologia da religião. Enfim, venho discutindo sobre questões urbanas, especialmente sobre a história das favelas do Rio de Janeiro. Gostaria de ampliar a discussão para outras temáticas, como os sistemas de transporte ou as redes de serviço coletivo, sempre em uma perspectiva histórica. Gostaria também de escrever de forma comparada sobre as favelas de outros países.