Rafael Lazzarotto Simioni é professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Todos os dias tento acordar antes das 6h para praticar esportes, mas isso nunca aconteceu. Entretanto, seguirei tentando. Antes da chegada do pequeno Otávio, meus horários eram mais flexíveis. Podia esticar um pouco mais a madrugada lendo ou escrevendo. Hoje isso não é mais possível. O Otávio acorda sempre por volta das 7h e, junto com ele, a casa toda.
Com exceção de um café puro sem açúcar, não sigo uma rotina matinal. Procuro sempre explorar novas experiências. No geral acordo para ir à faculdade. Mas às vezes levanto bem cedo para fotografar as paisagens com a neblina do Sul de Minas antes da faculdade. Outras vezes acordo para escrever um texto em que estou trabalhando.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho hora para trabalhar. Nossa profissão de professor e pesquisador exige que estejamos prontos para o front em todos os turnos. Damos aulas de manhã, à tarde, à noite, na graduação, na pós-graduação, palestras, congressos, eventos. Nossa profissão é muito diferente da rotina de quem bate cartão ponto. Os espaços entre as aulas são divididos entre as atividades administrativas e a pesquisa. Então, o tempo que sobra das aulas e das atividades administrativas é o tempo dedicado à escrita. É um tempo precioso. Muitas vezes fragmentado em pequenos períodos espalhados ao longo do dia. Por isso não desperdiço esse tempo reproduzindo saberes hegemônicos. Procuro sempre a inovação, as releituras, o questionamento do senso comum.
A referência que tenho para identificar a melhor hora do dia para a escrita não é cronológica, tampouco espacial. Minha referência é a motivação, é a problemática que eu vejo na realidade e o dever que tenho de tentar ajudar a transformar isso. Por isso, minha melhor hora não é de dia ou à noite, tampouco em casa ou na faculdade, mas naqueles momentos em que vejo um problema grave acontecendo na realidade e sinto que posso contribuir com uma reflexão crítica importante. Quando isso acontece, esta é a melhor hora do dia para eu trabalhar.
Pesquisa é questionamento, inovação, desconstrução, reconstrução. É um tipo de discurso que caminha sob as margens dos discursos oficiais da mídia, da política, da economia ou da religião. Se você está no centro, seu discurso é de repetição, confirmação, conformação, referendo. Se você está nas periferias, seu discurso é de oposição, resistência, questionamento direcionado às pretensões de poder do centro, de crítica ao discurso do centro. Mas se você está na margem, seu discurso é de crítica a si mesmo, de questionamento ao próprio significado do estar-se na margem de algo.
A melhor hora do dia para trabalhar com o que eu trabalho é exatamente naquele instante de tempo em que nos damos conta que os grilhões epistêmicos que aprisionam o pensamento dos nossos colegas também nos aprisionam. Quando compartilhamos um mesmo regime de verdade. Quando estamos juntos, sufocados pelas mesmas relações simbólicas de poder. É como o cenário de uma catástrofe teórica, epistêmica ou paradigmática, na qual, depois de ver o estrago que sofremos, passamos a ajudar uns aos outros de modo solidário, sem esperar nada em troca, sem esperar nada além da sensação de ter ajudado do melhor modo possível.
Não tenho um ritual físico de preparação para a escrita. Tampouco simbólico. Acho que minha vida é isso. Então minha vida toda é um ritual. Procuro apenas evitar a sedução dos engodos das redes sociais. Isso me atrapalha na escrita, porque como me sensibilizo justamente com a pretensões de poder nos regimes de verdade, eu perderia muita energia e tempo selecionando as motivações que vem desses espaços de produção de sentido da vida cotidiana. Quando estou escrevendo um texto importante eu fecho tudo. Desativei as notificações no meu computador e deixo o celular no silencioso.
Houve um tempo em que eu tinha uma mania, quase uma superstição, que era a posição dos livros nas prateleiras da minha biblioteca. Não todos, claro, mas minha biblioteca possui uma geopolítica secreta. Há livros que precisam ficar estrategicamente em determinados lugares, como bases de saber que delimitam um certo campo daquela região geopoliterária. Esses livros-chaves são como índices, ícones ou até mesmos rastros que simbolizam um espaço geopolítico que dá sentido a um certo mapa dos meus saberes, das minhas zonas de discursividade, dos meus diferentes referentes interpretativos do mundo. Uma espécie de Bilderatlas Mnemosyne de Aby Warburg, só que com livros.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Minha prática de escrita é pulverizada, fragmentada. Não tenho períodos em que posso concentrar a escrita. Isso foi acabando na época do doutorado. No meu pós-doutorado foi a última ocasião em que eu pude dedicar períodos de tempo concentrados para a escrita. Atualmente, a escrita compete com as aulas, com as atividades administrativas e com a família. Escrevo um pouco todos os dias, um pouco todas as semanas. Com o tempo a gente vai se aperfeiçoando. Temos mais clareza e mais discernimento sobre o que estamos fazendo e a repercussão do nosso trabalho. Então a coisa acontece de um modo muito mais rápido. Nossos primeiros artigos científicos consumiam semanas para ficarem prontos. Nossos livros, anos. Hoje, um artigo fica pronto em horas. Livros em dias. É como os advogados quando escrevem suas primeiras petições ou como os juízes quando escrevem suas primeiras sentenças. Os primeiros trabalhos demoram muito tempo e intermináveis revisões. Depois de uma certa prática, de uma certa experiência, a escrita se torna uma atividade natural e até prazerosa.
Não podemos esquecer que o objetivo da pesquisa não é o êxito de uma meta de quantidade de páginas e sim uma abordagem inovadora, uma releitura diferente, uma problematização diferenciada, um questionamento dos saberes hegemônicos.
Metas funcionam quando se está trabalhando na perspectiva da execução de atividades já pensadas, planejadas e esquematizadas. Se eu tenho uma pesquisa empírica, por exemplo, posso definir metas de levantamento e tabelamento de dados. Ou até metas de cruzamento de dados. Mas uma coisa é a produção dos dados. Outra bem diferente é a interpretação desses dados. Quer dizer, uma coisa é perguntar quantas mulheres praticam abortos clandestinos no Brasil, outra coisa, bem diferente, é perguntar o que significa isso ou por que isso acontece. Penso que as metas funcionam apenas na produção dos dados. Na fase da reflexão, da análise crítica, da interpretação dos dados, as metas se tornam supérfluas. Porque nessa fase da pesquisa não são as metas que comandam a atividade reflexiva do pesquisador, mas sim os regimes de verdade, os paradigmas, os scripts teóricos que desenham as formas hegemônicas de saber.
O problema da meta é a transformação dos critérios qualitativos em quantitativos. O Capitalismo transformou a ciência, de um sistema de conhecimento, em um sistema de produção de bens. Saber só por curiosidade não possui mais valor. Utilizar essa racionalidade instrumental-estratégica para definir um critério qualitativo de saberes é transformar a ciência em uma empresa, as universidades em fábricas e o conhecimento em mercadoria.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita começa com um problema do mundo prático. Não começo compilando notas, tampouco citações ou outras referências. As referências já estão na minha cabeça e organizo elas de modo seletivo para dar um sentido ou outro à problemática que escolhi desenvolver, porque julguei tratar-se de uma problemática importante para a comunidade jurídica brasileira.
Se eu começasse compilando notas, estaria já condenado a reproduzir os mesmos desenhos teóricos do referencial que está presente no background das notas que compilei. Não estou dizendo que não sigo nenhum referencial teórico. Pelo contrário, acredito que, quando não temos consciência e clareza sobre o fato de estarmos utilizando um referencial teórico, estamos já reproduzindo, sem saber, o referencial teórico dominante do nosso momento histórico. No caso do direito isso é evidente. Imagino que isso aconteça também nas outras áreas do conhecimento. Sempre há um referencial teórico hegemônico que domina o estilo de racionalidade aceito como válido no geral. Até mesmo a arte, que procura sempre a subversão e o questionamento crítico dos referenciais anteriores, precisa partir daqueles referenciais como um referente para a desconstrução. Se você não tem consciência disso, você vai reproduzir esses mesmos discursos, esses mesmos regimes de verdade.
Para começar a escrever um texto importante inicio pelo projeto, isto é, anotações da estrutura da pesquisa. Faço as seguintes perguntas, nesta ordem: qual é o problema? Por que, desde quando e em que contexto de discussão isso é um problema? Quais são os objetivos da pesquisa e por que esses resultados são importantes? Qual a metodologia e referencial teórico mais adequado para atingir o resultado que eu pretendo como objetivo? Por que isso é relevante para a comunidade jurídica nacional hoje? Se você reparar, essas perguntas constituem as mesmas etapas da estrutura de um projeto de pesquisa. A diferença é que, antigamente, eu escrevia isso na forma de um projeto, para não me perder no turbilhão de possibilidades que é o pensamento científico. Hoje, depois de uma certa experiência, faço essas perguntas mentalmente. Então começo escrevendo o título do trabalho, que é o problema, e a introdução, que é a resposta a essas perguntas e sigo adiante.
Há trabalhos que escrevemos como se estivéssemos contando uma história. Esses trabalhos ficam prontos muito rapidamente e eles são escritos na mesma ordem em que são apresentados. São trabalhos já pensados, que apenas reproduzem o resultado de pesquisas anteriores ou que apresentam apenas alguns pontos ou propostas diferentes de questionamento e encaminhamento das questões. Mas há trabalhos que possuem uma pretensão mais inovadora, nos quais propomos não apenas uma releitura de pensamentos já desenvolvidos, mas uma recompreensão de determinadas problemáticas ou identificação de problemáticas novas. Essas pesquisas são trabalhosas, porque precisamos muitas vezes transitar por diferentes referenciais teóricos, estabelecer discussões críticas entre eles, sinalizar diferenças em seus pressupostos e, inclusive, sinalizar as disputas de poder pela ocupação de certos espaços de produção de sentido. Exigem uma escrita mais cuidadosa, atenta e estrategicamente desenhada para tornar compreensível a inovação e, ao mesmo tempo, para apresentar-se coerente com o estado da arte naquele campo do saber. Esse tipo de pesquisa eu escrevo do mesmo modo, iniciando pelo problema, introdução até a conclusão. Mas é comum voltar à introdução para reformular algumas frases, conferir a precisão conceitual a algumas expressões, distinguir o sentido de uma determinada expressão, evitar a repetição de palavras, etc.
O fato é que, se eu esperar por uma inspiração divina ou por uma musa do processo criativo vou morrer na frente do computador sem traçar uma linha sequer. Eu espero poder continuar sensível aos problemas que eu identifico na minha prática profissional de professor e pesquisador na área jurídica.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Travas na escrita, distrações e expectativas são coisas diferentes. Existem momentos em nossa vida que estamos mais criativos. Noutros, dedicamos nossa energia para outras dimensões, outras coisas. Existe uma certa sazonalidade na escrita. Nem sempre estamos na primavera. Os invernos podem durar anos e as primaveras, dias. Eu passei por um longo inverno de desmotivação para escrever. Claro que não deixei de escrever um pouco, mas foi um período, como posso dizer, de ressaca intelectual, de um certo ceticismo sobre nosso papel de pesquisador e professor de direito. Precisei alguns anos para entender o que estava acontecendo comigo e com a relação que eu estabeleço com a minha profissão, com meus alunos e com meus colegas.
Somente depois que entendi o papel da academia no campo das discursividades que utilizam a estrutura do direito como forma de comunicação, quer dizer, o papel da academia como discurso periférico do direito ao lado da advocacia pública, da advocacia privada, da política e com o discurso judicial no centro do sistema eu voltei a ter gosto por escrever ou dizer algo sobre o direito. Somente depois que entendi minha posição de fala como uma “fala não autorizada” é que percebi que tinha algo importante a dizer sobre o direito. O restante é reprodução da fala autorizada. Reprodução dos saberes de centro, dos saberes do campo jurídico de cada época e lugar.
Não há trava na escrita quando nós assumimos a perspectiva de um grupo, de uma rede ou de uma categoria de pensamento. Nós travamos quando usamos o verbo na primeira pessoa do singular: eu penso que, eu acho que, eu entendo que… Não importa o que cada um de nós individualmente pensa ou entende. Importa o fato de fazermos parte de uma comunidade que entende que… Importa o fato de estarmos vivendo sob uma estrutura social que condiciona o que cada um de nós, individualmente, pode entender que… Quando entendemos que fazemos parte de um movimento, de um grupo que compartilha um determinado ideal, quando não estamos sozinhos na periferia do sistema, então a gente já não fala mais de nós mesmos, mas falamos do nosso grupo, do nosso modo de ver as coisas. Quando escrevo algo, não sou eu que escrevo aquilo para mim mesmo ou para um colega. Somos nós, enquanto participantes de uma comunidade de conhecimento, que escrevemos algo sobre nossa própria comunidade.
Penso que, às vezes, as travas na escrita nada mais são do que o silêncio rebelde do nosso pensamento diante da perplexidade de ter que escrever algo não autêntico, de ter que escrever algo que reproduz uma convicção da qual não compartilhamos. Como na arte, também na ciência as melhores obras não são aquelas pensadas para satisfazer um mercado, uma audiência ou uma crítica arrogante, mas sim aquelas realizadas com honestidade. A trava na escrita está ligada ao non sense, ao sem sentido de escrever um texto desonesto conosco mesmo.
Vejo travas acontecerem em alguns alunos da pós-graduação. Nossos alunos precisam escrever. É obrigatório para eles escrever um projeto de pesquisa e, depois, desenvolver esse projeto na forma de uma dissertação de mestrado, além de artigos e outros textos acadêmicos. Os alunos que vêm para a pós-graduação com um projeto consistente e esperam das aulas e dos professores apenas os referenciais para desenvolver a pesquisa como parte de um projeto maior, esses não possuem travas. Porque eles não estão sozinhos. E sabem o que querem. Já os alunos que chegam na pós-graduação com um projeto legal porque viram um caso daqueles na televisão ou porque é um tema da moda, esses vão travar exatamente quando perceberem que a abordagem que eles estavam pensando realizar constitui exatamente a reprodução do problema que eles queriam solucionar. Isso realmente trava a pessoa. Porque se seguir, é desonesto. Se parar, vem a frustração de não conseguir. Todos ficam felizes quando se descobrem as saídas desses paradoxos, como por exemplo, o papel da mídia de massa na definição das agendas políticas mais importantes da nação. O objeto da pesquisa se desloca para o próprio observador. E nada mais honesto do que falar dos nossos próprios limites quando falamos das coisas do mundo.
A procrastinação, em tempos de internet, de TV a cabo, de conectividade em rede e em tempo real, tornou-se um problema importante para a escrita. As opções de entretenimento, hoje, são muito vastas e acessíveis em qualquer tempo e lugar. Antigamente, para ver alguma coisa interessante na TV tínhamos que esperar a programação acontecer. Tinha filmes na segunda à noite e o Globo Repórter na sexta, só. O restante era tédio. Hoje eu posso ver tudo o que eu quiser na hora que eu quiser e tem muito mais coisa para ver do que eu posso ver, talvez, até o resto da minha vida.
Se o pesquisador não possuir um mínimo de disciplina e uma grande motivação para a pesquisa ele simplesmente não encontra tempo para escrever. A escrita é uma atividade que demanda dedicação, demanda um ambiente calmo, sob controle e seletivo. Eu escrevo ouvindo música, mas não qualquer música. Não sei se conseguiria escrever vendo um filme que eu gosto na TV. Essas distrações comprometem e procrastinam a escrita. Se você tem problemas em começar um seriado e não parar mais, sugiro que pense em um projeto de pesquisa que trate da representação social do direito, ou da sua área de pesquisa, no imaginário construído pelo seriado no qual você está viciado. Se você gosta muito de música, investigue a construção imaginária do sentido de pluralismo jurídico na poesia da música popular brasileira pós-constituição de 1988. Assim você pode, sem se sentir culpado, ouvir muita música como parte importante de uma pesquisa empírica (risos).
Já o medo de não corresponder às expectativas é uma questão que, com o tempo, a gente passa a ter uma visão diferente. Em nossa vida acadêmica passamos por várias “provações”. Bancas de defesa de TCC, de Mestrado, de Doutorado, de Pós-Doutorado. Mas não é só isso. A vida acadêmica é um constante estar sob avaliação: dos alunos, dos colegas, das instituições em que trabalhamos, do governo (MEC, Capes, CNPq), dos grupos sociais dos quais fazemos parte e da sociedade em geral. Vivemos sob constante avaliação e não podemos errar em momento algum. Precisamos ser inteligentes o tempo todo, porque o mundo espera isso de nós. Não podemos brincar, rir de nós mesmos, a não ser na nossa vida privada, com a família e amigos. Se eu rir na sala de aula, posso estar sendo politicamente incorreto. Porque os alunos esperam um modelo de professor inglês, a instituição espera uma produtividade chinesa, os colegas esperam o companheirismo soviético, os grupos e movimentos esperam o carisma e a liderança do caudilho, a sociedade espera a excentricidade dos gênios. No fim, todo mundo fica frustrado, porque nós, professores, não somos nada disso. Somos profissionais, agentes da transformação do conhecimento e não da confirmação das confortáveis certezas. Lembrando uma expressão de Bachelard, nós trabalhamos na desconstrução dos “obstáculos epistemológicos” dos saberes e não na certificação de saberes já produzidos e reproduzidos pelo senso comum.
Quando o assunto é reconhecimento lembro sempre de Clément Rosset, que escreveu um livro, dentre vários outros, chamado Logique du pire, a lógica do pior. Rosset fala de um terrorismo na filosofia contemporânea. De um pensamento do terror em busca de aprovação. Homens-bomba esperam aprovação, esperam reconhecimento. Buscar a aprovação nos escombros da nossa própria destruição não me parece ser uma ideia inteligente. Nosso objetivo é transformar os saberes, é refutar as conjecturas das proposições científicas e entender os diversos regimes de verdades compartilhados pela nossa comunidade de cientistas sob o paradigma e as relações de poder que se desencadeiam entre esses diferentes regimes de verdade. Nosso objetivo é entender, exatamente, porque algumas abordagens são reconhecidas e outras não. Qual é o jogo de poder que se inscreve na estrutura das organizações que permitem que determinados discursos sejam reconhecidos e outros não? Qual é o regime de poder que determina a separação simbólica entre atores de centro e atores de periferia na ocupação dos espaços de produção de sentido da sociedade? O dia em que eu for reconhecido por isso significa que errei alguma coisa.
Ansiedade de trabalhar em projetos longos é uma questão que nunca vivenciei. Sou uma pessoa ansiosa em várias dimensões da vida, mas não na realização de projetos. Um projeto grande e demorado apenas me exige mais organização, mais seletividade e mais precisão naquilo que é realmente importante. Mas não é uma questão que trato em termos de incerteza ou de mistério. Tenho muito mais medo de perder a sensibilidade para as questões que julgo importantes do que dos cronogramas de longos projetos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Dependendo dos textos, reviso uma vez ou muitas vezes. Há textos fáceis, que são como que resumos de conclusões que já elaboramos em outras ocasiões. A escrita desses textos, que partem de ideias já elaboradas e discutidas, é como contar uma história, como contar algo que aconteceu. Esses textos são rápidos e fáceis de escrever. Uma revisão apenas é suficiente. Porque a estrutura do texto, abordagem, referencial teórico, metodologia, relação entre a problemática e objetivos, tudo já está pronto. Então a escrita é só uma execução de um complexo de ideias já estruturado e pronto.
Mas há textos nos quais estamos pretendendo inaugurar uma nova abordagem, um novo modo de ver uma problemática, uma ideia realmente inovadora e que possui uma certa importância para a comunidade científica da qual fazemos parte. Esses textos exigem muita reflexão. Porque o modo como expomos a problemática e o modo como organizamos a estrutura do texto afeta profundamente o modo como ele será recebido e entendido no estado atual do conhecimento. Quando escrevermos um texto que tenta dar um passo adiante no estado da arte, a responsabilidade pelo que é dito ou pela relação que está sendo proposta é totalmente nossa. E nesses casos a estrutura do argumento precisa ser perfeita. Precisa existir uma coerência entre o estado da arte e o passo adiante na fronteira do conhecimento. Precisa também manter a consistência da proposição com aquilo que é atualmente aceito no campo simbólico, precisa dialogar com os referenciais que direta ou indiretamente discutiram o assunto, enfim, precisa realizar muitas coisas. Se você não tiver esse cuidado seu texto vai para a queima de arquivo, sem contraditório ou ampla defesa.
Os textos que julgo importantes pela inovação e pela proposta de novas abordagens são revisados várias vezes. A primeira revisão tem foco nos adjetivos. Eu me policio muito nos adjetivos, porque minha fala é um pouco agressiva e isso transparece no meu texto se eu não cuidar dos adjetivos. Uma segunda revisão tem foco na estrutura dos argumentos, nas relações de coerência e de consistência entre o problema, objetivos, metodologia, referencial teórico e resultados alcançados. Entre essas revisões, cuido também das referências bibliográficas, das ilustrações, das referências empíricas, da comprovação das proposições, para que meu texto não seja um mero ensaio de opiniões pessoais críticas e aparentemente eruditas sobre um determinado assunto. Opinião todos têm. Eu procuro desenvolver proposições refutáveis por critérios objetivos.
No ramo da pesquisa científica precisamos fazer parte de uma fauna, de um grupo, de uma tribo, de uma comunidade de pesquisadores na qual podemos compartilhar nossas discussões, receber críticas, fazer críticas e testar as novas abordagens que estamos propondo. Nem sempre temos a oportunidade de submeter nossos manuscritos a uma revisão pelos colegas e amigos. Mas sempre que possível, seja em congressos ou nas redes de pesquisa que participamos, procuro apresentar de modo oral a estrutura do argumento e o lanço às críticas. A última vez que fiz isso foi semana passada, na Unicamp, no grupo de pesquisa sobre judicialização. Fiz a apresentação, para professores de diversas áreas do conhecimento, de um novo projeto que estou trabalhando. Foi incrível. Tive a oportunidade de discutir a questão a tarde toda. Nenhum congresso permite um tempo de discussão tão vasto e rico em críticas e oportunidades de melhoria.
Também ajudo amigos e colegas na leitura crítica de textos. Gosto de ajudar os colegas a identificar falhas na estrutura dos argumentos que podem ser consertadas. Quando escrevemos um texto estamos tão preocupados com certos aspectos do argumento que nem percebemos pequenas falhas na estrutura lógica e que um amigo ou colega identifica facilmente para nós.
A pesquisa científica, para mim, não é uma atividade solitária de um filósofo ermitão ou de um Professor Pardal sozinho em seu laboratório. A pesquisa é uma atividade coletiva. Ser pesquisador é fazer parte de um grupo, de uma comunidade. O que escrevemos precisa fazer sentido para essa comunidade. Precisa contribuir para a discussão geral do grupo, precisa contribuir para a desintegração do conhecimento atual e para a reintegração em outros níveis de consistência. Reproduzir saberes é outro tipo de atividade profissional, ligada à técnica, à dogmática e à prática forense. Na academia, nosso diferencial está justamente na criação, na problematização, nas exigências de coerência e de consistência no uso funcional dos conceitos e das proposições normativas do direito.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Gosto de tecnologia. Desconfio um pouco do excesso de conectividade. Mas só escrevo em computador. Meus rascunhos às vezes são em papéis, em bilhetes ou no verso dos trabalhos acadêmicos dos alunos (ops!). Mas o desenho da estrutura de um projeto ou de um artigo parte direto do editor de textos no computador. Queria um sistema que convertesse as formatações automaticamente de acordo com as normas editoriais de cada revista. Os sistemas que existem hoje no mercado dão mais trabalho do que ajudam. Fica a dica para o pessoal da informática.
Uma coisa que está na moda hoje são os pitches. Eu mesmo já gravei alguns. Parece que o pitch é uma tendência. Afinal, ninguém lê mais nada, então a gente grava vídeos, pitches, pinceladas, sobre um assunto ou sobre as conclusões de uma pesquisa. É triste, mas parece que é um jeito contemporâneo de difundir conhecimentos que, por outros meios, ficariam restritos a uma elite intelectual. Essa entrevista, por exemplo, será lida por poucos. Provavelmente apenas uma elite chegará até esse ponto da entrevista. Um vídeo, no entanto, poderia ser assistido por várias pessoas. Desde que não ultrapasse cinco minutos, claro. Porque se for mais de cinco minutos, o padrão cultural já acha demais. Afinal, nada deve ser tão complexo que não possa ser completamente explicado de modo simples e objetivo em menos de cinco minutos (risos). Esse é o conceito do pitch.
As tecnologias de informática redesenharam o modo como se acessa e como se produz conhecimento. Sou do tempo em que, para ler um artigo importante publicado em uma revista estrangeira, precisávamos encomendar pelo Comut. Ele vinha pelo correio, demorava meses e era muito bom. Hoje, o acesso é instantâneo, gratuito e universal. O paradoxo é que, ao mesmo tempo em que hoje temos acesso a uma quantidade muito maior de informação, essa quantidade também possui muita redundância, muita repetição, muita coisa desimportante. O excesso então exige seletividade. As novas tecnologias nos ensinaram a sermos mais seletivos com nossas referências. E isso renovou o papel do professor e pesquisador. Veja que, na Idade Média, o professor fazia a leitura de um livro para os alunos. Hoje, os alunos têm acesso direto ao conhecimento. O professor não precisa mais ler os livros para os alunos. Hoje, o professor precisa selecionar e organizar o conhecimento para os alunos. Ele precisa dizer o que, dentro desse universo emaranhado de textos, constitui uma referência importante e como isso se insere na história do pensamento.
Com as tecnologias de informática tornaram-se mais fáceis também os acessos ao estado da arte. Hoje podemos escrever um texto utilizando referências atualizadas em nível mundial. Além disso, a comunicação entre os pesquisadores, os grupos, as redes de pesquisa para troca de referências etc., tudo isso intensificou a velocidade da produção do conhecimento. Se as novas tecnologias aprofundaram verticalmente o conhecimento ou o expandiram horizontalmente nas superfícies dos saberes é outra questão. Mas a velocidade das transformações, de fato, aumentou exponencialmente. Um paradigma, que antigamente durava séculos, hoje não subsiste a uma década. Uma teoria, que durava décadas, hoje dura meses. A liquidez do mundo contemporâneo acontece também na ciência.
Uma questão tecnológica que não lido muito bem é a da memória, do arquivo, ou melhor, a questão do arquivamento. Tudo que fazemos, hoje, fica registrado em imagens, vídeos e textos. E fica disponível para todos, em todos os lugares e em todos os tempos. Pergunto-me sobre o esquecimento. Sobre a seletividade da memória. Sobre a descontextualização temporal e espacial dos discursos. E sobretudo a descontextualização dos referentes de sentido do discurso. Como lidar com um mundo cuja memória pode ser acessada de modo universal e perpétuo? Como arquivar as mudanças, as transformações, a diferença entre o que deve ser lembrado e o que deve ser esquecido? Como lidar com o arquivo da história e com os processos de queima de arquivo dessa mesma história? Como lidar com a mudança de pensamento, de convicção, de posição política? Deve ser muito cansativo ter que dedicar tempo e energia explicando que, antigamente, éramos marxistas porque acreditávamos em ideais socialistas, mas que hoje, por desconfiarmos desses ideais, isso não significa que nos tornamos liberais. Deve ser cansativo ter que se justificar a todo momento para satisfazer pretensões de validade ligadas a uma memória virtual omnicompreensiva de tudo e sempre descontextualizada. Deveria existir um direito ao esquecimento.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Uma parte importante das ideias vem das discussões com os colegas. Outra parte vem da discussão com os alunos, das leituras que fazemos e dos acontecimentos sociais. A parte mais importante da criatividade, contudo, vem das preocupações que temos com o futuro. Não acredito nas garantias de não retrocesso social. Não acredito na regra contramajoritária, tampouco na democracia, muito menos no autoritarismo ou na aristocracia. Eu vejo acontecer retrocessos sociais graves em diversas áreas. Vejo uma democracia de fachada, movimentos sociais elitizados e grupos sociais vulneráveis absolutamente excluídos de tudo. Vejo discursos acadêmicos neocoloniais que reproduzem a imagem latino-americana do exótico para europeu ver. Vejo disputas de poder entre grupos pelo monopólio da fala autorizada. Mas vejo também coisas boas, alegria, afeto, solidariedade, esperança, compromisso, vínculos comunitários. Minha motivação vem desse esforço por trabalhar por um futuro melhor. Temos muita coisa a fazer pelo Brasil. Mesmo que ele não tenha feito nada por você. Senão por nós mesmos, pelos outros, pelos nossos filhos.
Se eu pudesse estar viajando, curtindo a vida ou praticando esportes radicais o tempo todo, com certeza não estaria sentado, solitário, na frente de uma tediosa tela de computador escrevendo textos ascéticos. É preciso uma certa dose de tédio para preferir estar no computador escrevendo. O tédio, contudo, pode levar à paralisia. Um desânimo total. Então eu procuro equilibrar minhas tarefas distribuindo as energias em diversas atividades. Procuro não estudar o tempo todo. Mesmo que eu goste muito de ler ou prefira levar um livro para a praia do que um violão, procuro diversificar minhas atividades. O contato com a Natureza é uma coisa que me faz muito bem e me clareia as ideias. Já abandonei vários projetos com baixo grau de inovação em caminhadas pela Serra da Mantiqueira. Não é fácil arranjar tempo para tudo. Mas na medida do possível procuro dedicar, pelo menos, algumas horas por semana para realizar outras atividades bem diferentes do ser professor e pesquisador.
Diversificar as atividades e evitar concentrar toda a energia em uma única atividade é um ensinamento que já estava na experiência grega da Paidéia, na formação do homem grego. Pode não parecer, mas uma atividade física faz bem não só para o corpo, mas sobretudo para a mente, para as ideias, para a criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Muitas coisas mudaram. No início da minha carreira como pesquisador eu utilizava um ou dois referenciais teóricos, sem muita noção ou sem o discernimento necessário do significado das decisões conceituais que, com base nos meus referenciais, eu realizava. No início, meu pensamento era muito mais restrito e ele só andava solto dentro dos limites do desenho teórico dos meus referenciais. Sorte a minha que tive bons professores, que me ensinaram a dominar referenciais de alto nível e que continuam de alto nível até hoje. Atualmente eu transito entre diversos referenciais teóricos. Coloco uns contra outros. Submeto uns às pretensões de validade dos outros. Meu pensamento hoje é muito mais complexo e rico em pressupostos do que no início da minha carreira de pesquisador.
Com o passar do tempo nós acumulamos mais repertório, não só mais experiências ou vivências. Contudo, lembrando Guimarães Rosa, com o passar dos anos as bagagens da vida também se tornam mais pesadas. Sem consciência das bagagens era mais fácil de escrever. Tudo era novidade, tudo era interessante. Hoje somos mais seletivos. Mais criteriosos. Hoje somos mais subliminares também, damos recados silenciosos nas entrelinhas. Somos mais irônicos também. E muito mais céticos do que éramos na juventude. Não acredito em quase nada, muito menos em soluções. É difícil me convencer de alguma coisa. Não por teimosia, mas porque sei que a verdade, a correção e a sinceridade fazem parte de regimes históricos, epocais e absolutamente contingentes de verdade. Hoje só escrevo se tiver algo realmente importante, inovador e interessante para dizer. As pessoas que leem meus textos podem ter certeza que estarão lendo ideias novas, ideias que não costumam estar sob a proteção e o conforto das fronteiras políticas do conhecimento. Mesmo quando escrevo sobre teóricos do direito ou sobre teorias, metodologias, concepções e matrizes teóricas, não procuro apenas reproduzir um “fichamento” do pensamento do autor. Procuro, sim, estabelecer uma releitura possível do pensamento do autor no contexto maior da discussão que existia na sua época e na época dos seus referenciais.
Os grandes pensadores não possuem apenas um referencial. Kelsen, por exemplo, no campo do direito: podemos entrar no pensamento de Kelsen pela porta da sociologia de Max Weber, como também pela porta do neokantismo de Marburgo. Mas se esses são os lugares-comuns das leituras de Kelsen, por que não experimentar uma leitura pela porta dos fundos? Pelo neopositivismo lógico do Círculo de Viena? Essas releituras são interessantes porque permitem compreender um pensamento melhor do que ele mesmo. Permitem entender o contexto da época, as abordagens possíveis, as motivações, os objetivos, os regimes de verdade que atuavam sobre aquele pensamento. Do mesmo modo o pensamento de Habermas sobre o direito. Eu vejo muitas leituras kantianas sobre Habermas, poucas leituras marxistas, raríssimas leituras weberianas e praticamente nenhuma leitura funcionalista-sistêmica, muito embora, como sabemos, o pensamento de Habermas seja formado por uma diversidade de referências que abrangem não só estas como também referências da semiótica norte-americana, do pragmatismo, do realismo, do construtivismo, do pós-estruturalismo, enfim. Uma leitura interessante sobre o pensamento de Habermas sobre o direito precisa explorar essas outras referências. Precisa entender quem eram, na época, os inimigos da teoria crítica da Escola de Frankfurt e por quais razões. Pensem isso no Brasil, quer dizer, vamos pensar, por exemplo, nas diferentes imagens da brasilidade nordestina, paulista e sulista construídas, respectivamente, por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro e tentar entender porque existem essas diferentes imagens, essas diferenças baseadas não simplesmente nos diferentes métodos ou opiniões pessoais de cada pensador, mas nas diferentes estruturas de pensamento que comandavam, na época, os esquemas de produção de sentido dessas brasilidades.
Para conseguir esse nível de compreensão precisamos de tempo e dedicação. Precisamos de um repertório teórico historicamente organizado e espacialmente sistematizado. Nos nossos primeiros trabalhos não tínhamos a noção de que isso existia e de que a escolha por um e não outro referencial era uma escolha política. Hoje temos consciência disso. Mas ao contrário dessa consciência nos tornar mais espertos ou mais arrogantes, ela nos torna mais responsáveis e muito mais cuidadosos com escolhas conceituais que fazemos.
Minha tese de doutorado foi um trabalho genuinamente luhmanniano. Sustentei a tese, dentre outras coisas, que a tecnologia pode ser observada como um sistema social dotado de autopoiese, com todas as consequências disso para uma autodescrição em termos de teoria dos sistemas. A forma energia/tecnologia produz um tipo especial de comunicação significativa que não depende mais da ciência ou de outros sistemas sociais para funcionar. A tecnologia só depende de sua base energética, que por sua vez depende de um processo de produção, distribuição e consumo baseado em altas tecnologias. Um fato que, atualmente, está acontecendo em vários níveis e dimensões da tecnologia, desde a informática até as altas tecnologias de saúde do projeto genoma humano.
Se eu pudesse voltar à época da tese não mudaria ela. Não porque acho ela perfeita. Nenhum trabalho é perfeito. Minha tese simbolizou um ponto de chegada de uma trajetória que iniciou no final da graduação e que se intensificou no mestrado. Um ponto de chegada que é, também, um ponto de partida. Uma estação, na qual descemos de um trem para pegar outro e seguir viagem para outros destinos. Hoje escrevo sobre questões ligada à hermenêutica jurídica, aos processos de produção e reprodução do sentido do direito, às disputas epistêmicas pela ocupação dos espaços de produção de sentido do direito, os regimes de verdade nos discursos jurídicos do centro e das periferias. Está tudo conectado. Mudo as temáticas, mas as abordagens que faço permanecem com a mesma identidade, com a mesma singularidade: o esforço do estar-se na margem, na fronteira entre os saberes de centro e os de periferia. Nem casa grande, tampouco senzala, mas sim a estrutura social que permite e reproduz essa correlação. Nem homem cordial, tampouco homem racional, mas sim o motivo pelo qual essa diferenciação faz algum sentido no Brasil.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vários projetos que eu gostaria de realizar. Imagino uma discussão sobre o novo realismo especulativo de Quentin Meillassoux e a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. Outro grande projeto seria uma discussão sobre a brasilidade no direito brasileiro, as referências da história do Brasil no modo como nós pensamos o direito, a política e a democracia. Outro projeto, mais simples, que eu gostaria de realizar era a representação social do direito nas lendas e contos do Sul de Minas e nos do Rio Grande do Sul. Tenho muitas ideias que sei não serão executadas.
O livro que gostaria de ler, que ainda não existe, é o livro sobre o Grande Externo, isto é, o livro sobre a realidade que existe independentemente da correlação entre ser e pensamento, sujeito e objeto, noema e noemático, linguagem e mundo. O paradigma que vivemos hoje é o paradigma da linguagem. Talvez o da comunicação em alguns aspectos. Queria ler o livro que inaugurará o próximo paradigma. Será que será um livro sobre pluralismo? Ou será um livro sobre uma realidade que existe independente de nós, independe dos discursos, das máscaras, das interpretações que fazemos e organizamos na forma do sentido? Será um livro sobre a possibilidade de se pensar no sentido do mundo independentemente da correlação entre ser e pensamento? Ou apenas variações sobre o tema da différence, do jogo entre o pluralismo e a singularidade? Esse é um livro que eu gostaria de ler.