Rafael Gallo é autor de Rebentar, romance vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura, e de Réveillon e outros dias, livro de contos vencedor do Prêmio Sesc de Literatura.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu tenho um emprego formal, que não tem nada a ver com literatura. Então minha rotina matinal é tomar um banho, comer o café da manhã e pegar o metrô em direção ao trabalho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu funciono melhor do meio da tarde para a noite, por volta das 15h até umas 22h. Como trabalho até às 17h, começo a escrever só por volta das 18h. Não é o ideal, claro, mas vá dizer isso aos boletos que não param de chegar em casa. O meu “ritual” de preparação, por assim dizer, é sempre ler algo de que gosto antes de escrever. Isso ajuda muito a me deixar calibrado no modo literário. E, claro, não pode faltar chocolate também.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever todos os dias, mas com minha rotina isso nem sempre é possível. Se tenho algum compromisso à noite, em geral não dá tempo de voltar para casa após a saída do trabalho, antes de ter de sair de novo.
Não tenho uma meta específica, nem poderia ter. Se escrevo dois parágrafos em um dia, que resistirão ao dia seguinte, já está bom demais. Se tiro dois parágrafos que não deveriam estar ali, idem.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu processo começa dentro da minha cabeça, passa bastante tempo somente ali. Antes de colocar a primeira palavra na folha em branco, eu penso muito sobre qual é o verdadeiro tema da história que pretendo escrever, como são as personagens, de que maneira posso potencializar o sentido central dessa história, etc. Tenho longas conversas comigo mesmo sobre o livro. Nesse período – e durante toda a escrita – vou anotando ideias, que me surgem a todo momento, porque estou quase sempre pensando nas minhas histórias. A pesquisa e a escrita convivem no começo; dependendo do assunto que vou tratar, preciso pesquisar bastante: entrevistar pessoas, ler a respeito. Para um ficcionista, as pesquisas trazem certas respostas e outras tantas perguntas, outros modos de se pensar o tema. No início da escrita, esses estímulos podem ser imprescindíveis.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sentando para escrever. Essas coisas só ganham espaço na sua cabeça quando você não está efetivamente escrevendo, está pirando fora do livro.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Se eu pudesse, ainda rabiscaria à caneta os livros que já estão nas livrarias. Paro de revisar quando sou obrigado, de certa forma; quando o prazo da editora está no limite.
E, sim, mostro para outras pessoas meus originais. Cada vez mais acredito ser importantíssimo ter leituras de outros. Nosso olhar, ainda que não pareça, é muito restrito; não somente em relação a nosso próprio trabalho, mas às ideias mesmo. Às vezes você está estereotipando certas personagens sem notar, ou está deixando passar certos detalhes que só outras pessoas percebem.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo tudo no computador. Aliás, com o tanto de ajustes e mudanças que faço no texto – copiando uma oração de um lugar para outro, testando versões diferentes da mesma frase, etc. – não sei se poderia ter sido escritor quando o computador não existia. Teria ficado meio maluco, acho.
Às vezes escrevo umas “notas paralelas” à mão. Certos questionamentos sobre a história, indagações, etc. Tem uma coisa que escrever à mão traz de diferente, uma certa fisicalidade do gesto, uma relação do corpo com a ideia, não sei. Às vezes é bom fazer uso disso.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ideias são informações misturadas e transformadas pelo poder da criatividade. Então, para se manter criativo, você precisa manter em forma seus músculos da imaginação e ter a matéria-prima do repertório de informações. Para isso, nada melhor do que ler livros, ver filmes, ouvir música, conversar com pessoas diferentes, ouvir as conversas alheias, manter as antenas ligadas e exercitar a criação de ideias. Fico bolando coisas assim quase o tempo todo, nem que seja de brincadeira: imaginar como ficaria uma música que gosto com um arranjo completamente diferente, o filme de um livro que gostaria de ver transposto para a tela, um conto se o protagonista fosse de outro jeito. Isso ajuda a manter-se criativo, elaborar aquilo que ainda não existe. O efeito colateral é que você também fica um tanto distraído; já aconteceu de eu ficar nessas em um buffet de restaurante e, só com a colher já cheia de arroz para me servir, perceber que cheguei ali sem ter pegado prato.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muitas coisas mudam no nosso processo de escrita ao longo dos anos, porque muitas coisas mudam em quem somos nesse tempo. Se eu pudesse voltar aos meus primeiros escritos, a única coisa que diria a mim mesmo seria: “Vai firme, mantenha a atenção no quanto isso é importante para você. E, no futuro, lembre-se sempre de dizer isso a si mesmo”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Putz, eu tenho vários projetos ainda não começados. Acho que tenho ideias para os próximos cinco ou seis romances que ainda não comecei. Considerando o tempo que levo para escrever, é estranho pensar na idade até a qual já estou compromissado.
E que legal poder falar sobre que livros eu gostaria de ler e ainda não existem. Esse é o tipo de exercício criativo ao qual adoro entregar meu pensamento. Poderia fazer uma lista, acho, mas vamos resumir: queria acordar com a notícia no jornal de que o Raduan Nassar está terminando um romance novo; queria que o Caetano Veloso resolvesse escrever uma ficção; queria um volume com os poemas do Cortázar; queria um livro de contos da Inês Pedrosa; tantos outros, dos autores que admiro.